Na 12ª Reunião da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o contrato de concessão firmado entre Prefeitura de Ouro Preto e Saneouro, o ex-diretor de gestão do SEMAE, Rafael Brito de Figueiredo, prestou o seu depoimento na condição de testemunha.
Rafael Brito trabalhou de 2009 a 2012 na gestão de Angelo Oswaldo (PV). Foram dois anos como administrador e outros dois como diretor de gestão. Depois ele atuou como coordenador administrativo financeiro do SAAE de Mariana por um ano e meio e como diretor adjunto pelo mesmo período. Depois ele voltou a Ouro Preto como diretor de gestão no SEMAE.
No SEMAE, Rafael Brito trabalhou como administrador e depois como superintendente durante a transição do serviço de água para a concessão. Depois ele foi coordenador administrativo financeiro na Saneouro.
No início de seu relato, Rafael Brito defendeu a importância de ter uma agência reguladora municipal. Inicialmente ele achava que teria que ser uma empresa de fora da cidade para agenciar o processo de privatização da água, mas depois de fazer algumas visitas a alguns outros lugares, percebeu que Ouro Preto tem situações muito peculiares e, talvez, pessoas de outro lugar não teriam esse conhecimento.
O relator da CPI, vereador Renato Zoroastro (MDB), questionou a falta da agência reguladora durante a elaboração do edital, já que ela surgiu apenas durante a execução do contrato, pois, sem agência, não teria alguém para definir a quantidade de tarifa social e verificar se as recomendações do tribunal de contas foram realizadas ou não.
Rafael disse que a agência demorou a ser criada, mas salientou que a questão precisa ser discutida com prefeito da época, Júlio Pimenta. Porém, o depoente acredita que a empresa regulatória teria que começar após a assinatura do contrato, porque antes existia a comissão de licitação para cuidar da concessão.
A homologação do contrato foi no dia 4 de julho de 2019, a assinatura foi em outubro de 2019 e a lei de criação da agência é de 17 de julho de 2019. Renato Zoroastro discordou de Rafael falando que não precisaria da agência durante a execução do acordo, já que ela iria funcionar apenas depois da assinatura do vínculo entre empresa e Prefeitura de Ouro Preto.
Novamente, Rafael Brito rebateu afirmando que o regulamento de serviço, que foi aprovado pela Câmara de Vereadores à época e anexado ao edital, já contemplava as realidades locas, apesar de não haver nenhuma agência naquele momento.
Estrutura tarifária
Rafael Brito afirmou não ter participado da elaboração do edital que definiu estrutura tarifária entre outras normas do contrato de concessão. Porém, ele lembra que, para a construção da tarifa de água, buscava-se uma base de cobrança para poder fazer a licitação e ter como base uma tarifa. “Eu me lembro de terem falado de pegar a tarifa da Copasa, mas eu não lembro de quem foi essa ideia”, disse.
Uma incompatibilidade de relatos foi colocada pelo relator da CPI. Em sua oitiva, o ex-superintendente do SEMAE e ex-diretor da ARSEOP, Júlio Corrêa, afirmou que Rafael participou do edital. O depoente disse que não escreveu o edital, mas o executou como membro da comissão de licitação, julgando a parte técnica na escolha da empresa.
Então, Renato Zoroastro leu uma ata de uma reunião extraordinária do Conselho Municipal de Saneamento (COMUSA) de outubro de 2018, que afirma que a tarifa de água que viria a ser cobrada em Ouro Preto deveria ser mais barata que a executada pela Copasa.
“Informou que o plano municipal de saneamento será o norteador para desenvolver ações e comunicou que a tarifa máxima ficou definida tendo-se como base 80% do valor da cobrança praticada pela Copasa”, diz o documento, o que não aconteceu, de acordo com o relator.
Após isso, Renato Zoroastro defendeu novamente a necessidade de uma agência reguladora no processo do edital. Segundo ele, a recomendação do tribunal de contas de fazer um estudo da modalidade tarifária antes da assinatura do contrato por parte da Saneouro para que diminuísse também não foi considerada.
