A Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga as obras feitas pelas empresas Israel e GMP, em Mariana, recebeu na última semana o ex-prefeito da cidade, Duarte Júnior, que prestou depoimento como testemunha. Na oitiva, o presidente da “CPI das Obras”, o vereador Pedrinho Salete (Cidadania), iniciou a sessão perguntando se o ex-chefe do poder Executivo marianense havia autorizado a adesão da ata das duas construtoras.
Duarte respondeu dizendo que o processo iniciou na Secretaria de Obras e que não se define a ata a ser aderida, é algo que se busca no mercado. O ex-prefeito de Mariana também explicou que durante a sua gestão, todos os secretários eram ordenadores de despesa e que a autorização para a celebração dos contratos fazia parte da responsabilidade de cada secretaria.
Portanto, o ex-prefeito disse que não avaliou nada em relação às atas, porque é obrigação da Secretaria de Obras aderir a ata que tiver um maior desconto.
Os vereadores Marcelo Macedo (MDB), José Sales (PDT) e Manoel Douglas (PV), membros da CPI também fizeram perguntas a Duarte Júnior. Nelas, o ex-prefeito de Mariana revelou que teve um contato com o proprietário da Israel uma única vez no ano de 2015.
Acompanhamento das obras
Segundo o ex-prefeito de Mariana, o começo de sua gestão aconteceu em um momento delicado, antes mesmo do rompimento da barragem da Samarco. De acordo com o seu relato, a cidade já estava perdendo receitas por causa do preço do minério de ferro. Então, teve que ser feito alguns cortes, algo que nunca era bem visto pelos funcionários públicos e a população como um todo, conforme disse Duarte Júnior.
Quando a gestão de Duarte começou, foram feitas várias demissões de funcionários e cortes de funções gratificadas. Além disso, houve alguns reajustes, como na prestação de serviço da empresa de coleta de lixo, gerando em uma economia de quase 40%, o que dava em torno de quase R$ 400 mil. Até mudança nos benefícios dados aos colaboradores tiveram que ser feitos, criando o vale-alimentação por categoria, deixando as pessoas que tinham um melhor salário na administração pública sem o benefício ou com o valor reduzido.
Duarte continuou listando os remanejamentos para melhoras as contas públicas. Citou o corte total da empresa de eventos que prestavam serviços, que custavam R$ 300 mil aos cofres públicos, cortando publicidade e aluguéis. E, por fim, em 2015, Mariana sofreu o maior desastre ambiental da história do Brasil.
O ex-prefeito de Mariana trouxe tal contexto para dizer que de qualquer forma, o governo não parava, segundo ele, continuava se reunindo com as comunidades e cada uma tinha o seu pedido e sua solicitação. De acordo com Duarte Júnior, durante os quatro anos que a administração municipal não tinha o poder aquisitivo de investimento, o Município arrecadava em torno de R$ 310 milhões por ano. Quando a sua gestão assumiu, a cidade regride nas questões orçamentárias, caindo para R$ 270 mil no primeiro ano e R$ 240 mil no segundo. No entanto, ao mesmo tempo, Mariana tem o crescimento vegetativo para a folha.
“Todas as demandas ou reuniões que chegavam para o Executivo, nós sabíamos qual era o desejo da comunidade. Eu contextualizo dessa forma para dizer que as obras que aconteceram, não houve uma obra, houve várias que não aconteceram, que estavam dentro da relação que nós tínhamos e que não foram executadas. Nós chegamos a quase 80 obras”, explica o depoente.
Duarte ainda disse que tinha o desejo de deixar o seu legado á frente da Prefeitura de Mariana, porém, por vários fatores, não foram todas as obras que foram entregues. Segundo o ex-prefeito, isso aconteceu porque o tempo foi curto e surgiram as complicações da Covid-19, que tomaram muito de sua atenção.
“Não há uma obra específica, todas foram feitas a partir de reuniões com as comunidades, tínhamos feitos os levantamentos e elas estavam dentro de um planejamento. Eu só disse ‘façam as obras que temos condições de executar’“, relatou.
Porém, o depoente confirmou que não acompanhou a execução das obras na cidade. Ele também disse que conheceu os engenheiros responsáveis e proprietários da GMP e Israel depois de todo o desenrolar do caso investigado na CPI.
No decorrer da oitiva, Duarte Júnior disse que desde o início de sua gestão, em todas as reuniões realizadas, as obras eram levantadas e a execução delas eram autorizadas por ele. “Eu sabia de todas as obras, porque a comunidade me pedia. Algumas não foram feitas porque faltou mão de obra, quantas obras poderiam ter sido feitas? Porque tinha recurso. Nós deixamos quase R$ 30 milhões em caixa. Tinha condições de executar, só que não havia uma reunião para tratar de uma reunião individual. Havia um grande número de obras que poderiam ter sido executadas, uma boa parte foi iniciada, uma outra parte não foi iniciada, e todas as obras iniciadas, infelizmente, não foram finalizadas, mas a continuidade é muito importante” relatou o ex-prefeito de Mariana.
