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Polícia cumpre reintegração de posse e famílias são retiradas da Ocupação Chico Rei, em Ouro Preto

12/03/2019 às 20:12
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Foi dado início, na madrugada desta terça-feira (12), o processo de reintegração de posse das terras da Ocupação Chico Rei, localizada na antiga Febem de Ouro Preto, e que contava com cerca de 70 famílias moradoras.

Um grande efetivo policial, incluindo tropa de choque, chegou por volta das 4h30 da madrugada. Já os oficiais de justiça chegaram ao local logo depois, às 6h. Apesar do grande número de militares, a desocupação das residências se deu de forma pacífica.

Os moradores retirados de suas casas estavam sendo direcionados a um cadastramento, onde era realizada uma avaliação socioeconômica que visava o encaminhamento dos mais carentes para serem inseridos no programa de aluguel social da Prefeitura. Esse projeto oferece uma ajuda de custo de até 500 reais para que as famílias possam alugar moradias.

Mas, apesar de aceitarem a situação, os moradores da Chico Rei estavam temerosos, pois nem todos os avaliados estavam se encaixando nos critérios estabelecidos pela Prefeitura Municipal, significando que muitos poderiam terminar o dia sem ter para onde ir.

Wanderley Kuruzu, ex-vereador e uma das lideranças da Ocupação Chico Rei, falou com a reportagem do Mais Minas sobre a situação, citando os critérios da prefeitura, que englobam apenas aqueles cidadãos em situação de extrema necessidade, o que acaba excluindo alguns que se encontram em situação ligeiramente melhor, mas que ainda não tem condições financeiras de arcar com os custos de uma moradia digna. Kuruzu falou ainda sobre o rumos da Ocupação e afirmou que o povo ainda continuará engajado na causa.

“Além de angústia e sofrimento, fica um sentimento de determinação, resiliência, esse povo está determinado a resistir. A Ocupação vai continuar, não sabemos onde. Sabemos que vamos sair daqui e ir pra reunião da Câmara às 17h. De lá, para algum lugar nós iremos, a Ocupação vai continuar! Na Febem ou na rua, a luta continua”, afirmou.

Wanderley Kuruzu

Wanderley Kuruzu, um dos líderes do movimento de moradia em Ouro Preto e da Ocupação Chico Rei – Foto: Maic Costa/Mais Minas

O líder da ocupação também falou sobre a medida que a prefeitura está tomando, com o oferecimento do aluguel social. Mas para Kuruzu, a medida é insuficiente e instável, pelos problemas financeiros enfrentados pelo Município, que já vem atrasando os repasses do aluguel social, para aqueles já beneficiados.

“Pois é, a gente não sabe. A Prefeitura está nessa situação (passando por problemas financeiros), cinco meses com os repasses de aluguel social atrasados, hora falam sete meses, hora falam oito. A Secretária fala que são cinco meses de aluguel atrasado. Se não estão dando conta de pagar o que devem, como que vai contrair mais dívidas? Então, por isso que falo que é uma medida irracional. É muito mais fácil dar a estrutura para essas famílias continuarem morando aqui. O racional seria isso. Lugar seguro, terra pública, que estava abandonada”, explicou.

Kuruzu ainda classificou a reintegração de posse da Ocupação como irracional e com pitadas de maldade e perversidade.

“A Ocupação Chico Rei redescobriu essas terras, boas e firmes, e a prefeitura vem e retira. Ao invés de criar um programa habitacional nessa área, inclusive para retirar famílias do aluguel social, que são 130 famílias aproximadamente, com mais de cinco meses de atraso. É uma medida irracional e com uma pitada de maldade e perversidade que é fazer o pobre sofrer ainda mais”, finalizou o ex-vereador.

 

Tristeza e temor

Os moradores da Ocupação Chico Rei pareciam muito abalados e temerosos enquanto aguardavam para realizarem os cadastros com os técnicos da Prefeitura. Muitas crianças eram vistas no prédio escolhido para receber os funcionários municipais e, vez ou outra, um morador ia às lágrimas. Hubia Silva, moradora da Ocupação, falou com a reportagem do Mais Minas do sentimento de ser retirada de sua casa.

