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O Auto da Compadecida 2 vale a pena? Confira nossa resenha

João Paulo Silva
O Auto da Compadecida 2 vale a pena? Confira nossa resenha
Imagem: divulgação

Após mais de duas décadas, “O Auto da Compadecida 2” chegou aos cinemas cercado por expectativas e nostalgia. O filme, dirigido por Guel Arraes, busca revisitar o universo criado por Ariano Suassuna e trazer de volta os inesquecíveis personagens João Grilo (Matheus Nachtergaele) e Chicó (Selton Mello) em mais uma de suas aventuras mirabolantes.

A trama parte do improvável retorno de João Grilo a Taperoá, onde agora é tratado como uma lenda viva. Disputado por políticos locais como cabo eleitoral, ele se envolve em novas trapaças que o levam a mais uma intervenção divina. Como a peça original de Suassuna não teve sequência, o roteiro se inspirou em outras obras do autor, como “A Farsa da Boa Preguiça”, além de carregar a assinatura de nomes envolvidos em “Lisbela e o Prisioneiro” (2003), o que traz influências visíveis na estrutura narrativa e na construção dos diálogos.

Um dos grandes atrativos do filme é o retorno do elenco original. Matheus Nachtergaele mantém a essência de João Grilo, porém Selton Mello, embora excelente ator, causa certo estranhamento ao interpretar Chicó, pois parece não ter reencontrado completamente a voz e os trejeitos do personagem. Em alguns momentos, seu desempenho remete mais a personagens de outros filmes, o que pode afetar a imersão dos espectadores.

As adições ao elenco também são um ponto alto. Taís Araújo assume o papel de Nossa Senhora, antes interpretado por Fernanda Montenegro, e Eduardo Sterblitch e Fabiula Nascimento entregam performances cativantes e expressivas, apesar do pouco tempo de tela e pouco desenvolvimento de seus personagens. Humberto Martins surpreende como o Coronel Ernani, agregando à narrativa com sua presença forte.

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Uma das maiores mudanças em relação ao primeiro filme está no cenário. Enquanto “O Auto da Compadecida” (2000) foi filmado em locações reais no sertão paraibano, a sequência foi gravada inteiramente em estúdio, o que trouxe uma estética mais artificial. A intenção de adicionar um toque lúdico ao filme pode ter comprometido a autenticidade visual, fazendo com que o sertão retratado pareça mais próximo de uma animação do que da realidade árida e crua que caracterizava a obra original. Isso gera um distanciamento e pode incomodar espectadores que esperavam a mesma ambientação do primeiro longa.

Mas o maior desafio de O Auto da Compadecida 2 foi lidar com a passagem do tempo. A demora de 24 anos para lançar uma sequência fez com que os personagens perdessem parte de sua essência. O roteiro, apesar de promissor, não conseguiu resgatar completamente a magia da obra original. Além disso, a decisão de dublar os diálogos em algumas cenas contribui para a sensação de artificialidade, especialmente para a personagem da Fabiula Nascimento.

Há também a percepção de que algumas escolhas foram feitas por contenção de custos, como o fato de Matheus Nachtergaele interpretar múltiplos papéis. Embora seja um ator talentoso, essa decisão pode passar a impressão de que o filme optou por economizar em elenco em vez de investir em novos rostos para preencher o universo da história.

Apesar das falhas, O Auto da Compadecida 2 ainda é uma experiência nostálgica e divertida. Ele traz de volta personagens queridos e momentos de humor característicos da obra de Suassuna, mas falha em recapturar o encanto e a autenticidade do original. Para os fãs, o filme pode deixar um gosto agridoce: uma sensação de rever algo querido, mas perceber que já não é mais o mesmo. Talvez um relançamento remasterizado do primeiro filme nos cinemas teria sido uma escolha mais impactante do que a produção dessa sequência tardia.

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João Paulo Silva, nascido em Barueri/SP e bacharel em Letras pela Universidade Estácio de Sá, pós-graduado em Revisão de Texto e em Linguística e Análise do Discurso. Contato: [email protected]