Menu

Rima em Prosa #29: Em entrevista, Raillow fala sobre PrimeiraMente, “Furacão 2020” e empreendedorismo no rap

29/10/2020 às 16:50
Tempo de leitura
16 min
Foto: El Guaxi
Foto: El Guaxi

Integrante do grupo PrimeiraMente, Raillow ganhou destaque no rap nacional muito jovem. Cria das batalhas, o músico, que é natural da Zona Leste de São Paulo, participou de grandes projetos do hip hop, como Rap Box, Favela Vive e Poetas no Topo. Seus versos, que grande parte das vezes são acompanhados de flow e entonação de voz bem agressivos, costumam falar sobre a sua vivência nos palcos, seus relacionamentos e problemas amorosos e também sobre conspirações políticas e sociais, envolvendo governo e polícia.

Com seu grupo, o rapper lançou álbuns bem marcantes, como Na Mão do Palhaço, de 2017, e A um Passo do Precipício, de 2014. Neste ano, ele acabou lançando seu primeiro disco solo: Furacão 2020. Dividida em duas partes, essa produção chegou às ruas trazendo grandes feats e uma diversidade de estilos e batidas, passando por boombap, trap, reggaeton, trapfunk e funk.

Convidado desta semana na Rima em Prosa, Raillow nos contou, em entrevista, detalhes de sua carreira como empreendedor e falou sobre o disco Furacão 2020, seu novo canal no YouTube e diversos assuntos relacionados ao PrimeiraMente. Confira:

Empreendedorismo no rap

Ao longo dos últimos anos, Raillow vem se destacando, não apenas no rap, mas no mundo dos games também. Empreendedor, o jovem MC tem investido muito no cenário competitivo dos e-sports, seja organizando campeonatos ou montando times. O músico nos contou um pouco sobre como surgiu essa paixão pelos negócios:

“Eu sempre fui um cara que gostou de resolver as próprias paradas. Eu nunca gostei muito de terceirizar os meus compromissos – antes de saber fazer. Tipo, não que eu goste de resolver tudo, mas eu gosto de saber fazer antes de mandar alguém fazer por mim. E o rap me proporcionou uma imagem, né? Eu consegui ter uma imagem, um respeito, uma visibilidade. O rap me proporcionou uma facilidade para estar investindo e trabalhando com outras coisas. E eu consegui ter uma visão disso, falando: “Pô, muita gente me conhece, eu tenho bastante visualização e, com isso, se eu falar pras pessoas comprarem uma coisa, elas vão comprar. Nisso, se eu estiver fazendo outra coisa, elas vão me apoiar”. Foi assim que despertaram alguns interesses meus. Hoje eu tenho uma produtora, a Savage Records, que fica lá em Floripa. Eu trabalho com música, então nada melhor do que ter a própria produtora onde você pode se gravar, gravar outras pessoas e revelar talentos. E num lugar que eu amo, que é Florianópolis. Com isso surgiu também o lance dos jogos. Além de eu ter um time de Fortnite, de Free Fire, de e-sports, eu sou sócio de uma empresa que organiza campeonatos. E eu sempre gostei de jogos, por isso eu resolvi investir nisso. Eu também sempre pesquisei e li sobre o mercado de games no Brasil e no mundo. É um dos mercados que mais giram dinheiro. Mais até que o cinema e que a música juntos”.

Ele também falou um pouco sobre suas empresas: “Hoje eu possuo quatro empresas no meu nome: o Primeiramente, que é o meu grupo de rap; a Savage Records. que é uma produtora; a GDDF E-Sports, que é o meu time de e-sports; e a Conexões Games, que é a minha empresa que promove campeonatos de vários jogos”.

Mais para frente, durante a conversa, perguntei a ele qual sua visão a respeito do empreendedorismo no meio do rap e se há um bom número de MC’s investindo em outros negócios, em outras áreas.

