Em 2017, a cantora norte-americana Lady Gaga cancelou sua apresentação no Rock in Rio devido às fortes dores provocadas pela fibromialgia. Na ocasião, publicou em suas redes sociais a frase “Brazil, I’m devastated” (“Brasil, estou devastada”), que rapidamente se espalhou e virou meme entre os fãs e, principalmente, entre os não-fãs brasileiros.
Quase oito anos depois, a artista retornou ao país, e sua chegada foi marcada por uma brincadeira com a frase original. Após o anúncio oficial do aguardado show gratuito de Gaga na Praia de Copacabana, programado para 3 de maio de 2025, o secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro, Lucas Padilha, declarou: “Brasil, eu não estou mais devastado” (“Brazil, I’m not devastated anymore”). A frase viralizou nas redes sociais assim que Gaga confirmou sua presença em solo brasileiro e mais ainda depois que ela finalmente desembarcou por aqui, encerrando meses de rumores e incertezas.
O reencontro com o público brasileiro foi histórico. Depois de mais de uma década sem se apresentar no país — sua última visita havia sido em 2012 —, Lady Gaga emocionou uma multidão estimada em 2,1 milhões de pessoas, segundo a Prefeitura do Rio. O show, realizado na icônica Praia de Copacabana, reforçou o vínculo entre a artista e seus fãs brasileiros em uma noite memorável para a música pop.
Ao longo de sua carreira, Lady Gaga se firmou como símbolo de autenticidade, resistência e expressão artística. Suas músicas, repletas de críticas sociais e mensagens de empoderamento, podem ser aproveitadas na redação do Enem como repertório sociocultural produtivo, desde que usadas de forma coerente e conectada ao tema proposto. Para isso, é essencial conhecer as cinco competências cobradas pelo exame e obviamente com tema central.

Competência I: domínio da norma culta
Trechos de músicas não são proibidos, mas o candidato precisa manter a escrita formal. Se for citar “Born This Way”, por exemplo, é importante parafrasear e contextualizar a mensagem da música com vocabulário adequado. Exemplo:
“A cantora Lady Gaga, ao defender a valorização das identidades na canção Born This Way, reforça a importância do respeito às diferenças como pilar de uma sociedade inclusiva.
Procure evitar informalidades, gírias ou traduções literais que destoem do padrão culto da língua.
Competência II: compreensão do tema e uso de repertório
O uso de músicas como repertório só será bem avaliado se estiver claramente vinculado ao tema da proposta. Para um tema como “intolerância religiosa no Brasil”, por exemplo, a canção Judas pode ser interpretada como metáfora da relação conflituosa entre fé e julgamento social. Exemplo:
“Em Judas, Gaga dramatiza a culpa e o julgamento moral, o que pode ser associado às condenações sociais enfrentadas por determinadas crenças religiosas.”
A canção se torna válida na medida em que contribui para a construção de um argumento, e não como citação decorativa ou desarticulada.
Competência III: organização dos argumentos
A inserção de uma música deve vir acompanhada de explicação e conexão com o ponto de vista do autor da redação. Um bom exemplo é usar “Til It Happens to You”, trilha que denuncia a naturalização da violência sexual e mostra, com sensibilidade, o percurso doloroso vivido pelas vítimas, em temas relacionados à violência de gênero. Exemplo:
“A exemplo da música “Til It Happens to You”, que denuncia o silêncio em torno da violência sexual, muitos sobreviventes enfrentam a invisibilidade institucional e social.”
Nesse caso, a canção serve como evidência emocional e cultural para sustentar o argumento, demonstrando autoria e organização lógica.
Competência IV: coesão textual
Conectar a música ao tema exige uso de operadores adequados. Evite frases soltas como “como disse Lady Gaga” sem amarração lógica. Prefira construções como:
“Esse debate se intensifica quando se considera, ainda, o que Lady Gaga expressa em “Shallow”, ao abordar o vazio emocional como reflexo de uma sociedade que negligencia a saúde mental.”
O uso de conectivos como “além disso”, “nessa perspectiva” ou “como demonstra” garante fluidez entre as ideias e fortalece a argumentação.
