A pesquisa “DataTempo”, realizada pelo jornal O Tempo, mostrou as projeções para as próximas eleições presidenciais que irão acontecer em 2022, considerando a “pesquisa espontânea”, em que o nome dos candidatos não aparecem para o eleitor, e a “pesquisa estimulada”, que se parece mais com as eleições tradicionais.
Em ambas modalidades de pesquisa foi possível ver uma previsão de recorde no número de votos nulos, em branco ou em ninguém nas próximas eleições. Na corrida eleitoral de 2018, vencida por Jair Bolsonaro (sem partido), o percentual de anulação dos votos no 2º turno já havia sido o maior desde 1989, com 7,4%.
O “DataTempo” mostrou que na “pesquisa espontânea” o percentual de votos nulos ou em branco no 1º turno é de 12,8% e na “pesquisa estimulada” a porcentagem chega a 8%. Em 2018, no 1º turno, o percentual de anulação do voto foi de 6,14%.
Contando o 2º turno, todas as previsões do “DataTempo” preveem recorde de votos nulos. Veja:
- Lula x Bolsonaro – 14% de votos nulos;
- Ciro Gomes x Bolsonaro – 16,1% de votos nulos;
- João Dória x Bolsonaro – 23,4% de votos nulos;
- Eduardo Leite x Bolsonaro – 25,1% de votos nulos;
- Lula x Ciro Gomes – 20,3% de votos nulos;
- Lula x João Dória – 23,9% de votos nulos;
- Lula x Eduardo Leite – 24,3% de votos nulos.
Em 2018, o percentual de votos nulos no 2º turno das eleições presidenciais chegou a 7,4%, o maior registrado desde 1989, totalizando 8,6 milhões de eleitores que anularam o voto. No 2º turno da eleição presidencial de 2014, vencida por Dilma Rousseff, 4,6% dos votos foram anulados ou em branco.
Fazendo uma média com todas as sete previsões de 2º turno apontadas pelo “DataTempo”, é possível fazer uma média de 21% de votos nulos ou em branco para 2022, o que representaria um aumento de 13,6% de eleitores anulando o voto em comparação com 2018.
Por que eleitores anulam o voto?
Quando o assunto é política, muito se fala em uma descrença da população em representantes confiáveis ou mesmo em um desinteresse por parte dela em assuntos políticos. Mas para se chegar nessa conclusão existe um caminho a ser percorrido na análise do eleitorado brasileiro.
Antonio Marcelo Jackson Ferreira da Silva é professor do Departamento de Educação e Tecnologias (DEETE) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Ele é formado em Historia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), possui mestrado e doutorado em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Para ele, o a razão para o aumento dos votos nulos nas eleições parte da falta de entendimento sobre as reais funções de cada cargo político no Brasil.
“Em linhas gerais o brasileiro vê a política como quase exclusivamente a escolha de prefeitos, governadores e presidente da República e, concomitantemente, que fora da eleição existe vida cotidiana, mas não vida política. Assim, o primeiro aspecto reside em que, por não saber a função que exerce um prefeito, vereador, governador, deputado estadual, deputado federal, senador e presidente, o eleitor do país confunde as esferas e acaba por deteriorar o cenário pela sua incapacidade de compreender os itens que o compõem”, afirma o professor.
Antonio Marcelo vê um entendimento de grande parte do eleitorado de que todas as questões políticas giram em função apenas do prefeito, governador e presidente, ignorando a importância de . “Já vi eleitores reclamando das linhas e passagens de ônibus com os prefeitos quando as decisões originais pertencem aos vereadores; vi candidatos a deputado estadual tratar de IPTU, quando esse é um assunto dos municípios; vi presidentes da República bradando sobre o ICMS quando isso é uma decisão para as Assembleias Legislativas dos estados. A confusão não para e, quando ela é quase que incontornável, então aquilo que se vê não é algo que agrade ao olhos”, conta o professor.
O doutor em Ciências Políticas vê a maioria dos eleitores brasileiros sem o conhecimento de que a vida política é “infinitamente” mais intensa após a eleição, pois é a partir dela que os projetos aparecem, futuras leis são discutidas, ações são propostas e tudo isso irá interferir direta ou indiretamente na vida da população. “Desinteressado, o eleitor faz escolhas e não cobra do eleito uma postura ou compromisso com o que apresentou na campanha. O representante, por sua vez, não vê naquele que tem o poder de destituí-lo numa próxima eleição qualquer pressão para suas decisões. Temos já um cenário por demais estéril”, afirma Antonio.
Com tudo isso, acontece a descrença pelo desconhecimento e falta de cobrança que gera em um desestímulo da população em participar da eleição. Antonio Marcelo, portanto, critica o fato de utilizar o voto nulo como uma forma de protesto, pois isso faz com que se crie cada vez mais um cenário fértil para os “políticos fisiológicos”, que não possuem comprometimento com a vida pública.
“Desiludido com os políticos, o eleitor passa a não votar, votar nulo ou votar em branco, sem perceber que isso não altera o número de eleitos”, diz o professor. Portanto, na Câmara dos Deputados, em Brasília-DF, independentemente do percentual de votos brancos, nulos e as abstenções, sempre serão escolhidos 513 deputados federais. O que muda é o número de votos necessários para se eleger um deputado federal.
Portanto, em uma situação hipotética, se num primeiro cálculo é necessário um total de 200 mil votos para se eleger um deputado federal em Minas Gerais (a conta aqui é fictícia), com o maior número de abstenções, nulos brancos, esse total cai bastante. Continuando nesse raciocínio, se um candidato tem o “controle” ideológico de uma região ou grupo de pessoas, mas o total gira em torno de uns 100.000 eleitores, então, com o percentual menor de votos válidos, ele consegue a vitória, sem precisar fazer campanha em todo o estado ou mesmo se esforce em conquistar diversos segmentos da sociedade.
“O problema é que esse deputado eleito somente tem compromisso com um grupo ou pequena região e suas ações na Câmara estarão sempre voltadas para seus exclusivos eleitores. Assim, quando começa a atuar, aquele cidadão comum que não votou, passa a ter uma pior imagem dos políticos, pois afinal, vê que esses representantes somente atuam em benefício de pequenos grupos da sociedade e seu desapreço por essa classe aumenta mais e mais”, diz Antonio Marcelo.
Seguindo a linha de raciocínio do professor do Departamento de Educação e Tecnologias da UFOP, o aumento dos votos nulos nas eleições, cria um cenário político de eleitos cada vez menos representativos e, justamente por se sentir pouco representado, o próprio eleitor vota nulo nas próximas eleições, formando um ciclo vicioso que prejudica o modelo político que existe em todas as esferas do Brasil.
Resultado
No “DataTempo”, o ex-presidente Lula e o atual presidente Bolsonaro possuem favoritismo no 1º turno, com 36% e 22% dos votos, respectivamente. O representante do Partido dos Trabalhadores leva a melhor no 2º turno, de acordo com a pesquisa estimulada, com 53,1% dos votos contra 30,1% do atual chefe do poder Executivo nacional.
Inclusive, contando Ciro Gomes, João Dória e Eduardo Leite, em todas as simulações de 2º turno da pesquisa estimulada, mostra vitória do ex-presidente Lula. Quando os mesmos candidatos são colocados em disputa contra Jair Bolsonaro, o atual chefe do poder Executivo nacional também perde todos os embates.