Duarte Júnior ainda complementou dizendo que boa parte das obras autorizadas na sua gestão estão sendo finalizadas, outra parte delas estão sendo fiscalizadas e tem certeza que ainda será determinada a retomada das demais obras, pois o maior prejuízo de todos é de uma obra parada.
Pagamentos e irregularidades
Pedrinho Salete também perguntou ao depoente quem autorizava os pagamentos das obras. O ex-prefeito respondeu que pela inviabilidade de acompanhar todas as ações de cada secretaria de forma integral, concedeu a oportunidade de cada secretário ser um ordenador de despesa para autorizar algum pagamento.
“No início da nossa gestão o prefeito assinava todas as obras, mas eu percebi que é impossível eu saber o quanto de medicamento tem a secretaria de obras. Quando eu vi aquilo, eu chamei todos os secretários e deixei claro, eu não vou assinar, porque eu sei que não tenho condições de acompanhar. Então fizemos um secreto colocando que todos os secretários são ordenador de despesas para que eles assumam essa responsabilidade. Eu não assinava junto com os secretários, assinava as compras dentro do gabinete”, conta.
O ex-prefeito também disse que nunca aconteceu de uma pessoa ir até ele para informar que poderia haver algum tipo de irregularidade. Além disso, o depoente se posicionou de forma favorável à CPI e reconheceu o trabalho do poder Executivo atual, liderada pelo seu irmão, Juliano Duarte (Cidadania), interinamente. Isso porque, assim que a administração pública recebeu a informação de possíveis irregularidades envolvendo as obras, a primeira atitude da prefeitura foi de suspender o contrato com a GMP.
Quanto à possibilidade de pagamentos para obras não executadas, Duarte Júnior reproduziu as falas do ex-secretário de Obras de Mariana, Fábio Fernandes Vieira, que disse que as obras que foram executadas tiveram a ordem de serviço, ou seja, a empresa é autorizada a fazer, se ela não fizer, não haverá pagamento. E, de acordo com o depoente, assim foi feito.
Autorização para a GMP contratar engenheiros
Pedrinho Salete também perguntou ao ex-prefeito de Mariana se ele autorizou a GMP a contratar novos engenheiros. Duarte explicou que o Município tinha um contrato com a CIMVALPI para o acompanhamento dos reassentamento de Bento e Paracatu, mas nesse vínculo foi deixado claro que a demanda reprimida da administração municipal era muito grande, pois priorizou-se os distritos atingidos pelo rompimento da barragem por cerca de três anos, o que penalizou as demais demandas da população.
Então, outros engenheiros teriam sido contratados para atender a demanda da administração e priorizar Bento e Paracatu. “No final da gestão, o contrato venceria em mais ou menos 17 dias, o Fábio me procurou e disse que o contrato estava vencendo e perguntou se poderia resolver. Eu disse que, se houver meios legais, não teria problema, mas nunca foi dado a mim quais meios eram esses, já que ele era ordenador de despesas”, contou.
Desconfiança sobre o secretário de Obras
Fábio Fernandes já esteve na CPI anteriormente, mas o seu depoimento foi considerado vago pelos membros da comissão, pois o ex-secretário de Obras de Mariana, na oportunidade, disse que tinha memória “muito limitada”.
Segundo relatou Duarte, o passado de Fábio, quando ele o conheceu, o credenciava para assumir as responsabilidades da secretaria. O ex-prefeito de Mariana contou que em todas as obras emergenciais, que poderiam ter sido feitas por dispensa de licitação, o ex-secretário chegou até ele e disse que não iria fazê-las por esse meio, pois ficaria mais caro e, então iria utilizar a ampliação do contrato para celebrar tais obras.
“Quando todas as atitudes do Fábio em relação a mim, era uma atitude de alguém extremamente preocupado em tomar as decisões acertadas. Cogito aqui também que ele deu a ordem de serviço sem entregar os documentos, de forma verbal, anterior ao prazo. Ou seja, se a gente medir somente esse prazo, realmente seria incomum finalizar as obras, mas a Câmara acerta em pôr um engenheiro, porque, se as obras estiverem sido executadas, ele pode ter tido um erro de ter iniciado as obras antes do prazo, mas as obras estão lá. É muito difícil para mim discorrer sobre alguns pontos, porque eu não tenho conhecimento de como aconteceu”, disse o depoente.
Em relação à GMP, Duarte disse que já não estava à frente do poder Executivo no momento do pagamento e que tais informações teriam que ser checadas com o Fábio.
Obras que preocupam
Marcelo Macedo também questionou Duarte sobre a obra da creche no bairro São Cristóvão, que foi entregue em fevereiro do ano passado. O membro do poder Legislativo contou que fez uma visita técnica com a comissão de obras, junto de um engenheiro, e fez um relatório, que foi encaminhado ao ex-prefeito ainda em 2020.
