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A recusa ao número 24 é um espectro patético de uma sociedade atrasada

No Brasil é comum ver o número não ser utilizado por atletas ou até mesmo no dia a dia

Recentemente foi lançada uma campanha por alguns veículos de mídia, com o apoio de certos times de futebol chamada “Pede a 24”. Iniciada pela revista Corner, periódico editado pelo consagrado jornalista Mauro Beting, a ação incentiva jogadores de futebol a assumirem a numeração 24 na camisa, rechaçada por muitos pela associação com o veado no ilegal “Jogo do Bicho”. Como, em nosso país, o termo “viado” é utilizado para se referir, na maioria das vezes pejorativamente, aos homossexuais, o número 24 é evitado por homens que acreditam que ao por um número nas costas, irão ter sua identidade sexual, tão frágil como é, alterada.

Não só dentro do futebol, mas no dia a dia, podemos ver situações de recusa ou estigmatização de um simples numeral, que vem após o comum 23 e antes do normal 25. Uma pesquisa rápida nos permite encontrar diversos modelos de vela de aniversário que marcam 23+1. Afinal, claro que se o aniversariante, no auge de sua masculinidade, colocar uma vela de número 24 em seu bolo de aniversário do Johnny Bravo, ele automaticamente não conseguirá resistir aos encantos, até então imperceptíveis sem o 24 em sua vida, de seu coleguinha de academia que foi prestigiar sua festinha.

A recusa ao número 24 é um espectro patético de uma sociedade atrasada
Um homem de 24 anos tem coragem de fazer uma festinha com vela com pavio mágico e presença de sósias do Homem Aranha, mas não de utilizar o número que representa sua idade – Crédito da foto: Reprodução/Twitter

A “24” no futebol

Dentro dos campos, a situação também é clara. No Brasil, a maioria dos times usa numeração fixa, ou seja, o jogador adota um número para toda a temporada. Além do tradicional 1 a 11, é muito comum ver jogadores com números incomuns e extravagantes. No futebol mineiro, em 2020, podemos ver o meia Jhonata Robert, do Cruzeiro, usando a 49, e Marquinhos, do Atlético, a 50. Em anos anteriores, pudemos ver craques como Souza “Ferrugem” e Paulão “Caveirão” ostentando a 78 e a 86 do Cruzeiro, respectivamente, ou Pierre e Júnior César com os números 55 e 66 do Galo às costas. É possível encontrarmos todo tipo de numeração. Ou melhor. Quase.

O número 24 é praticamente um tabu no futebol brasileiro. No Campeonato Brasileiro de 2019, dentre o 20 times, que com 30 jogadores em média em seus elencos, o que dá cerca de 600 atletas, apenas um, o jovem goleiro Brenno Fraga, do Grêmio, usava a “numeração proibida” às costas.

Nas competições internacionais, como a Copa Libertadores, é obrigatório o uso de uma numeração de 1 a 30. Já que era obrigados, nessa situação os jogadores aceitavam o número. Mas nas outras competições isso mudava rapidamente, como era o caso do atacante Carlos Eduardo, do Palmeiras, 24 na Libertadores e 37 no resto dos campeonatos. No Galo, o goleiro Michael era 24 na competição sul-americana e 31 em outras ocasiões.

A recusa ao número 24 é um espectro patético de uma sociedade atrasada
Claramente a camisa 24 não é rechaçada por falta de donos de qualidade na história – Crédito da foto: Cesar Rangel/AFP

Polêmica

O tema nunca passou tão despercebido pela imprensa. Todo ano saíam matérias que diziam o mesmo: mais uma temporada com “números 24” em escassez. Mas desculpas como “é escolha do jogador”, ou “cada atleta tem números que se identificam”, e que, exclusivamente não era o “24”, apareciam e tudo ficava por isso mesmo.

Mas no início desse temporada, uma declaração infeliz fortaleceu o movimento como nunca antes. Na apresentação do volante Cantillo, recém contratado pelo Corinthians, o jogador foi questionado sobre por que havia mudado de número, já que durante toda a sua carraira fora do país utilizou a camisa 24 e agora iria assumir a 8. O atleta então afirmou que “não poderia usar o número 24”. No caso, foi orientado a não utilizá-lo pela relação com a homossexualidade. Em seguida, Duílio Monteiro Alves, diretor do clube, fez uma declaração homofóbica: “Camisa 24 aqui não”.

A repercussão foi grande e muito negativa, tanto que levou Duílio a gravar um vídeo de desculpas, no qual disse: “Quero me desculpar pela brincadeira infeliz e informal que fiz durante a apresentação do atleta Victor Cantillo”. A partir daí foi permitido que Cantillo jogasse com seu número favorito.

Cantillo 24
Crédito da foto: Marcos Ribolli

Campanhas e ações

A partir do fato, diversas campanhas surgiram, com alguns clubes como Bahia, Santos, Fluminense e Flamengo aderindo-as e mandando atletas a campo com a numeração 24, alguns de forma fixa, caso dos dois primeiros clubes, outros apenas como ações pontuais ou em determinadas competições, mas importantíssimas.

Pateticismo, atraso e fragilidade

Quando se vê um homem, no auge de sua virilidade e masculinidade adornada de barbas de lenhados tratadas a loção de cerveja, recusar uma camisa, acessório, apetrecho ou senha que seja o número 24, uma interrogação se forma. O que será que ele teme? Ser chamado de gay numa roda de amigos apenas por uma representação numeral quantitativa ou, como dito acima, descobrir uma atração por estes amigos que ultrapassa a dita amizade? Bom não consigo saber.

Mas o que é óbvio é o quão patético e débil esse comportamento é. E sim, é preconceituoso, homofóbico. Sujo. Há quem negue. Zapeei pelas redes sociais antes de escrever esse texto. Há quem defenda “o direito de escolha”. Mas isso não é um direito de escolha. É exatamente o contrário. É você deixar de escolher por fazer uma associação que para si, é negativa. Se tratando de homossexualidade, fica claro o preconceito.

Alguns dos argumentos mais pífios e patéticos era: se existe um número para os gays, devia existir um para os negros, nordestinos e pasmem, até mesmo, crianças com câncer. Eu teria prazer em colar os tweets que falavam esse tipo de idiotice aqui, mas (in)felizmente o sujeito me bloqueou após ser questionado.

“Números para todos”

Bom, desenhando para nossos experts na ignorância que pensam assim, a questão alusiva ao número 24 NÃO se trata de “um número para os gays”. Se trata de uma associação pejorativa feita por não-homossexuais entre os homossexuais e o número que representa um animal num jogo ilegal.

Portanto a questão não é ter “números para todos”. Igualando a argumentação, seria como se houvesse um número que fosse relacionado pejorativamente a negros e nordestinos, e esses jamais fossem usados. Imagina se ninguém usasse a camisa 88, por esta remeter a um DDD telefônico de um estado do nordeste. Ou se ninguém usasse a camisa 13, dia do mês em que foi assinada a abolição da escravatura, por essa lembrar uma data de comemoração negra…

Enfim, campanhas como essas, discussões como essa, são muito importantes para levantar assuntos naturalizados que apenas reforçam nosso atraso como sociedade. Se não conseguirmos aprender nada, pelo menos não passaremos tanta vergonha.

*Este texto não reflete, necessariamente a opinião do Mais Minas, sendo de inteira responsabilidade de seu autor

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