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Estragos das chuvas são consequências de más gestões acumuladas, segundo especialista

Junto de um especialista, o Mais Minas buscou entender se há como preparar um atendimento melhor para a população durante o tempo chuvoso e se há solução para o problema.
12/01/2022 às 15:28
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Foto: Prefeitura de Itabirito
Foto: Prefeitura de Itabirito

O período de fortes chuvas em Minas Gerais provocou várias perdas nos primeiros dias do ano. Na Região dos Inconfidentes, Itabirito viveu a pior enchente de sua história, chegando a 150 pessoas desalojadas e estado de calamidade pública. Em Mariana, 56 famílias tiveram que sair de suas casas e a cidade ficou quase ilhada, com tantas rodovias interditadas por deslizamentos. Ouro Preto também declarou estado de calamidade, com diversas rodovias interditadas, distrito ilhado, tendo 180 pessoas desalojadas, 17 desabrigados e um óbito, por conta das fortes chuvas.

Diante do cenário caótico vivido nas cidades da região central de Minas Gerais, levanta-se uma discussão sobre um possível despreparo das administrações municipais para receber as fortes chuvas, com maior infraestrutura, planejamento e ações de prevenção, levando em consideração que trata-se de um problema crônico no estado.

Para entender melhor o problema que a Região dos Inconfidentes e outras regiões mineiras enfrentam com as chuvas, o Mais Minas conversou com o professor André Danderfer Filho, que possui graduação em Geologia pela Universidade Federal do Paraná (1987), mestrado em Evolução Crustal e Recursos Naturais pela Universidade Federal de Ouro Preto (1990) e doutorado em Geologia Regional pela Universidade de Brasília (2000). Atualmente é professor associado da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Ele tem experiência na área de Geociências, com ênfase em Geologia Estrutural e Tectônica, atuando principalmente nos seguintes temas: Análise e Modelagem Estrutural, Tectônica e Sedimentação e Geologia Estrutural Aplicada a Exploração Mineral.

André mora em Passagem de Mariana, distrito localizado entre Mariana e Ouro Preto, que também foi duramente castigado pelas chuvas, com diversas rodovias danificadas e trechos interrompidos, além de escorregamentos e enchentes que deixaram a população em risco. Ele explica que o despreparo das administrações públicas e a imprevisibilidade da natureza são duas questões interligadas, que causam todo o estrago que foi vivido na Região dos Inconfidentes. Porém, de acordo com o professor, é preciso considerar, também, a questão global.

“Diversas atividades antrópicas relacionadas com a demanda populacional do planeta, impulsionada pela superpopulação, e a exploração mineral predatória, como o garimpo, vem estendendo em terras com cobertura vegetal natural, fundamental para manter o equilíbrio da biosfera, a partir de extensos desmatamentos e queimadas criminosas, de maneira descontrolada. Em adição a elevação do dióxido de carbono na atmosfera, tem provocado o aquecimento global a níveis nunca vistos pela humanidade, causando o derretimento acelerado das calotas glacias nos polos, elevação do nível do mar e alteração no padrão de circulação oceânica. Este por sua vez influencia a circulação atmosférica”, conta André.

Tudo isso, de acordo com o professor, afeta o funcionamento do sistema terrestre, modificando a temperatura e a precipitação mundial. Assim, a intensificação de vários fenômenos no planeta, atualmente, nada mais são do que uma resposta à essas mudanças.

Posto isso, parte-se para o segundo ponto, relacionado com as chuvas regionais e locais. Nas últimas semanas, há um cinturão de umidade com orientação noroeste-sudeste sobre o nosso país. Esse cinturão se desenvolve de forma mais ou menos intensa de tempos em tempos.

Aparentemente, o atual cinturão tem sido bastante intenso e permanece por muito mais tempo do que o normal focalizado na mesma região, segundo André Danderfer. Em Ouro Preto, por exemplo, o acumulado de chuva apenas em janeiro é de mais de 350mm, ultrapassando a média histórica do mês, de acordo com a Defesa Civil. O nível pluviométrico estava mais ao norte do país, afetando a Bahia, e se deslocou para a região sudoeste.