Hubia Silva, moradora da Ocupação Chico Rei – Foto: Maic Costa/Mais Minas

“O sentimento que fica é de indignação, abandono  e desleixo do poder público. Eu acredito que temos direito sim, são terras públicas que, até então, estavam abandonadas e quando a população chegou para tentar ocupar o espaço foram violentamente retirados. Porque isso é uma violência contra as pessoas aqui. A gente, como cidadão, tem o direito de ter uma moradia digna”, desabafou.

Hubia também afirmou não acreditar no programa de aluguel social, da Prefeitura.

“Olha, eu não acredito. O medo é que coloquem as pessoas lá por um mês e depois não cumpram com esse compromisso. Mas a nossa luta vai continuar e vamos continuar insistindo, lutando, se manifestando, todo mundo reunido novamente na frente da Prefeitura ou em qualquer lugar que for, para a gente ter uma casa própria e não viver de aluguel social”, finalizou.

Outro morador da Ocupação Chico Rei, José Agnaldo Lopes, argumentou sobre como seria mais viável a cessão das terras para a população.

“É uma perda para o município. Um sentimento de revolta. Porque ninguém quer ser prisioneiro de um aluguel social, dependente do município, aumentando ainda mais o encargo para o município, numa coisa que poderia ser resolvida pela democracia. Infelizmente eles acharam que aqui só tinha bandido, mandaram a Tropa de Choque, a Polícia Militar e tudo para resolver o problema da gente aqui e nos retirar. Mas como podemos presenciar, não está havendo nenhuma violência, nem por parte da PM e nem por parte dos moradores. Aceitamos sim ir para o aluguel social, mas queremos a revisão do Plano Diretor da cidade”, disse.

José Agnaldo Lopes, morador da Ocupação Chico Rei

José Agnaldo Lopes, morador da Ocupação Chico Rei

José Agnaldo ainda fez um apelo às autoridades que acompanharam e se solidarizaram com o caso e disse ainda que a Prefeitura tem interesses financeiros com aquelas terras.

“Peço para as autoridades que lerem esse relato aqui, que possam reivindicar esse espaço no qual já construímos. Arranjem os papeizinhos, mexa naquilo que eles sabem mexer e resolvam esse problema pra gente. Estamos perdendo bens materiais, lutas, suor, sonhos, sacrifícios, tudo está sendo enterrado aqui. Os nossos sonhos estão sendo enterrados aqui nesse exato momento”, falou.

“Se eles acharam que enfraqueceram o movimento, eles fortaleceram mais. A terra de Ouro Preto é toda invadida. Se falarem que as casas aqui de frente para nós não são de invasão, é mentira. A terra é toda invadida e grilada muitas vezes pela Prefeitura, que por exemplo, está vendendo terras que eram dos estado e foram griladas por uns e outros. Então, quer dizer que a Prefeitura é, sim, a mais interessada nessas terras para encherem os bolsos e cofres públicos. Ou seja, o povo pode ficar à deriva, na sarjeta, à míngua e eles com os bolsos cheios”, finalizou.

 

Posição do Poder Público

A reportagem do Mais Minas também conversou com Luciene Ribeiro, Secretária de Assistência Social, Habitação e Cidadania do município de Ouro Preto. A servidora informou que a Prefeitura já havia tentado, sem sucesso, uma aproximação com as famílias anteriormente.

“A gente já vem acompanhando a Ocupação há algum tempo e tentamos uma aproximação no mês de janeiro, quando viemos aqui pela primeira vez para tentar fazer um cadastro social dessas famílias porque, até então, a gente não conhecia, como não estava conhecendo até hoje, que foi quando a gente conseguiu realizar esse cadastro, a realidade do número de famílias que estavam ocupando o espaço. Então tentamos essa aproximação em janeiro, estivemos aqui com os líderes da Ocupação e a tentativa foi frustrada, pois eles não quiseram realizar esse cadastro. Voltamos depois em fevereiro e tivemos aqui de novo ontem (11) e eles continuaram não querendo fazer esse cadastro e deixaram para fazer hoje durante a reintegração de posse”, contou.