“Hoje em dia – hoje em dia assim, de um ano e meio, dois anos pra cá – os artistas expandiram muito para outras áreas. Eu, por exemplo, fui o primeiro MC a investir no meio dos games. Fui o primeiro. Tem até uma matéria comigo no canal da KondZilla, onde eles vieram aqui em casa e eu contei um pouco mais sobre a Conexões Games. Já faz uns dois anos e meio, três e meio que eu comecei a ter essa primeira empresa. E nessa época não tinha ninguém. Nenhum investiu nisso. Nenhum. Mas hoje em dia eu já vejo o FBC e o Djonga fechado lá com a Garena, com o Free Fire. Também tem o Mikezin e o Alva fechados com vários streamers de Free Fire. Depois disso surgiram inúmeras pessoas fazendo. Expandindo principalmente pros games, né? E também para produtoras. Dois, três anos atrás muitos artistas gravavam no estúdio dos outros ou gravavam em uma produtora X, e hoje em dia muitos artistas estão montando suas próprias produtoras para serem independentes. Então mudou muito. Ainda bem. Graças a Deus. Todo mundo quer o progresso de todo mundo e tem espaço pra todo mundo”, respondeu Raillow.

Real Trap Reality

Na próxima semana, no dia 03/11, estreia o Real Trap Reality, um dos mais curiosos e promissores projetos do rap nacional, nos últimos tempos. O reality show, que tem como um de seus organizadores o rapper Ber, líder do grupo Cartel MC’s, contará com 17 participantes e envolverá gincanas e provas relacionadas aos talentos musicais dos artistas. Klyn, Aka Rasta, OG Capitu, Leal e Makonnen Tafari são alguns dos músicos que estarão confinados no programa.

“Eu achei essa iniciativa do reality bem interessante e engraçada. Porque eu sou um cara que gosta muito dessas paradas de aparecer na câmera e TV – essas paradas bem reality show mesmo. Eu sempre gostei. E vai ser maneiro ver um amigo meu lá. Vou estar torcendo pelo Leal aqui fora. E eu acho que ele tem uma capacidade e uma qualidade pra ganhar disparado. Tá ligado? E se me convidarem pra próxima, com certeza eu vou”, comentou Raillow a respeito.  Amigo pessoal do rapper, Leal é um dos vocalistas do grupo PrimeiraMente.

Furacão 2020

Dividido em dois volumes, o disco Furacão 2020 chegou às plataformas digitais trazendo dez faixas e diversas participações. A primeira parte, lançada em março, trouxe participações de nomes como Gali e JayA Luuck. Já a segunda, lançada em agosto, feats de artistas como Clau e Choice. Apesar da qualidade da obra, Raillow se arrependeu um pouco do formato escolhido e relatou alguns problemas na produção:

“Eu lancei a segunda parte de Furacão 2020 em agosto, mas tinha música que tava pronta há dois anos, sabe? Eu criei as 10 músicas juntas. Até tinha mais, tinha 15. Só que algumas músicas eu não consegui pôr no ar. Elas foram feitas simultaneamente, só que eu resolvi em duas partes, pra lançar primeiro um conteúdo e depois outro. Hoje, se eu fosse lançar meu disco, eu lançaria ele em uma parte só. Acho que dividir trouxe mais pontos negativos do que positivos. Fora que durante o processo de gravação e finalização do Furacão 2020 aconteceram algumas coisas no meio. Como a gente se desvinculou da nossa produtora, que era a DIRESPONSA, eu tive que transferir todos os projetos que estavam lá para outra pessoa mixar e masterizar, que foi o LT. Depois ele terminou, eu tive outras músicas que precisaram entrar e sair do álbum. Ele também assinou com outra parada. Aí eu tive que masterizar com outra pessoa, depois de já ter ido pra outra. Então teve uma escada de problemas que eu tive que resolver, e acabou ficando um espaço muito grande da primeira parte pra segunda.  Isso prejudicou bastante o alcance”, conta o rapper.