“Logicamente, poderíamos dizer que é algo natural, porém, certamente intensificado pelas mudanças globais. O período das chuvas é normalmente entre outubro e fevereiro, porém não tão constante como este que estamos vivenciando”, disse o professor.

Quanto aos estragos

Estragos das chuvas são consequências de más gestões acumuladas, segundo especialista
Foto: Prefeitura de Itabirito

Os estragos são consequências de más gestões acumuladas ao longo do tempo, segundo o geólogo, permitindo ou sendo permissível com a expansão urbana em áreas de risco geológico, tais como as planícies de inundação (várzeas) dos rios, que tendem normalmente a ficar inundadas durante as cheias, e as encostas, que quando encharcadas de água, podem perder resistência e sofrer deslizamentos locais e pontuais.

“A intensificação dos processos geológicos e hídricos nesses casos decorre do desmatamento de grandes áreas nos afluentes, nas várzeas e nas encostas, diminuindo a retenção de água vinda das chuvas. O desmatamento das encostas também diminui a resistência do solo favorecendo o deslizamento. Além disso, sem cobertura vegetal a água penetra mais facilmente através do solo e fissuras nas rochas. Por outro lado, as áreas urbanizadas, com pouca cobertura vegetal, intensificam o escoamento superficial das águas das chuvas em direção aos segmentos de rios canalizados que cortam as cidades”, explica o geólogo.

Dessa forma, seguindo a explicação do professor, há um grande volume de água que chega nos canais, impactando ainda mais as várzeas, com extensas inundações e elevação anormal do nível de água, sobretudo as que estão situadas a jusante. Ouro Preto, por exemplo, corresponde mais à região de cabeceira do Rio do Carmo, sendo pouco inundada na região de várzea, na Barra. Já Mariana recebe todo o volume de água de Ouro Preto e, por ser uma região relativamente mais plana, onde o rio perde energia potencial e com extensa várzea, sofre mais as consequências sendo inundada. Portanto, a urbanização deveria ter sido feita preservando espaços para infiltração e existência de cobertura vegetal, de acordo com André.

O que fazer?

Em princípio, seria muito difícil para uma atual administração pública mudar este cenário para amenizar as consequências das chuvas, conforme explica o geólogo. Teriam que ser implantadas diversas medidas corretivas, com elevado custo e apoio populacional, algumas mais fáceis e outras nem tanto.

Contudo, André Danderfer dá algumas propostas de intervenção para minimizar os estragos causados pelas chuvas:

  • Remodelamento das áreas urbanizadas, implantando sistemas de drenagens mais eficientes;
  • Revegetação de tantas áreas quanto forem possíveis;
  • Coibir e/ou restringir de forma organizada a ocupação das áreas de risco ainda não urbanizadas;
  • Atuação junto ao Denit para a implantação de obras viárias mais adequadas aos períodos de chuva;
  • Desenvolver um processo de educação junto à população, para evitar jogar lixos nos sistemas de drenagens e canais fluviais;
  • Construir plantas de pequenos bairros em regiões periféricas ainda não habitadas, para retirar pouco a pouco a população de áreas de elevado risco geológico.
  • Estruturar um grupo de pesquisadores com especialidades diversas para apoiar todos os projetos de urbanização, uso e ocupação do solo dos municípios.
  • Treinar os moradores de áreas de risco em simulação, mostrando como evacuar quando emitido um alerta.

De acordo com a Prefeitura de Ouro Preto, há um Plano Municipal de Redução de Riscos que está em fase de elaboração pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e Defesa Civil Municipal. Os dados já foram coletados e será emitido um relatório. Porém, outra fase do processo é a formação de atores envolvidos no risco e, por fim, a especificação dos riscos propriamente dita.

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Última atualização em 19/08/2022 às 05:50