No relatório consta que seria preciso, para finalizar a obra, um valor em torno de R$ 280 mil. E, no final, a obra teve um custo de cerca de R$ 1 milhão. Marcelo Macedo disse que o aumento no valor da creche se deu por conta da demora para a construção ser finalizada.
“Qualquer obra pública que você licitar, primeiro você tem que ter o recurso. Manda um orçamento para a Câmara, ela aprova, você tem que ter o recurso para abrir a licitação. A obra do São Cristóvão nós licitamos, mas não com a agilidade que gostaríamos e ampliamos um pouco que entendemos ser importante para os alunos”, respondeu.
Outra preocupação colocada por Marcelo Macedo é com relação ao novo loteamento onde seriam construídos 1.600 apartamentos entre os bairros Jardim de Santana e Morro Santana. Segundo o vereador, foi gasto cerca de R$ 15 milhões para a aquisição do terreno, porém, apesar da grande propaganda do investimento, as obras ainda não foram finalizadas.
“Em relação ao loteamento é, sem dúvida alguma, algo fenomenal para Mariana, independente da nossa situação em relação à moradia. A empresa Conterplam faz um grande trabalho lá e tenho certeza que vai entregar a obra dentro do tempo que estava previsto. Tem um problema que é o projeto. Parece que o que está dando de escavação é maior do que planejamos, mas não tem como saber. Então, está sendo ajustado. É importante a Câmara acompanhar porque são dois andares e há condições da empresa finalizar a infraestrutura e o Executivo possa fazer as licitações das moradias”, respondeu o ex-prefeito.
Relação com a CIMVALPI
Manoel Douglas perguntou, por fim, se o ex-prefeito de Mariana fazia parte da CIMVALPI atualmente. Em uma resposta extensa, Duarte Júnior explicou que em 2016 ele entendeu ser importante que os municípios pudessem agir de forma consorciada. Então, ele propôs a criação do Fórum de Prefeitos, que hoje tem a participação macro de 35 chefes do poder Executivo de Minas e 10 do Espírito Santo.
Através do Fórum de Prefeitos, Mariana recebeu R$ 7 milhões em relação a recursos para educação, tem direito a receber R$ 10 milhões pelos gastos extraordinários e ainda recebeu o valor de R$ 200 mil destinados à área da saúde. De acordo com Duarte, todas as decisões para a repactuação passa pelo Fórum de Prefeitos. “Tenho o prazer de representar todos esses municípios. Nós tivemos uma agenda com o Senador Rodrigo Pacheco e eu fui indicado por todos os municípios de forma unânime, para que eu possa representá-los na repactuação”, disse.
Duarte conta que recebe atualmente, como funcionário do Fórum de Prefeitos, o salário de R$ 7 mil. Mas, segundo o ex-prefeito de Mariana, será constituída, no próximo dia 2 de novembro, a personalidade jurídica do fórum. Enquanto isso, esse recurso é repassado à CIMVALPI, sem nenhum ônus para os municípios.
“Estou no fórum desde maio. Faço questão de esclarecer que sou funcionário do fórum, temos feito um excelente trabalho e a Fundação Renova existe para reparar, então é um recurso justo. Mariana e demais municípios atingidos podem ter certeza que muitos projetos estão por vir ainda”, disse.
Por fim, ao ser indagado por Manoel Douglas, Duarte disse que o escritório da GMP se encontra em um imóvel da sogra do ex-prefeito de Mariana. Se trata de um imóvel que tem quatro quartos e três banheiros e é alugado no valor de R$ 1.500.
“A casa ao lado está alugada por duas vezes mais o valor que ele paga hoje para a minha sogra. Infelizmente, ela já tinha alugado e não conseguiu alugar para está empresa que está ao lado, prestadora de serviço da Vale, que paga duas vezes mais do valor que é pago”, finalizou.
Há a previsão para o término do trabalho de inquérito e entrega do relatório da CPI em novembro deste ano. A comissão começou os trabalhos de investigação em maio e já ouviu dezenas de depoentes.
A CPI tem como objeto dois contratos celebrados entre a Prefeitura de Mariana e empresas do ramo de construção civil. De acordo com o requerimento do pedido de abertura da comissão, os fatos apresentados “apontam fortes indícios de improbidade administrativa, dano ao erário público e de crime de responsabilidade”.
O contrato 447/2019 foi assinado entre a Prefeitura de Mariana e a Construtora Israel em 20/12/19, pelo valor de R$ 27.060.668,15 e com prazo de vigência de um ano. Já o contrato 148/2020 foi assinado junto à GMP Construções pelo valor de R$ 51.098.936,40, em 01/12/2020, pelo prazo de 12 meses, ou seja, está vigente até o dia 30 de novembro deste ano.