A recente censura de livros nas escolas brasileiras é uma prática que remonta a tempos sombrios da humanidade, e que se estende até os dias atuais, quando o controle da informação é utilizado como ferramenta de poder. Em uma sociedade democrática, onde a liberdade de expressão e o direito ao acesso à informação são garantias constitucionais, a recente suspensão do livro “O Menino Marrom”, de Ziraldo, em Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais, é um retrocesso inadmissível.
A justificativa dada pela Secretaria Municipal de Educação, de que o conteúdo é “agressivo”, revela uma falta de compreensão do papel fundamental da literatura na educação e no desenvolvimento crítico dos alunos. “O Menino Marrom” e outras obras similares abordam o racismo estrutural, um tema de grande importância que precisa ser debatido de forma ampla e consciente. A decisão de censurar esse tipo de conteúdo é uma tentativa de silenciar discussões essenciais sobre desigualdade e injustiça, perpetuando a ignorância e a discriminação.
É inegável que a ignorância pode, em muitos casos, ser uma benção. A ausência de conhecimento sobre certos temas pode poupar uma pessoa de enfrentar a dura realidade e o desconforto que vem com a conscientização. Além disso, cada indivíduo tem o direito de escolher o que quer ou não ler. A liberdade individual inclui a possibilidade de evitar assuntos que se considera perturbadores ou irrelevantes para si mesmo.
Por outro lado, a democracia linguística assegura que todas as pessoas tenham o direito de acessar livros de maneira indiscriminada. A educação tem a responsabilidade de oferecer uma ampla e diversa possibilidade de perspectivas para que os alunos possam formar suas próprias opiniões informadas. A censura vai contra esse princípio, limitando o acesso ao conhecimento e restringindo a capacidade dos estudantes de desenvolver um pensamento crítico.
Este não é um caso isolado. Jeferson Tenório, autor de “O Avesso da Pele”, também teve sua obra retirada de escolas no Paraná sob a alegação de conter “expressões consideradas impróprias”. É um absurdo que, em pleno século XXI, autores como Tenório, Machado de Assis, Carlos Heitor Cony, Euclides da Cunha e até Franz Kafka sejam alvos de campanhas de censura. Essas obras são pilares da literatura que expõem, criticam e refletem sobre a realidade social, histórica e política do país e do mundo.
A Constituição Brasileira, em seu artigo 1º, assegura a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. No entanto, vemos esse direito ser constantemente violado por movimentos conservadores e moralistas que tentam impor uma visão estreita e limitada da realidade. Censurar livros é, na verdade, censurar ideias, experiências e a possibilidade de empatia e entendimento entre diferentes perspectivas. É negar aos estudantes a chance de desenvolver um pensamento crítico e uma visão de mundo mais justa e inclusiva.
O argumento de que certos livros são “inapropriados” para o ambiente escolar é uma desculpa frágil e simplista. A educação tem a responsabilidade de preparar os jovens para enfrentar e compreender as complexidades da vida em sociedade. Isso inclui discutir temas difíceis e, às vezes, desconfortáveis. A censura, pelo contrário, infantiliza os alunos, subestima sua capacidade de compreensão e os priva das ferramentas necessárias para se tornarem cidadãos informados e engajados.
Além disso, o racismo estrutural é uma realidade inegável no Brasil, e silenciar discussões sobre ele é uma forma de perpetuar sua existência. As obras de Ziraldo e Tenório, entre outros, são instrumentos poderosos para conscientizar e educar sobre essas questões. Retirá-las das escolas é uma negação de nossa história e um impedimento ao progresso social.
Esses episódios de censura que vêm ocorrendo no Brasil são alarmantes e indicam uma tendência perigosa de controle sobre a produção e disseminação de conhecimento. Em uma democracia saudável, é crucial que a educação seja um campo livre de influências autoritárias e censoras. A pluralidade de ideias e a liberdade de expressão são fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade justa e equitativa.
É preciso defender a liberdade de expressão e garantir que todas as vozes, especialmente aquelas que abordam temas críticos como o racismo estrutural, tenham espaço nas salas de aula. Somente assim poderemos avançar para uma sociedade mais consciente, crítica e verdadeiramente democrática.