Luciene Ribeiro, Secretária de Assistência Social, Habitação e Cidadania do município de Ouro Preto – Foto: Maic Costa/Mais Minas

Luciene informou ainda que aqueles ocupantes que se encaixarem nos critérios para o recebimento do aluguel social serão encaminhados para receberem o benefício, que é uma ajuda de até 500 reais para que essas pessoas paguem seus aluguéis.

Segundo ela, a Prefeitura se antecipou e selecionou algumas moradias que poderiam vir a receber os cidadãos, mas que a decisão final de onde residir é dos próprios moradores. A administração municipal também enviou caminhões para auxiliarem na mudança, o que inicialmente gerou insatisfação na população, pois os veículos mandados eram do tipo basculante, impróprios para o transporte de mobília. Mas os próprios oficiais de justiça concordaram que aquele transporte seria inadequado e solicitaram caminhões próprios para mudança, pedido que a Prefeitura atendeu.

Questionada sobre o destino daqueles que não forem classificados para receberem o aluguel social, a secretária informou que estes seriam encaminhados para lugares de suas preferências e que seus pertences poderiam ficar lacrados nas casas da Ocupação, que permanecerão intactas.

“Para as famílias que não se encaixam iremos dar esse suporte de transporte com o caminhão e pessoal para poder levar essa mudança e então elas terão que procurar por seus próprios meios casas de parentes, de amigos, onde quiserem levar esses móveis. Caso eles não tenham onde levar esses móveis e pertences, eles podem os deixar aqui (nas casas da Ocupação). Os imóveis serão lacrados e teremos uma vigilância que irá guardar os bens dessas pessoas até que elas possam levá-los para algum lugar”, finalizou.

Sobre os atrasos do aluguel social, Luciene confirmou os débitos, mas afirmou que a Prefeitura Municipal de Ouro Preto está se esforçando para colocar os valores em dia. A Secretária também tratou de enfatizar que Ouro Preto é uma das poucas cidades que disponibiliza o auxílio por tempo indeterminado, até que o poder público possa oferecer uma moradia para o beneficiário.

 

Polícia Militar

Foto: Maic Costa/Mais Minas

O Mais Minas falou também com o Tenente Veríssimo, que confirmou o caráter pacífico da reintegração de posse, apesar das ordens de que se houvesse qualquer tipo de resistência dos moradores em desocupar os imóveis, seria permitido o uso da força, advinda dos militares.

“Diante de uma requisição judicial, por meio da qual a juíza da comarca de Ouro Preto decidiu pela desocupação dos imóveis desse terreno, diversos oficiais de justiça foram empenhados para estarem notificando os ocupantes desses imóveis e a Polícia Militar se fez presente para garantir o poder de polícia. Ou seja, caso algum ocupante não quisesse atender a decisão judicial e fosse necessário algum uso da força, a PM seria acionada. No entanto, todos os ocupantes se comportaram de maneira pacífica, atenderam a demanda policial e se retiraram das residências sem maiores problemas”, disse o Tenente.

 

A Ocupação

A ocupação Chico Rei começou no ano de 2015, quando cerca de 500 pessoas se instauraram nas terras da Novelis (ex-Alcan), transnacional produtora de alumínio que atua na região, para reivindicar políticas de moradia inclusivas e valores mais justos fora de áreas de risco para a população. Após ocuparem por um mês o terreno da empresa, os moradores migraram para a antiga Febem, onde estão até hoje.

A questão principal da ocupação vem da revolta dos moradores com o fato de a Prefeitura Municipal de Ouro Preto ter doado as terras para a empresa com o intuito de gerar emprego e renda para a população e, após a empresa fechar as portas, as terras terem sido colocadas a venda. O fato é tido como inaceitável pelos ocupantes, que exigem que as terras sejam devolvidas à comunidade, já que o motivo da doação destas já não é mais pertinente.

Já em respeito a atual ocupação, na antiga Febem, a população reivindica as terras, que são públicas. Segundo os moradores, as terras estão cedidas à Prefeitura da cidade, em regime de comodato, desde 1999. Mas que o poder público as abandonou e 98% do terreno, de 271,5 hectares (equivalente a 271 campos de futebol), foi grilado. Estando os ocupantes instalados nos 2% que restaram.

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Última atualização em 19/08/2022 às 08:52