Estive nessa quarta-feira, 6 de julho, no Estacionamento do Centro de Convenções da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) para acompanhar os shows organizados pela prefeitura de Ouro Preto em homenagem aos 50 anos do lançamento do álbum “Clube da Esquina”, com as participações especiais de Flávio Venturini e Beto Guedes.
Me estranhou a falta de público no local devido ao tamanho desses dois ícones da música brasileira. O evento, que começou na quarta-feira às 19h e terminou de madrugada, por volta de 1 hora da manhã, foi acompanhado por turistas, classe política e demais elite ouro-pretana, ou seja, faltou o povo que pagou por R$ 224 mil por todo o evento, que ainda contou com Lô Borges na terça-feira e que terá Paulinho Moska na noite de quinta (7).
Quando terminou, entendi em parte a ausência da população. Como se já não bastasse serem escolhidos dias úteis para que a festividade ocorra (acho que não é necessário aqui explanar que boa parte da população pega na “labuta” ao amanhecer), não havia transporte público após o fim dos shows, nem no início do último, considerando o tardio horário que a apresentação começou. As ruas adjacentes já estavam desertas na metade do terceiro show, de Beto Guedes, por volta da meia-noite. Imagine o pai de família ter que desembolsar quase 10% de um salário mínimo para poder chegar em casa de táxi ou qualquer outro meio de transporte particular? Ou de onde um estudante vai tirar dinheiro para pagar táxi para assistir um show do clássico álbum que estudou nas aulas de arte e história?
Democratizar o acesso à cultura não é publicar “artezinha” nas redes sociais com divulgação de shows e eventos. É preciso dar condições para que o povo consiga participar de todas as ações culturais que lhe é de direito, afinal, o imposto pago em Ouro Preto pelos moradores dos bairros periféricos não é diferente de nenhum outro, ou seja, todos têm o direito de acessar quaisquer atividades promovidas pelo setor público, sejam elas inclinadas para a saúde, educação, lazer e nossa tão divulgada CULTURA!
Como cantou nosso tão querido Beto Guedes: “Quero não ferir meu semelhante, nem por isso quero me ferir, vamos precisar de todo mundo pra banir do mundo a opressão“. É tão triste perceber que, na cidade tida como berço da liberdade, as pessoas que vivem em lugares mais afastados sejam tratadas de maneira indiferente, como a que presenciei na memorável noite.
Se observarmos nos rostos dos ouro-pretanos, não a maioria que se fez presente no Centro de Convenções, mas daqueles que pegam seu “Turin e Transcota lotado” bem cedo para iniciar mais um dia de trabalho, perceberemos as marcas de uma vida difícil, que poderia e deveria ser preenchida com um pouco de arte, já que participar de momentos culturais, como dizem os psicólogos, é também adquirir mais saúde mental, uma área muito importante, sobretudo, depois de uma pandemia.
Seria a comemoração dos 50 anos do recém eleito melhor álbum do Brasil uma segregação articulada pelas autoridades e empresas ou os organizadores são insensíveis mesmo e não conhecem às demandas populares?
Quem mora em bairros mais afastados, como Piedade e Saramenha, por exemplo, e é fã da música mineira tão prestigiada, ou tinha curiosidade em conhecer a história viva da cultura brasileira, em casa permaneceu, assistindo a dois grandes shows que aconteceram em sua própria cidade via pequenas publicações realizadas nas redes sociais. O mesmo ocorreu com a população dos distritos.