Banda Seu Juvenal resgata tradicional bloco de Ouro Preto em novo clipe

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Há uma semana, a banda mineira Seu Juvenal lançou um clipe muito curioso da música “Cariá”. Com uma pegada carnavalesca, tribal e altamente rock n’ roll, o conjunto entregou um trabalho muito curioso e que tem tudo a ver com Ouro Preto. Isso porque o trabalho resgata a cultura de carnaval do bloco Zé Pereira Club dos Lacaios, que já tem mais de 150 anos de história. O vídeo foi gravado nas ruas ouro-pretanas, criando uma identidade artística muito próxima com a cultura local.

Para conhecer melhor o trabalho do Seu Juvenal, o Mais Minas conversou com Edson Zacca, compositor da música e guitarrista da banda. Ele contou que a ideia de fazer uma música para o Cariá, figura presente no bloco centenário do Zé Pereira dos Lacaios, partiu do falecimento do homem que há mais tempo representava o personagem nos carnavais.

Banda Seu Juvenal resgata tradicional bloco de Ouro Preto em novo clipe
Foto: Instagram/Seu Juvenal

Zacca tocou bumbo do bloco do Zé Pereira por oito anos, conhecia o homem que tradicionalmente fazia o Cariá no desfile do bloco e o achava um cidadão muito interessante de Ouro Preto.

“A figura Cariá, onipresente na frente do Zé Pereira dos Lacaios, figura que todo ouro-pretano conhece. Aquela figura sempre me intrigou, simboliza muito Ouro Preto. Eu estava querendo fazer uma música que tivesse essa energia da cidade e eu fiquei procurando figuras para isso. Aí, o Seu Roque, que era um dos Cariás mais antigos do Zé Pereira veio a falecer e eu vi uma a foto do Germano (fotógrafo ouro-pretano) e eu tive a ideia. Colocamos a foto no single e eu fiz a letra trazendo a energia do carnaval de Ouro Preto, mas mantendo a parte rock”, contou o músico.

O Seu Juvenal geralmente tem letras que tratam do lado social, abordando acontecimentos no país, no mundo e em Ouro Preto. De uma forma combativa, o grupo gosta de chamar a atenção do público para os grupos poderosos da sociedade.

“Cariá foi uma junção. A homenagem ao Cariá trouxe a energia de Ouro Preto e a questão do rock n’ roll ativo, de conclamar à população a ficar de olho nos falsos mitos e falsos homens santos”, disse Zacca.

A produção do clipe de Cariá foi da Globin TV Underground, de Belo Horizonte, mas o roteiro foi feito a partir das ideias dos músicos. Para o vídeo, eles se vestiram de capitães lacaios e fizeram uma performance que vai além da música.

Zacca contou que a produção não contou com um grande número de pessoas e equipamentos, mas foi rico em ideias. Foi tudo muito “rock n’ roll”, simples e objetivo, que focasse em levar a energia ouro-pretana junto do rock.

Assista o clipe de “Cariá”:

Cariá

O Cariá é uma figura do bloco carnavalesco centenário do Zé Pereira dos Lacaios, de Ouro Preto. A historiadora, madrinha de bateria e militante do Movimento Negro, Sidneia Santos, ajudou o Seu Juvenal na pesquisa sobre a figura tradicional do bloco.

Tradicionalmente, o Cariá vai abrindo os caminhos do bloco, riscando no chão com um tridente, que sai faísca nas pedras das ladeiras. É um espetáculo que simboliza muito o carnaval de Ouro Preto.

As vestimentas dos músicos no clipe são as fantasias de lacaios, que o Bloco do Zé Pereira utiliza. Para Zacca, a maquiagem e a roupa combinou com a banda, que costuma utilizar a cor vermelha.

“Ficou interessante, porque é vermelho, combina com o Cariá e o Seu Juvenal. E foi gravado na sede do Zé Pereira, que é no começo da subida da ladeira que sobe para a Igreja de Santa Efigênia, no bairro Antônio Dias. É um local realmente muito forte para o Seu Juvenal”, contou Zacca.

Seu Juvenal

Banda Seu Juvenal resgata tradicional bloco de Ouro Preto em novo clipe
Foto: Instagram/Seu Juvenal

A banda surgiu com quatro músicos, em Uberaba, no ano de 1997. Da formação original, apenas dois permanecem no grupo, Zacca e seu irmão Renato, que é baterista. No mesmo ano de formação do Seu Juvenal, o conjunto criou uma fita demo chamada “Cyber Jeca no Sertão da Farinha Podre”, com quatro músicas. O “Sertão da Farinha Podre” é o nome antigo da cidade de Uberaba, Cyber Jecas era porque a internet estava começando a “pegar” aqui no Brasil.