A favor da concessão
Rafael Brito conta que sempre foi a favor da concessão da água e esgoto em Ouro Preto, o que causou estranheza dos vereadores presentes na reunião já que o depoente foi funcionário da Saneouro durante o seu primeiro ano de exercício na cidade.
O depoente explicou que fez parte da transição, ficando na Saneouro até um ano de forma natural, mas que se desvinculou após isso, pois permanecer mais de 365 dias seria falta de ética de sua parte.
Mas Rafael Brito explicou o motivo de ser a favor da concessão. Ele relatou algumas das diversas dificuldades que o SEMAE passava durante o seu tempo como superintendente.
“Nós fizemos uma licitação de material elétrico em 2012 e saímos ao final de 2012. Quando a gente chegou em 2017, essa licitação era a única feita em quatro anos. A gente chegou no departamento elétrico da autarquia, eles desmontaram bombas já estragadas para arrumar as bombas que estragavam. Então, nós chegamos em um ponto de sucateamento da máquina tão grande que a única coisa que nós tínhamos eram bons servidores. Nós não tínhamos estrutura, material, ferramenta, nada, estava extremamente sucateado”, contou Rafael.
O depoente, natural de Juiz de Fora, elogiou a iniciativa de Angelo Oswaldo em 2005 de criar o SEMAE, mas ressaltou que tem 12 anos que mora em Ouro Preto e nunca havia visto uma cidade que não tivesse cobrança de água e hidrômetro. Ele contou, inclusive, que o fato do Município não cobrar água impactou nas negativamente nas negociações de empréstimos com os bancos.
“Naquela época não se cobrava (água), os bancos começaram a não emprestar dinheiro para o SEMAE. Cansei de ir em Belo Horizonte, no BNDES, na Caixa e eles falavam assim pra gente: ‘Ouro Preto é uma cidade rica, porque se não cobra água da população, não precisa de empréstimo’. Foi aí que o Angelo criou a tarifa básica operacional, para a gente conseguir recursos externos e fazer com que melhorasse a estrutura do SEMAE. Assim foi feito”, relatou o depoente.
Porém, Rafael saiu do SEMAE em 2012 e retornou em 2017, no governo de Júlio Pimenta, com o a autarquia completamente sucateada.
“O funcionário (do SEMAE) ia para a rua sem veículo, porque tinham poucos (carros) para muitos funcionários. Ele ia sem material, tinha que comprar do bolso dele para arrumar algumas coisas, nunca vi uma coisa dessa, e não tinha local para eles. Não tinha dinheiro e esses funcionários, muitas vezes, eram mal vistos ainda pela população. Ela mal sabia que aqueles funcionários eram heróis de conseguir manter a água chegando na casa das pessoas em condições tão precárias. Diante de todo esse cenário, eu era a favor da concessão, porque o SEMAE não era só uma questão de dinheiro, era de gestão, chegou a ponto de quase não ter bomba na cidade. Então, a gente teve que comprar 10 ou 15 bombas. Como que eu compro 15 bombas em um processo de dispensa de licitação? Eu vou ser chamado pela Justiça o resto da minha vida. Então, precisava de uma coisa dinâmica e rápida para colocar o saneamento para frente”, continuou.
Compra de bombas
Conforme a CPI já levantou, o SEMAE realizou a compra de algumas bombas no final de 2019, mesmo com a eminência de que haveria a concessão. Apesar de não conseguir precisar a quantidade e data de da compra, Rafael relatou que há a possibilidade de a aquisição ter sido feita depois da Saneouro ter assinado o contrato com a Prefeitura de Ouro Preto.
“Teria que olhar, porque a gente veio comprando bomba ao longo do tempo e tinha lugares que não tinha reserva. Então, pode ser que a empresa, já com contrato assinado em outubro, eu tenha comprado bomba em novembro, porque eu tinha que garantir a continuidade do serviço, por mais estranho que pareça olhando de longe, mas o serviço até 31 de dezembro de 2019 era de responsabilidade do SEMAE. Então, nós fizemos algumas compras nesse período”, disse Rafael Brito.
