A Suécia abandonou seu ambicioso projeto de educação totalmente digital e decidiu retomar o uso de livros impressos nas escolas públicas. A reversão foi anunciada em dezembro de 2022 pela ministra da Educação, Lotta Edholm, e ganhou impulso em 2023 com um investimento de 45 milhões de euros (cerca de R$ 242 milhões). O objetivo é garantir ao menos um livro físico por aluno em cada disciplina, marcando uma mudança significativa na política educacional do país.
A decisão do governo sueco foi motivada por estudos que associam o uso intensivo de telas à queda no desempenho em leitura, à dificuldade das famílias em acompanhar a aprendizagem dos filhos e ao crescimento dos casos de analfabetismo funcional entre os estudantes.
A mudança responde a evidências crescentes de que o uso intensivo de recursos digitais nas salas de aula, especialmente nas séries iniciais, está associado a prejuízos na aprendizagem. Segundo o PIRLS 2021, exame internacional que avalia habilidades de leitura em crianças de nove a dez anos, o desempenho dos estudantes suecos caiu de 555 para 544 pontos entre 2016 e 2021, mesmo permanecendo acima da média europeia.
Impactos cognitivos e revisão do currículo
Os efeitos da digitalização escolar extrapolaram os dados estatísticos. Um inquérito aplicado em 2022 com dois mil professores suecos revelou que uma parcela significativa dos alunos jamais havia redigido um texto manualmente. Segundo a ministra Edholm, houve uma aceitação acrítica das tecnologias digitais por parte de governos anteriores, com a falsa premissa de que sua mera presença traria ganhos pedagógicos.
O novo plano curricular do governo prevê o uso restrito de telas nas primeiras etapas da educação básica e prioriza métodos de ensino baseados em escrita à mão, leitura em papel e maior interação com bibliotecas escolares. Para isso, o governo sueco instituiu a obrigatoriedade de bibliotecas com equipe profissional em todas as escolas até 2025, com previsão de orçamento anual superior a 400 milhões de coroas suecas.
Além disso, o governo revogou a digitalização dos testes nacionais aplicados no terceiro ano do ensino obrigatório e estabeleceu que recursos digitais de aprendizagem só poderão ser utilizados com base em respaldo científico comprovado e em faixas etárias apropriadas. Crianças menores de dois anos, por exemplo, não deverão ter contato com ferramentas digitais nas escolas, conforme alterações no currículo pré-escolar.
Críticas da comunidade científica e repercussão internacional
A reversão da política educacional sueca vem amparada por uma série de estudos científicos que apontam deficiências na compreensão leitora e na concentração de alunos expostos precocemente às telas. De acordo com a professora Inger Enkvist, catedrática emérita da Universidade de Lund, o uso indiscriminado de dispositivos eletrônicos tem levado à perda de habilidades básicas de escrita, além de comprometer o engajamento dos estudantes.
O movimento sueco não é isolado. A Unesco, em relatório recente intitulado “Tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem?“, alertou que a simples inserção de tecnologias em sala de aula não garante bons resultados e pode acentuar desigualdades e distrações se não estiver acompanhada de estratégia pedagógica. No Peru, por exemplo, a distribuição de mais de um milhão de laptops em escolas públicas não gerou melhorias comprovadas na aprendizagem.
No Brasil, onde há investimentos frequentes em equipamentos sem infraestrutura adequada ou formação docente, o exemplo sueco reacende o debate sobre os rumos da educação digital. Para o diretor executivo da ONG Todos Pela Educação, Olavo Nogueira Filho, é preciso diferenciar acesso de estratégia: “Não é só questão de ter equipamentos ou internet, é questão de neurociência”.
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