A cerca de 97 quilômetros de Belo Horizonte, na região Inconfidentes do estado de Minas Gerais, encontra-se Ouro Preto, com aproximadamente 70 mil habitantes, uma cidade que respira história e arte sacra. Foi lá, caminhando pelas ruas, que a reportagem do portal Mais Minas se deparou com algo que fugia da normalidade do local. Encontramos andando pelo chão revestido de pedras a drag queen Vitória Monroe. No figurino, um vestido branco com uma igreja desenhada na parte central; na cabeça, uma fonte de água, que faz referência à fonte da sabedoria, mas os olhos desta figura eram um pouco intrigante, de cor branco acinzentado, fazendo menção à cegueira da igreja.
A personagem Vitória Monroe é um projeto encabeçado por Vitor Mourão Ohnesoge, de 26 anos, estudante de Artes Cênicas na UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto) e artista plástico. Segundo ele, o projeto consiste em uma crítica à igreja, mas mais do que isso, para ele, a religião precisa ser discutida, para que todas as pessoas sejam incluídas na crença.
“Existe um tabu em questão social de algumas religiões satanizarem os corpos LGBTs, afirmando que não são pessoas dignas da benção divina. E o que eu quis afirmar é que se Deus existe TODOS NÓS somos a própria casa de Deus. A intenção é dialogar com a comunidade em uma linguagem que seja familiar para a própria”, explicou Vitor à nossa reportagem.
Vitor contou que usou recursos próprios para viabilizar a confecção dos trajes. A vontade de transmitir esta mensagem visual era tão grande que Vitor se empenhou no projeto por um ano, ele comprou todo material com o dinheiro de outras apresentações que fez com o primeiro figurino da Vitória, Bafomét, Primeiro Deus (ser místico), posteriormente satanizado pela igreja católica, pois não era a imagem e semelhança do homem. Para fazer Vitória (igreja), Vitor precisou ser criativo: “A saia tem um dispositivo que fiz usando partes de um guarda-sol, permitindo que um vestido longo se transformasse em um vestido de época”, disse.
A drag queen entrou em questões bem delicadas, como as ambientais. “Sobre a estética, também fui inspirada pela tragédia em Mariana. As dobras do tecido dourado da saia representa uma avalanche de Lama dourada. Dourada, pois na época em que o figurino se encaixa, o minério explorado era o ouro, usando mão de obra escrava para tal exploração. Se lermos um pouco sobre escravidão moderna, vemos que ainda somos escravizados, e não só na área da mineração, em todas”, explicou Vitor.
O estudante capixaba explica que os LGBTs não tem a intenção de agredir qualquer religião que seja, mas só querem ser aceitos, e além de fazer uma crítica à igreja, ele fala sobre o momento social do Brasil e do mundo: ” A ideia de partida seria ‘discutir religião’ porque se Deus ama todo mundo igual, quem é qualquer um na fila do pão para me discriminar? Por que santo de ouro na verdade até o budismo tem, mas dinheiro para investir em acabar com a fome, a miséria e a desigualdade social parece que nenhuma religião, ninguém se propõe”.
Vitor se transforma em Vitória para criticar a igreja, criticar as mineradoras, o trabalho escravo, a questão social, mas também para interagir com a população, e dá um tom divertido, afinal, um dos papéis da arte é entreter, não é mesmo? Com uma maquiagem que demorou 3 horas para ele mesmo fazer, além de muita coragem, ele criou uma caixa de dízimo e foi andar nas ruas.
“A caixinha do dízimo foi uma forma de resinificar o chapéu do artista de rua. Uma espécie de brincadeira para que se familiarizasse ao figurino, e foi maravilhoso ver a comunidade de Ouro Preto passando por cima de vários tabus e colaborando para que haja um trabalho artístico como este e promovendo a representatividade LGBT nas ruas”, finaliza Vitor.