Viagens
Durante a oitiva, o vereador Júlio Gori (PSC) questionou ao depoente o motivo de tantas viagens que foram feitas por ele durante a sua prestação de serviço à Ouro Preto. Rafael Brito contou que viajou para Ribeirão Preto, interior de São Paulo, para entender como funcionava a concessão de água e esgoto lá. Posteriormente, ele fez o mesmo em Pará de Minas e Petrópolis (RJ), onde o serviço sanitário é feito pela “Águas do Brasil”, e também foi a Americana, também no interior paulista, para saber sobre a agência reguladora local. Rafael disse à CPI que muitas empresas também foram visitar o município ouro-pretano a fim de saber sobre o processo de concessão do saneamento local.
“Naquele tempo a gente tinha pouco conhecimento com relação a outras empresas, não só sobre a concessão, no nosso mundo aqui. É tanto problema, um atrás do outro na nossa cidade, a gente não saía. Então, quando o prefeito nos comunicou que queria fazer uma concessão, nós começamos a estudar sobre o caso”, disse.
Outra incompatibilidade com o relato de Júlio Corrêa aconteceu quando Júlio Gori perguntou ao depoente quem pagou por essas viagens. Rafael Brito disse que foi a Prefeitura de Ouro Preto, contrariando Júlio Corrêa, que disse que cada viagem foi paga do próprio bolso em oitiva anterior.
Com isso, Julio Gori acredita que há suspeita de ambos terem ido a tais lugares para fazer alguma manobra de Júlio Pimenta. Portanto, o vereador pediu que fosse solicitado ao RH da Prefeitura as requisições de reembolso para ver o que aconteceu com Júlio Correa e Rafael Brito, presumindo que tais viagens teve um custo caro.
Envolvimento com a Saneouro e Júlio Pimenta
Rafael Brito informou que saiu do SEMAE no dia 31 de dezembro de 2019 e entrou na Saneouro no dia 2 de janeiro de 2020. O mesmo disse que saiu da empresa próximo do mês de julho deste ano, mas a esposa ainda trabalha na companhia como analista de laboratório.
Após ser perguntado por Júlio Gori, Rafael também revelou ter trabalhado na campanha política de Júlio Pimenta nas últimas eleições.
Recomendações não acatadas
Renato Zoroastro retornou com a palavra na parte final da oitiva e leu algumas atas de reuniões do COMUSA e ofícios de recomendações do tribunal de contas, que não foram seguidos pelo poder público durante o processo de concessão do saneamento em Ouro Preto.
Na quarta reunião de 9 de maio de 2018 do COMUSA consta na ata: “Em relação aos requisitos necessários para que seja concedida a tarifa social à população, previsto na minuta, o conselheiro Jorge Adílio sugeriu que os critérios sejam definidos em conformidade com o cadastro único social do Governo Federal e que seja feita uma consulta à secretaria municipal de desenvolvimento social para que sejam atendidos os aspectos legais das necessidades da população carente do município.”
Na quinta reunião, ocorrida no dia 13 de junho de 2018, fala sobre uma consulta pública que seria feita e o conselheiro Luciano fala que ela foi suspensa. A consulta pública é referente a concessão dos serviços de obras de expansão e operação do sistema de água e esgoto de Ouro Preto. Porém, Rafael não soube informar o motivo da suspensão da consulta e nem se ela ocorreu posteriormente.
O Documento do Tribunal de Contas, de 11 de abril de 2019, após a republicação do edital (7 de março) diz: “Determino ao chefe do poder Executivo que reformule o edital de forma que os critérios de cálculo da tarifa social toma como base fatores que contemplem a realidade sócio econômica das famílias a serem beneficiadas“. Fato que não aconteceu, segundo Zoroastro. “O senhor Ananias esteve aqui e a primeira coisa que ele comentou foi justamente a quantidade de pessoas que se encaixam na tarifa social”, disse o vereador.
No mesmo documento ainda consta que: “A justificativa apresentada pelo Município foi acatada com ressalvas. Recomenda-se que a Agência Reguladora do Município realize estudos para adequar a tabela tarifária a capacidade de pagamento dos munícipes”.
A próxima oitiva será do ex-controlador geral do município. Rogério Morais, na próxima quinta-feira, 9 de setembro, às 14h30.