A decisão do governo dos Estados Unidos, formalizada no decreto presidencial assinado em 30 de julho de 2025, impõe uma tarifa extra de 50% sobre diversos produtos brasileiros industrializados. No entanto, o texto publicado pela Casa Branca mantém isentos os principais insumos da cadeia siderúrgica, incluindo o minério de ferro bruto, o ferro-gusa e ferroligas estratégicas.
Com isso, cidades como Mariana, Itabirito e Ouro Preto, altamente dependentes da mineração de ferro, não devem sentir impacto imediato na exportação da matéria-prima. Porém, a medida traz riscos à industrialização local e à agregação de valor, justamente nos setores que tentavam ir além da simples extração.
EUA não são o principal destino do minério brasileiro
De acordo com a plataforma Fazcomex, a China continua sendo o maior comprador de minério de ferro do Brasil, respondendo por cerca de 59% das exportações do produto em 2025. A seguir aparecem Malásia, Japão e Países Baixos. Já os Estados Unidos consomem apenas 3,6% do minério brasileiro, um número considerado marginal frente à demanda asiática.
Por outro lado, os EUA são um dos maiores importadores de produtos brasileiros de ferro e aço processado. Segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), os americanos compraram quase 48% do total de aço e derivados do Brasil em 2024. Com a nova sobretaxa, esses produtos ficam menos competitivos no mercado norte-americano.
Mariana, Itabirito e Ouro Preto: o tripé do minério
Em Mariana, primeira vila de Minas e atualmente uma das maiores produtoras de CFEM (Compensação Financeira pela Exploração Mineral) do estado, o minério de ferro representa a espinha dorsal da economia. Segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), a cidade arrecadou mais de R$ 800 milhões em royalties entre 2020 e 2024. Como exporta majoritariamente minério bruto, principalmente com as atividades da Samarco, Cedro e Vale, a cidade continua favorecida no comércio exterior, mas sente dificuldades em avançar no beneficiamento local.
Itabirito, por sua vez, se consolidou como um dos municípios com maior volume exportado por tonelada de minério nos últimos anos, com presença de empresas como Vale, Herculano, Ferro Puro e Itaminas. A cidade investia em incentivar operações de britagem e pelotização, mas o cenário americano desfavorece a exportação de produtos com maior transformação, exigindo agora redirecionamento para países com menor barreira tarifária.
Já Ouro Preto, que mescla tradição mineradora com vocação acadêmica por meio da UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), tinha expectativa de fomentar startups e indústrias voltadas à aplicação de insumos minerais em tecnologias, como materiais avançados e cerâmicas industriais. A medida dos EUA, ao desestimular o consumo de produtos elaborados, desincentiva a inovação industrial local, mesmo que as exportações brutas permaneçam em alta, com forte presença da Vale e o grupo J. Mendes.
Especialistas avaliam possível efeito dominó
Segundo estudo da FIEMG, o impacto das tarifas pode resultar em uma queda de até R$ 21,5 bilhões no PIB estadual, afetando especialmente os setores de siderurgia, transporte e produtos minerais não metálicos.
Além disso, a CNI alerta que o “tarifaço” representa um cenário de perda generalizada: queda do PIB e retração do comércio global, sugerindo que essa política é um perde-perde para as economias dos países envolvidos, inclusive por afetar fortemente o faturamento da indústria brasileira
Reflexos esperados
Enquanto o volume de exportação de minério de ferro segue aquecido, os municípios citados enfrentarão desafios em projetos locais de valorização mineral, como pequenas fundições, polos industriais e iniciativas de tecnologia. A depender da reação do governo brasileiro e dos parceiros comerciais, os investimentos em transformação e inovação podem migrar para nichos de mercado fora do eixo EUA–Brasil.
O cenário reforça a necessidade de uma estratégia nacional para agregar valor ao minério, com incentivos ao processamento doméstico e diversificação de destinos comerciais. O Brasil segue como líder na exportação de minério de ferro, mas a capacidade de transformar essa riqueza em desenvolvimento industrial ainda enfrenta barreiras políticas e econômicas externas.