Dentro do volume dois, uma das faixas de maior destaque é Plano C, que conta com participação da cantora Clau. Essa música é, de certa forma, uma continuação de Plano B, música lançada em 2015, no projeto Poetas na Escuridão. “Falar pra você, em todos esses anos que essa música ficou guardada, nossa, fui cobrado muitas vezes. Por muitas pessoas. Pode ser até que eu tenha perdido um pouco o momento da música, mas acabou acontecendo. A Plano C é uma música que tanto eu quanto a Clau gostamos pra caramba. A gente gosta muito. É uma música que não ficou nem melhor, nem pior que a Plano B, mas ficou outra pegada. E, pô, a Clau tem um carinho enorme pela gente, pelo grupo. Nós também. Todo mundo do grupo – até os produtores que a gente tinha no passado – tem um carinho enorme por ela também. Nós já fizemos vários shows juntos. Turnê juntos. E isso daí criou uma relação muito da hora. Muito da hora. E antes da Plano B teve a Lunar, onde ela fez as dobras. Foi ali que começou a parceria dela com o PrimeiraMente, o que já foi muito foda. E a Plano B tem um significado na minha vida e na da Clau. Tenho certeza que ela ama essa música e ela já mostrou que se sente muito grata por ela. Muitas pessoas conheceram o trabalho dela por essa faixa. E é a minha música solo com mais visualizações. E é uma das que mais sobem, uma das que mais geram dinheiro de direitos autorais. É uma música que foi importante financeiramente e que foi importante também pra minha característica de rima. Muita gente gostou daquela pegada falando de relacionamento, de amor e ao mesmo tempo mirabolando várias ideias na cabeça. Falando de umas coisas que no caso, eu imaginei, né? “Mano, minha ex-namorada tá num aeroporto em Vancouver”. Tipo, isso não aconteceu, mas, com o sentimento que eu pus na parada, a galera sentiu junto. Com a entonação de voz e tudo mais. E essa música é bem importante mesmo. Tanto pra mim, quanto pra ela”, afirma Raillow, destacando o impacto da faixa Plano B em sua carreira.

Canal solo no YouTube

No início deste mês de outubro, Raillow estreou seu canal solo no YouTube. Veja o que o rapper falou a respeito desse novo projeto:

“Na minha carreira toda, desde os sete anos que eu tenho de grupo e tal, nós sempre tivemos o canal do PrimeiraMente, com as músicas do PrimeiraMente. Algumas vezes vezes só que nós fizemos músicas solo dentro do canal do grupo, que são os Poetas na Escuridão, um projeto que pegou muito pelo público do PrimeiraMente e pelos fãs individuais dos MC’s. E também bateu muito em números de views. Tanto o Poetas na Escuridão um, tanto o dois, tanto o três. E as outras experiências que eu tinha de fazer músicas solo eram as participações com outros artistas. Quando fiz Favela Vive, Poetas no Topo, Jaguar e inúmeras outras faixas ao longo da carreira. Mas, tanto eu quanto os moleques sempre sentimos falta de explorar as nossas características individuais. Porque tem coisas que eu gosto de fazer que não cabem muito pro PrimeiraMente fazer. Como os funks, os reggaetons… Algumas coisas não encaixam. Do mesmo jeito que tem coisa que o Gali gosta de fazer que não encaixa tanto pra brisa do grupo. E vice versa. Com todo mundo acontece isso. E eu achei até que a gente demorou a perceber isso e tomar essa iniciativa de fazer o próprio canal. Pra explorar também a sua brisa individual, sabe? Mas lancei aí a Van Prata, que tá no canal. Foi a primeira música que eu fiz pra ele. Só que eu já tenho quatro clipes feitos, já tenha inúmeras músicas também solo, além das músicas que eu tenho com o grupo. Então podem esperar tudo no meu canal: boombap, trap, rap, funk, pagode… Por que o bagulho vai ficar como? Sinistro”.

Confira o clipe de Van Prata, faixa que inaugura o canal:

Liberdade musical

Durante a nossa conversa, perguntei a Raillow sobre a questão da liberdade na hora de compor e sobre sua busca por novas referências musicais, após estar consagrado no boombap. “Na verdade, não foi só o boombap que me consagrou, né? Eu sou um artista que teve etapas, degraus de convencimento pro público. Teve a época do boombap, que foi com o PrimeiraMente, onde eu tinha 16 anos, que a gente cantava “os bagulho da rua” e pá. Depois com 17 anos eu fiz o A um Passo do Precipício, que era boombap também. Só que depois eu me consagrei de novo, que foi quando eu fiz Poetas no Topo, que é um trap, boombap, sei lá, mas não é um “boombap”, né? Favela Vive é um boombap, mas eu também fiz outros projetos que me consagraram. Mas, teve um problema. Sempre tem um problema. O PrimeiraMente sempre foi um grupo raiz que cantou sobre ideologias e verdades por trás, com o governo, e o público que gosta desse tipo de rap meio que te cobra mais que um público que gosta mais de besteira ou uma coisa mais fútil. Então, pra quem começou com isso, pra quem sempre fez isso, pra mudar de assunto fica mais complicado. Então eu fui bastante cobrado. Quando eu fui fazer Favela Vive e eu falei: “Até se você aparecer pintada de ouro na minha frente, eu te vendo na próxima esquina”, teve muita gente que falou: “Porra, você tá fazendo o bagulho e tá falando de mulher?”. Mas só porque, tipo assim, depois desse tempo eu vivi uma fase na minha vida onde eu virei um poeta e amei bastante, e isso entrou muito na minha letra e no meu modo de viver. Então eu sinto que isso entrou numa nova característica minha. Ao falar de amor eu também atinjo muitas pessoas. Muitos fãs meus agora tão entendendo. Eles demoraram pra se adaptar, mas agora veem que isso realmente sou eu”, respondeu o artista.

