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O que Rogério Ceni pode fazer para melhorar o futebol do Cruzeiro?

10/09/2019 às 12:40
Tempo de leitura
11 min

O Cruzeiro vive a maior crise da sua história. Dentro e fora de campo, o clube está uma bagunça e caminha a passos largos para um trágico destino neste ano de 2019. E se no setor administrativo, uma solução parece distante, no campo esta parece mais simples. Na 16ª colocação do Brasileirão e três pontos acima da zona de rebaixamento, o time celeste vive situação delicada e vem de uma humilhante goleada em casa, para o Grêmio, por 4 a 1. Mas apesar do péssimo momento, o elenco tem boas peças e com um pouco de organização, poderá, pelo menos, se manter na Série A.

Rogério Ceni chegou ao Cruzeiro há um mês para assumir um clube que havia ficado três anos na mão de um mesmo técnico: Mano Menezes. Com uma filosofia totalmente diferente, Ceni tentou implantar, em seu primeiro mês, um estilo de jogo oposto daquele que os jogadores foram contratados para e se acostumaram a fazer. Apesar dos resultados melhorarem, o futebol ainda era defeituoso e a Raposa parecia depender de acasos para vencer.

Contra o Santos, uma expulsão do zagueiro adversário aos três minutos deixou o Cruzeiro tranquilo em campo. Contra o CSA, o time celeste só conseguiu o empate no final, mesmo o oponente sendo um dos piores times do campeonato. Ao enfrentar o Vasco, em casa, a Raposa jogou mal e dependeu de uma defesa de pênalti feita por Fábio e de um gol do jovem Maurício, que havia entrado em campo há pouco tempo. Na Copa do Brasil, contra o Inter, uma goleada sofrida. Três a zero. Contra o Grêmio, em casa, outro placar elástico recebido. Quatro a um.

O que Rogério Ceni pode fazer para melhorar o futebol do Cruzeiro?

Cruzeiro foi goleado pelo Grêmio, no domingo (8) – Crédito da foto: Vinnicius Silva/Cruzeiro

Mudanças drásticas no Cruzeiro

Após ser goleado pelo Grêmio, Rogério Ceni, super abatido, pediu respaldo para mudanças drásticas no Cruzeiro e afirmou que não continuará com seu estilo de jogo, pelo menos por enquanto. Que não é a forma mais indicada de se jogar, pelo momento.

E ele não errou. Apesar de teoricamente agradável e apoiado por grande parte dos analistas, o estilo de jogo de Ceni veio com dois problemas principais: tempo de implantação e qualidade de execução. Falemos um pouco de cada um.

Tempo de implantação

Como dito acima e em outro texto, o Cruzeiro atuou três anos com uma mesma filosofia de jogo, implantada pelo mesmo treinador, que pediu os jogadores que, para ele, seriam mais úteis. Não é fácil se desvincular disso em um mês, mesmo que se tenham três semanas cheias para trabalhar. Jogadores de confiança de Mano Menezes e úteis em seu esquema, como Ariel Cabral, não servem para aquilo proposto por Rogério Ceni. O que pode resolver isso é uma montagem de elenco feita pelo treinador que está a frente do clube. Não por outro. E isso se resolve com uma pré-temporada. Coisa que Ceni só terá em 2020.

Tentar adaptar jogadores tão atrelados a outro estilo, precisando urgentemente de resultados, não é das melhores escolhas. Se o Cruzeiro tivesse em situação favorável na tabela, tudo bem. Mas na situação atual, onde cada ponto é valioso, arriscar tanto pode não ser a melhor alternativa. Buscar o que dava certo no jeito natural do time jogar e tentar corrigir o que havia de errado, implantando sua filosofia aos poucos, é o mais seguro a ser feito por Rogério Ceni neste início de trabalho. E isso também mostra uma qualidade que falta ao treinador brasileiro: adaptação.

O que Rogério Ceni pode fazer para melhorar o futebol da Raposa?