Competência V: proposta de intervenção
Referências musicais também podem inspirar propostas de intervenção. No caso da canção “Born This Way”, a valorização das diferenças pode embasar a sugestão de políticas públicas voltadas à educação antidiscriminatória nas escolas, promovidas por órgãos como o Ministério da Educação (MEC), com apoio de ONGs especializadas em diversidade.
“Propõe-se, portanto, que o Ministério da Educação, em parceria com instituições como a Aliança Nacional LGBTI+, desenvolva campanhas educativas nas escolas públicas, com o objetivo de promover o respeito à diversidade, seguindo os valores humanitários sugeridos pela mensagem da canção ‘Born This Way’.”
De um modo geral, usar Lady Gaga na redação do Enem não é apenas possível, como pode ser uma estratégia de destaque, desde que as músicas sejam utilizadas como recurso argumentativo legítimo, articuladas às competências da prova e ao tema proposto. Repertório de qualidade não depende apenas da origem, mas da forma como é mobilizado.
Um forte exemplo é o jovem de Belo Horizonte, Rafael Santana Assunção, de 27 anos, que foi um dos 12 candidatos de todo o país que atingiram a nota mil na redação do Enem 2024, citando a banda brasileira BaianaSystem.

“O álbum musical “Duas Cidades”, da banda brasileira Baiana System, aborda, em algumas de suas canções, o apagamento da influência histórica africana no Brasil. Inegavelmente, em dias atuais, é possível constatar uma relação direta entre a composição artística citada e a desvalorização da herança africana no país. Isso é explicado devido à falta de política pública de ensino e à ausência de lei específica. Logo, é essencial analisar e intervir sobre essa problemática.
A princípio, deve-se observar que o pouco fomento governamental em ações de gestão educacional é um problema a ser combatido. Sob a perspectiva de Macaé Evaristo, ministra dos Direitos Humanos, é urgente a necessidade de iniciativas para a inclusão da história e da cultura afro-brasileira nas escolas. Para entender melhor tal posicionamento, é importante compreender que o atual ensino sobre os povos africanos é apenas relatado em aulas específicas de algumas disciplinas, como história e literatura, sem se aprofundar na grande influência cultural que a África possui no Brasil. Dessa forma, de acordo com Chico César, cantor e compositor de músicas afro-brasileiras, as crianças e os adolescentes necessitam ter uma formação ampla sobre a temática, com aulas multidisciplinares, por exemplo, de música e de capoeira, bem como as tradicionais aulas já existentes, porém integradas à herança africana presente na sociedade. Nesse sentido, é substancial modificar esse contexto e desenvolver uma forte política pública de ensino.
Ademais, é imperativo pontuar que atitude insuficiente do Poder Legislativo Federal em atuar no tema é um problema a ser combatido. Sob a ótica de Duda Salabert, deputada federal e professora de literatura, é imprescindível a alteração da lei que orienta a educação básica brasileira. Isso pode ser explicado pelo entendimento de que apenas com empenho legislativo é possível transformar o mecanismo legal que define as matrizes de referência do ensino nacional. Dessa maneira, com a união de parlamentares para o reconhecimento da importância da herança africana na formação educacional, poderá ocorrer a consolidação de políticas públicas, como o investimento da capacitação de professores e de profissionais especializados em cultura afro-brasileira. Assim, o crescimento do fomento estatal no setor, garantido por aparato legal, contribuirá para a efetivação de uma forte identidade nacional. Em suma, se o Congresso Nacional se omite de enfrentar tal cenário danoso, entende-se o porquê de sua perpetuação.
Portando, com o intuito de solucionar esses desafios, o Poder Executivo Federal, por meio do aumento de ações governamentais, deve estimular iniciativas educacionais relacionadas à herança africana, a fim de valorizar a temática. Além disso, o Poder Legislativo Federal, por intermédio da criação de um projeto de lei, necessita elaborar uma nova política nacional de ensino, com a obrigatoriedade de investimento público na área, com a definição de medidas de gestão pública capazes de instituir aulas multidisciplinares, como de música e de cultura afro-brasileira nas escolas, com o objetivo de reconhecer a importância do tema na formação da sociedade. Feito isso, o apagamento da influência africana abordado na obra da banda Baiana System será, enfim, combatido.”