Novos trabalhos do PrimeiraMente

Nas últimas semanas, outro lançamento que foi ao ar é Fuego, o novo single do PrimeiraMente. Segundo Raillow, essa faixa foi desenvolvida de forma bem rápida e faz parte de uma série de músicas soltas que o grupo lançará até fim do ano. “Álbum mesmo, do PrimeiraMente, apenas ano que vem, no começo. Atualmente tem o Gali pra lançar o disco solo dele, e o NP vai lançar a segunda parte do disco dele também. Eu tenho meu canal solo onde tenho vários singles e clipes pra lançar. O Leal tem vários colaborações e singles pra lançar no canal dele. E no PrimeiraMente a gente optou por lançar singles. Até o final do ano, a gente ainda tem quatro, cinco singles pra lançar, e ano que vem a gente pensa em um álbum”, completa o MC.

Clipe de Vida Bela fora do ar

Vida Bela é o maior hit da história do PrimeiraMente. No YouTube, o clipe da faixa já conta com mais de 11 milhões de visualizações. Apesar disso, o vídeo saiu do ar, deixando os fãs e até os próprios MC’s sem entender o que havia acontecido. Raillow falou pouco sobre essa situação:

“É, Vida Bela estava fora do ar, mas já está de volta. Tá tudo resolvido. Tinha rolado um strike – que ainda não descobrimos de quem e porquê – alegando alguma coisa que ainda estamos procurando. Nossa distribuidora digital está fazendo de tudo pra saber o que era, mas há uns dois anos atrás teve um ocorrido do beat, que é uma produção do TH. Ele sampleou um cara de 1900 e poucos. Um cara bem antigo, que já morreu e tudo mais. E ele tinha uma irmã, que era advogada, e essa irmã entrou com uma ordem alegando que a gente tava usando o sample de outra pessoa. Aí não sei se essa história tem ligação com esse strike que rolou esses dias. Em alguns dias vamos descobrir o que aconteceu. O que importa é que a música já tá aí no ar pra quem quiser ouvir”.

Saída do DJ Fire

Um assunto que muitos fãs tem dúvidas a respeito, é sobre a saída do DJ Fire do PrimeiraMente. Além de ser o DJ, ele também produziu algumas faixas do grupo e participou de algumas outras com seus riscos (scratches). Raillow falou um pouco sobre essa saída: “O DJ Fire não foi nosso primeiro DJ, mas ele entrou na nossa carreira bem cedo. Foi em 2013 mesmo que ele começou a colar com a gente. Nós somos muito gratos pela caminhada que tivemos com ele, pelos shows que a gente fez juntos e tudo mais, porém, passou um certo tempo, e não tava mais sendo produtivo. Ele com a gente, nem a gente com ele. E nós decidimos isso por um bem coletivo. Todo mundo junto optou por uma saída tranquila. Ele seguiu com os trampos dele, a gente seguiu com os nossos, e foi isso que aconteceu. Tanto que até hoje o NP é amigo do Fire, eu sou amigo do Fire, e é isso”.

Escrita por João Victor Pena, Rima em Prosa é a coluna especializada em rap do Mais Minas. Nela, são publicadas notícias, matérias e entrevistas relacionadas à tudo de principal que tem ocorrido no rap nacional. Caso tenha gostado da entrevista com o Raillow, recomendamos a leitura de nossas matérias com Kamau, Derek e Sos.

Última atualização em 19/08/2022 às 07:46