Éderson (a esquerda) pede passagem no time e Marquinhos Gabriel (a direita), em péssima fase, precisa render mais – Crédito da foto: Vinnicius Silva/Cruzeiro

Qualidade de execução

Chegamos num ponto que acho primordial. Um erro que vem sendo cometido por treinadores brasileiros e que vem custando caro aos clubes. Existe uma teoria para tudo na vida, seja ela positiva ou negativa. Mas isso não quer dizer que na prática as coisas vão sair assim. De que adianta se colocar como um amante do futebol ofensivo, da posse de bola e da velocidade, se estes forem executados precariamente? Ou se, em outros momentos do jogo, como no trabalho defensivo, recomposição e transição, não houver um trabalho a altura?

Rogério Ceni peca nisso. O Cruzeiro comandado por ele parece ser pensado como um time que só tem a posse de bola. Sem ela, tudo vira uma bagunça. Isso pode se dever a muitas coisas. Qualidade e características dos atletas, problemas externos ou até mesmo deficiências do treinador. E não só defeitos técnicos. Mas também de análise e, em certo ponto, ego.

Posicionamento e funções táticas

Ao chegar no Cruzeiro, Ceni, em sua primeira coletiva, afirmou que, para ele, Robinho não era meia aberto. Era segundo volante. Seria Mano Menezes tão incompetente a ponto de treinar o camisa 19 por três anos e escalá-lo errado? De criar uma nova função ao jogador, que não jogava desse forma até então? Ao meu ver, não. A melhor fase do experiente armador com a camisa celeste, e talvez até na carreira, foi jogando aberto pela direita. Quem não se lembra que em 2018, o meia foi o líder de assistências do time e que, em 2017, foi também, um dos principais jogadores?

Não me entendam mal. Ceni pode mudar, sim. Testar. Só que antes de dar um treino sequer, questionar uma escolha construída durante três anos por um técnico de ponta e afirmar categoricamente que um jogador é visto por ele em outra função, é de certo modo prepotente. E isso se provou em campo.

O que Rogério Ceni pode fazer para melhorar o futebol da Raposa?

Se não fosse por Fábio, tudo poderia estar pior – Crédito da foto: Vinnicius Silva/Cruzeiro

Time exposto

Um dos principais problemas do Cruzeiro de Rogério Ceni é a exposição do time no meio de campo. Robinho e Henrique, como dupla de volantes, é um prato cheio para qualquer meio de campo adversário que imprima maior intensidade, como são os de Inter e Grêmio. Ambos já são jogadores de certa idade, que não tem no físico sua principal característica. Os dois de volante dão melhor saída de bola, com a bola nos pés. Mas sem ela, não conseguem cobrir o espaço necessário. E esse é o grande problema desse início de trabalho de Rogério. Privilegiar a técnica, a ofensividade e o futebol vistoso, tão querido. Mas esquecer do resto.

Essa formação acaba “vendendo” o capitão Henrique, que sozinho tem a incumbência de marcar para outros dez jogadores. Isso tendo 34 anos de idade. Todas as má atuações caem sobre ele. Robinho, além de estar em péssima forma física, não tem a característica de marcar, fechar espaços, cobrir grandes áreas do campo, ir de área à área. Como resolver isso? Talvez fazendo um trinca no meio, com alguém mais físico. O jovem Éderson, por exemplo. Que correria pelos “vovôs” e os ajudaria a cobrir espaços, dando mais liberdade para Robinho fazer o que realmente sabe: armar o jogo.

Outro erro é a escalação de Pedro Rocha como falso 9. O jogador fez um jogo bom na função, na vitória por 3 a 0 contra o Atlético, nas quartas da Copa do Brasil. E nada mais. Jogar “encaixotado” na defesa tira todas as principais qualidades do jogador, que são velocidade e situações de um contra um. Isso também vale para Marquinhos Gabriel e David, que vira e mexe se revezam por ali.

