Entre as vozes da música brasileira, há as que brilham como estrelas e as que ardem como brasa. A voz de Nana Caymmi é essa brasa: grave, densa, queima lenta no tempo. Desde os anos 1960, quando iniciou sua carreira musical, ela entoava não apenas canções, mas uma ideia de permanência. Em meio aos modismos passageiros da indústria fonográfica, Nana sempre soou como se já soubesse que a pressa não combina com a beleza.
Herdou de Dorival Caymmi o mar na garganta, mas nunca foi sombra do pai. Se ele cantava Iemanjá e a rede do pescador, ela mergulhou nas marés da alma. Com “Resposta ao Tempo”, talvez tenha composto — sem ter escrito — um tratado existencialista: “Batidas na porta da frente / é o tempo / eu bebo um pouquinho pra ter argumento”. É quase um Sartre cantado à brasileira, onde o tempo não é só cronológico, é matéria sonora da existência.
A trajetória de Nana é um contraponto à lógica da celebridade: não há escândalos, não há gritos. Há voz. E o silêncio ao redor dessa voz. Um silêncio de respeito e de assombro. Nana cantava como quem rezava, mas também como quem desafiava. Não há concessão: mesmo quando entoava um bolero ou um samba-canção, era sempre Nana quem impunha o tempo, a cadência, o gesto. Se cantava Noel Rosa, é como se reescrevesse Noel. Se cantava Tom, é como se o mar de Caymmi invadisse o apartamento de Ipanema.
Filha do mar, mas também do drama, virou trilha sonora das novelas e o Brasil chorava sem saber se pela história da tela ou pelo timbre que soprava um sentimento impossível de nomear. E é isso que é arte: dar voz ao indizível.
Nana partiu aos 84 anos com a tranquilidade de que sua obra cantará eternamente por ela e por nós. Entre tantas cantoras, independente de qualquer pensamento político, ela foi intérprete no sentido mais radical: fez da música uma travessia e, da travessia, uma permanência.