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A influência da flexibilização da posse de armas na violência contra a mulher

18/01/2019 às 21:30
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Raphaella Karla Portes Beserra é licenciada em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia, mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Goiás (UFG – Campus Catalão) e Presidenta da União Brasileira de Mulheres (UBM) na cidade de Uberlândia – Núcleo Rosalina. (Creditos da Foto : Guilherme Inácio/ Oliverotto Fotografia)

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou na última terça-feira (15/01) um decreto que muda as regras para a posse de armas. É fundamental para melhor compreensão desse texto, entender que a posse, de acordo com a legislação brasileira é possuir o objeto letal em sua residência (ou estabelecimento comercial desde que comprovado a propriedade) enquanto o porte permite que o proprietário leve a arma até os espaços públicos.

Pensar no impacto dessa mudança é muito delicado se partirmos dos índices de violência contra a mulher no Brasil, que ocorre com maior incidência no espaço privado: a famosa violência doméstica e/ou conjugal. Ocorrem diariamente, em nosso país, inúmeros feminicídios (e tentativas do mesmo) com uso de diversos tipos de armas, inclusive de fogo. Essa circunstância se dá, principalmente, pela lógica estrutural que organiza a nossa sociedade, a patriarcal, no qual as mulheres são tratadas como propriedades pelos homens. Um exemplo disso, é que nos primeiros 11 dias do ano foram mortas 33 mulheres, e 17 sobreviveram à tentativa, tendo uma média de quase cinco casos por dia.

A luta para inibir esse tipo de crime é antiga, mas ainda tem um longo caminho a ser percorrido. Enfrentar as estruturas sociais que naturalizam a violência contra a mulher não é fácil, entretanto existem as mulheres que travam essa luta, um importante símbolo desta batalha é farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que após sofrer duas tentativas de feminicídios (na época o crime era entendido como homicídio) em 1983, pelo seu então companheiro, o que a deixou paraplégica. O agressor só foi condenado e preso mais de vinte anos depois, e só ocorreu porque a vítima se empenhou junto a organismos internacionais junto com organizações Feministas e de Direitos Humanos.

A luta por uma lei que pudesse coibir a violência contra a mulher de forma ampla, demorou a se institucionalizar em nosso país, tanto é que o Brasil somente ratificou a Conferência de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher que ocorreu em 1994) em 1996, no qual se comprometia a criar leis com o objetivo de erradicar a violência contra a mulher, porém isso levou cerca de 10 anos para se iniciar.

O Estado brasileiro só tomou medidas efetivas em 2004, após anos de pressão dos organismos internacionais, com a instituição do Grupo de Trabalho Interministerial coordenado pela extinta Secretária de Políticas para as Mulheres, e composto por um consórcio de ONGs feministas e especialistas. Assim, em 7 de Agosto de 2006, fruto do trabalhos do GTI, foi sancionada a Lei Nº 11.340 que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Este aparato jurídico protetivo, acabou ficando conhecido como Lei Maria da Penha.

Entretanto, mesmo com a criação desses mecanismos, o Brasil ainda é o 5º país no Ranking de Violência Contra a Mulher. Mas, por quê? Na prática, falta capilaridade no enfrentamento. As políticas públicas atuais não são suficientes, pois, são subfinanciadas e não consegue alcançar o público alvo, isso em um contexto de uma sociedade que trata as mulheres como propriedades dos homens. Não bastam políticas públicas existe também a necessidade de uma mudança de valores na construção social do que vem a ser o papel de homens e mulheres e como deve se dar a relação entre ambos.

E mesmo com os dados cada dia mais alarmante, a situação que se coloca não tem sido suficiente para pensar uma política ampla de prevenção (visto que a “Maria da Penha” apresenta mecanismos de punição). Não bastasse uma espécie de “epidemia de feminicídios” o atual Presidente da República resolveu facilitar a posse de arma fazendo com que qualquer cidadão que se tenha mais de 25 anos, possuir ocupação lícita, não responder a inquérito policial ou processo criminal, não ter antecedentes criminais e ter cursos de manejo de armas de fogo.

A atitude de Jair Bolsonaro vai à contra mão da vida das mulheres, e dificulta ainda mais o combate a violência domestica e/ou conjugal, além de armar a sociedade a tornando ainda mais violenta. Não precisamos de armas, necessitamos de ambientes seguros, e de igualdade, em uma lógica que não nos oprima!

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