Saída de bola

Outro ponto é a insistência na saída de bola com toques curtos. Claro, há os motivos e benefícios desse estilo de jogo. Mas a execução também tem que ser pensada. O Cruzeiro se arrisca tocando bola entre goleiro e zagueiros até que alguém perca a bola ou que Fábio tenha que se arriscar com seus dribles. Hoje, os maiores técnicos do mundo, Guardiola e Klopp, ressignificaram a saída de jogo. Quando dá para sair tocando curto, saem. Mas, quando o adversário avança, para marcar pressão na saída de bola, os treinadores usam seus defensores, principalmente os goleiros, especialistas nesse tipo de situação, para lançarem a bola para os atacantes. Esse tipo de jogada, pega o time adversário totalmente avançado, buscando roubar a bola no ataque.

Pep Guardiola, na derrocada da primeira versão do “tiki-taka”, percebeu esse movimento dos adversários. Os rivais pressionavam o toque de bola insistente de seus times, até recuperarem a bola em áreas perigosas. Pep então se adaptou. Hoje, se o adversário não marca em cima, seu Manchester City constrói o jogo desde trás. Se pressiona, o goleiro lança. O adversário fica perdido.

Claro que não podemos esquecer que isso depende de outros fatores. Qualidade dos jogadores é um deles. Os goleiros brasileiros Éderson e Alisson se tornaram parte fundamental da construção de jogo de Manchester City e Liverpool, respectivamente. Os defensores do City são escolhidos a dedos, por terem grande capacidade na saída de jogo. Mas, o ponto da discussão é a percepção de quando um movimento é necessário, seguro, a melhor opção. Afinal, dar murro em ponto de faca uma hora machuca. E Rogério Ceni precisa ver isso. Sair tocando é muito bom. Mas um chutão também não machuca ninguém.

Forma de jogo definida

Outro problema que vem se mostrando no Cruzeiro é a indefinição da estrutura do time. Vai jogar com um nove clássico ou sem um centroavante fixo? Fred joga um jogo e no outro é reserva e o time entra sem um atacante de área. Bom, o time precisa de uma forma mais definida de jogo. Variações são importantes sim, mas nessa situação o time celeste precisa de certezas.

A execução é mais importante que a teoria, no futebol. Principalmente quando os resultados são tão necessários. Nos melhores momentos de Mano Menezes no Cruzeiro, o futebol continuava reativo. Mas era tão bem executado, que se tornava belo. Já o futebol de Fernando Diniz, que se espelha nos consagrados estilos de Guardiola e Cruyff, é, independente dos motivos, tão mal executado que se torna chacota e afunda os times que Diniz treina. As ideias são boas, certas partes do jogo são bem feitas. Mas outras são tão débeis, que o todo sai prejudicado.

O que Rogério Ceni pode fazer para melhorar o futebol da Raposa?

Mesmo tendo algumas semanas cheias para trabalhar, Rogério Ceni ainda não conseguiu acertar o time do Cruzeiro – Crédito da foto: Bruno Haddad/Cruzeiro

Ainda há tempo, Rogério

Rogério Ceni é o menos culpado do Cruzeiro estar nessa situação. Mas não podemos ser cegos. O treinador vem errando sim, como é normal. E, para a sorte do torcedor, são erros simples de corrigir. E Ceni já demonstrou tê-los percebido e sinalizou com mudanças. Jogar pra frente, com jogadores ofensivos é bonito. Mas entre tomar 4 a 1 em casa, abrindo espaços por buscar o ataque e toques de bola curtos, ou empatar jogando feio, nesta situação em que o clube se encontra, o um ponto, com saldo nulo, vale mais.

Nos garanta na Série A em 2020, Ceni e lá você poderá montar um time com jogadores que o agradam mais, pelo estilo de jogo. Terá a pré-temporada, mais o estadual, para acostumar o time a jogar da forma que você gosta e assim recuperar o Cruzeiro rápido e ofensivo com que a torcida se acostumou.