Na nova versão da novela Vale Tudo, exibida atualmente pela TV Globo, Paolla Oliveira está dando vida à personagem Heleninha Roitman, uma mulher que enfrenta a dependência de álcool em meio a conflitos familiares e questões existenciais. A atuação da atriz tem chamado a atenção não apenas pela carga dramática de suas cenas, mas principalmente por sua escolha de interpretar a personagem com um olhar mais empático, humano e sensível. Ao abordar o alcoolismo, a novela também abre espaço para uma discussão importante: o estigma que ainda recai sobre pessoas que enfrentam essa condição.
Desde os primeiros capítulos, Paolla optou por uma composição intimista, onde o sofrimento de Heleninha é mais percebido nos silêncios, nos olhares vagos, na tentativa constante de disfarçar a dor e esconder os copos. Em vez de retratar a personagem como alguém “descontrolada” ou estereotipada, Paolla vem construindo Heleninha como uma mulher em luta interna. Elegante por fora, mas despedaçada por dentro.
Essa escolha interpretativa dialoga diretamente com uma questão central do debate atual: o alcoolismo é uma doença crônica, e não um defeito de caráter ou uma falha moral. Apesar de isso já estar estabelecido por instituições médicas e especialistas em saúde mental, o preconceito persiste, e ele começa, muitas vezes, pela linguagem.
Segundo o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), “o termo ‘alcoólatra’ carrega um tom pejorativo e está atrelado ao estigma social da doença, o que muitas vezes pode dificultar no reconhecimento do problema e na busca por ajuda”. O CISA propõe o uso do termo “alcoolista”, por compreender que essa palavra respeita melhor a natureza da condição e evita rotular a pessoa pelo seu problema. O uso de termos pejorativos pode fazer com que a pessoa se sinta julgada e envergonhada, dificultando ainda mais que ela reconheça sua situação e procure tratamento.
Esse estigma, aliás, é colocado no texto pela autora da obra, Manuela Dias, em uma das cenas em que Odete Roitman (Débora Bloch) e sua irmã, Celina (Malu Galli), dialogam sobre o sumiço de Heleninha após uma de suas recaídas. Na conversa, Odete solta a frase: “…além de alcoólatra, agora ela quer ser baixa renda? A minha filha deve tá louca.”. A resposta racional vem de Celina quando afirma: “Odete, você não deve usar o ‘alcoólatra’, não é, porque ele é pesado, coloca o álcool num lugar de idolatria.”. A troca de falas, no entanto, não termina aí. Odete, implacável, rebate com cinismo: “O que que muda um nome, Celina? Que diferença faz chamar de alcoolista, alcóolatra, pinguça, bêbada, pé de cana? Se mudasse alguma coisa, se resolvesse o problema, eu chamava a doença da Heleninha até de ‘meu amor’, meu bem.”.
O diálogo é duro, mas necessário, porque ele expõe como a linguagem pode reforçar preconceitos e afastar ainda mais quem está em sofrimento. Ao mesmo tempo, revela o quanto os familiares, mesmo os mais próximos, podem ser fontes de dor e exclusão. Paolla Oliveira, ao contracenar com esse tipo de fala, imprime na tela toda a fragilidade de quem já não consegue lutar sozinha e precisa de apoio, não de julgamento.
A mais recente recaída de Heleninha foi exibida no capítulo dessa terça-feira, 29 de julho, numa sequência de cenas em que Heleninha sai vagando pelas ruas do Rio de Janeiro, embriagada e em situação de risco, um dos pontos altos da atuação de Paolla. Longe de ser espetacularizada, a sequência foi conduzida com respeito ao mostrar a personagem em sua dor mais solitária.
Mesmo diante de críticas iniciais, a atuação de Paolla Oliveira tem se consolidado como uma das mais marcantes de sua carreira. Com delicadeza e realismo, ela tem ajudado a romper estigmas e a jogar luz sobre uma realidade que, infelizmente, ainda é cercada por silêncio, culpa e preconceito. Seu trabalho em “Vale Tudo” lembra que por trás de cada “alcoolista” há uma história, uma dor e uma pessoa que precisa ser vista além do rótulo.