O grupo fez muitos shows na região, até que Zacca se mudou para Ouro Preto, em 2000. Quatro anos depois, o disco “Guitarra de Pau Seco” é lançado, já com uma formação diferente, com três guitarras, um trompete, bateria, vocal e baixo. Então, o Seu Juvenal começa a tocar em diversos lugares da região central de Minas Gerais.

No terceiro disco, “Caixa Preta”, de 2008, a banda já era um quarteto, com a estreia do atual vocalista, Bruno. Um fato curioso é que o álbum foi totalmente gravado em casa. “Colocamos colchão na parede, avisamos os vizinhos que iríamos gravar a bateria e gravamos o disco inteiro com dois canais, algo impressionante”, contou Zacca.

Depois, com a mesma formação, o Seu Juvenal lançou o disco “Rock Errado”, de 2016, com uma musicalidade bem mais madura. O álbum foi gravado um estúdio em Passagem de Mariana. Foi um disco que levou o grupo para a Europa, fazendo uma turnê de oito shows em três países.

Em 2019, perto do começo de pandemia, a banda lançou o “Brincando com Ódio”, que foi gravado ao vivo em um estúdio na cidade de Belo Horizonte. Com um estilo mais pesado e recheado de influências punks. Esse foi o álbum mais recente do Seu Juvenal.

E agora o grupo prepara o lançamento do disco “Seu Juvenal 5”, que conta com o single “Cariá”.

“Estamos muito concentrados na produção da divulgação dos singles, do disco, do clipe e dos lyrics videos. Estamos aprendendo muito, a pandemia influenciou muito na mudança de divulgação musical e estamos aprendendo o jeito mais eficaz. É a primeira vez que estamos fazendo realmente um lançamento oficial, com uma certa visibilidade”, disse Zacca.

Sobre a influência ouro-pretana que a banda carrega, o guitarrista disse que, na realidade, o Seu Juvenal é muito amplo quando se trata de influência mineira.

“A questão não é só de musicalidade ouro-pretana, mas sim uma musicalidade mineira. É claro que Ouro Preto tem um local especial, mas a banda tem muita influência, seja música raiz das Minas, desde a música caipira até o próprio Clube da Esquina, ou o rock feito em Minas desde muito tempo. E somos uma banda de carnavalescos, pessoas que se envolvem, seja trabalhando ou como folião, tocando ou viajando por Minas, a gente tem, cada um, uma história com o carnaval. O carnaval mineiro nos influencia muito”, finalizou.

Integrantes do Seu Juvenal:

  • Contrabaixo: Fabiano Minimim
  • Bateria: Renato Zaca
  • Vocal: Bruno Bastos
  • Guitarra: Zacca

Mais sobre Cariá

Leia o texto escrito por Sidneia Santos sobre o Cariá na íntegra:

“Em 1867 nascia em Ouro Preto o bloco carnavalesco Zé Pereira Club dos Lacaios. Uma das agremiações carnavalescas mais antigas do Brasil. Os lacaios eram funcionários geralmente destinados a auxiliar nos serviços administrativos nos palácios ou comércios e também nas casas de seus senhores, principalmente no Brasil Império. Por isso o traje do Zé Pereira copiou como alegoria a veste dos lacaios do século XIX. Além das zabumbas, bumbos, taróis, tambores, clarins e lanternas coloridas existem os inconfundíveis catitões, ou bonecões do Zé Pereira (que podem ser influência dos bonecões usados nos entrudos e nas procissões portuguesas desde a idade média, imitando santos católicos).

Junto aos bonecões vêm acompanhando o cortejo os Cariás, figuras irreverentes, brincalhonas, caracterizadas com fantasias que trazem chifres e rabos, com seus tridentes de metal que riscam o chão fazendo fagulhas, no intuito de abrir caminho em meio aos foliões para o Cortejo do Zé Pereira passar.

Se analisarmos a presença dos Cariás no cortejo de maneira decolonial, dentro da cosmogonia e da filosofia africana bantu ou nagô, podemos associá-los a Exu (ou N’pumbo Njila), o “Senhor dos Caminhos”, o primeiro a passar, o dono das ruas, ladeiras e encruzilhadas. Aquele que sem ele, não se chega a lugar algum.

Em 2021 o Zé Pereira de Ouro Preto perdeu um de seus integrantes mais antigos. Seu Roque Liberato Nolasco, Seu Roque Cariá, membro do Club dos Lacaios desde os seus 14 anos de idade, faleceu aos 86 anos.

Mas quem disse que o Cariá, o dono dos caminhos, morre? Roque mudou de plano, mas permanece eternizado na cultura ouropretana, mineira, brasileira, riscando faísca na “ladeira do terror”, abrindo caminho para “alegria e amor”. Roque virou rock, é música da banda Mineira Seu Juvenal, é o eterno Cariá do nosso carnaval.

Deu rock no Zé Pereira, viva Roque Cariá!”

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