Lançada na última segunda-feira (9), a campanha #OndeDói reúne mulheres brasileiras do mundo todo em busca de denunciar e eliminar a violência de gênero, a homofobia, o racismo e qualquer outro tipo de preconceito. O objetivo da campanha gira em torno de quebrar tabus e conscientizar a sociedade em torno da violência contra a mulher em consultórios médicos.
A campanha teve início com um vídeo que denunciava o assédio sofrido pela protagonista dele e convidava outras mulheres vítimas do assédio como paciente a denunciarem também. Nina Marqueti, a mulher apresentada no vídeo, tinha 16 anos quando foi abusada sexualmente pelo pediatra de confiança da família. O médico, especialista em gastroenterologia (especialista no aparelho digestivo) abusou sexualmente de Nina durante a consulta.
A profissão de médico é vista muitas vezes como uma profissão prestigiada e desde pequena ela aprendeu que médicos eram autoridades e que não precisavam ser questionados. Afinal, eles sabiam o que estavam fazendo ali, na sua profissão, dentro do seu consultório e naquela situação, muitas vezes o silêncio é a única opção.
Em entrevista a Folha de São Paulo, Nina explica a situação ocorrida naquele dia e conta que enquanto o médico tocava suas partes íntimas, perguntava incessantemente “Onde dói”? E foi a partir da frase dita milhares de vezes pelo pediatra durante o abuso que surgiu a campanha em questão.
A história
A história de Nina foi exposta publicamente em sua peça “A Flor da Matriarca”, em Nova York. A peça, escrita dez anos após o assédio, traz uma história testemunho para o público. Os dez anos passados em silêncio refletem a dificuldade da vítima em reconhecer se aquilo era um abuso ou apenas algo criado pela sua cabeça. A resposta disso: ansiedade, depressão e dificuldade em se relacionar sexualmente. E é isso que Nina vive após os 16 anos.
A peça foi ouvida pela representante internacional da Record, que com permissão de Nina, passou o nome do médico para jornalistas investigativos da emissora. Allessio Fiore Sandri é o nome do médico investigado. Ele é pediatra de Umuarama, no noroeste do Paraná. Um mês após a apresentação da peça e de toda repercussão, quatro denúncias foram registradas contra o médico, além de outras três que já haviam sido registradas antes.
Vítimas do médico já denunciadas
A primeira denúncia contra o médico pediatra aconteceu em 1995 dentro de um hospital. De acordo com a vítima ela estava meio desacordada quando o pediatra iniciou o abuso. Ela afirma não ter entendido porque os exames estavam acontecendo de forma tão abusiva. O homem tocava no seu corpo e em suas partes íntimas. Apesar do boletim não ter sido feito logo após o acontecimento, depois da vítima ver todos os outros boletins no nome de Allessio, ela decidiu registrar o seu também.
Em 2017 uma adolescente de 13 anos foi estuprada dentro do consultório do médico em questão. Eles estavam sozinhos dentro da sala quando, como conta a vítima, ele segurou em sua cintura e deu um selinho em sua boca, sem consentimento. A família da jovem registrou um boletim de ocorrência e Allessio responde por estupro de vulnerável e crime contra a dignidade sexual.
Em 2018 uma estagiária recepcionista do escritório clínico foi vítima de abuso. Ela se queixava de dor de garganta, quando o médico pediu para que ela retirasse a blusa para ser consultada. Além disso, segundo o relato, o homem passou a mão por todo o corpo da mulher sem consentimento. Ela conta ainda que Allessio começou a falar do corpo de sua própria filha, elogiando a mesma e mostrando a ela uma foto da filha completamente nua. Depois do abuso a estagiária registrou o crime na Delegacia da Mulher de Umuarama em 10 de outubro de 2018.
A campanha
Organizada por uma colisão de coletivos feministas, Mulheres da Resistência no Exterior, Resist Brasil – Mulheres no Exterior Unidas pela Democracia, Elas Por Elas – Florida, Coletivo Entre Elas, Mães Pela Diversidade, Vítimas Unidas e diversas outras.
A hashtag #OndeDói alcançou, em menos de uma semana, os assuntos mais falados do twitter, entrando para os trending topics. A campanha proporcionou as mulheres internautas a exposição de seus relatos já sofridos dentro de consultórios médicos, além de dar força e apoio a aquelas que sentem dificuldade em falar sobre o assunto.
A 1ª vez que fui sozinha ao gine o médico me disse q precisava usar a mão pra "ter certeza q tava tudo bem", então ele introduziu os dedos e passou a mão no meu corpo , ele dizia q só estava me mostrando onde eu ia sentir prazer, fiquei sem reação e nunca contei o ngm #ondedoi
— debˢᵖᶠᶜ ?? (@dadsdeborah) December 9, 2019
a 1 vez que fui no ginecologista foi com um médico homem eu tinha 16 anos e ele ficou fazendo piada sobre a minha orientação sexual perguntando quem era o homem ou mulher e que eu era mt bonita pra ser lésbica depois fez exame de toque me senti 1 lixo fiquei anos sem ir #ondedoi
— myllena dalla (@stwrtdalla) December 9, 2019
Minha irmã foi ao médico se queixando de uma dor forte no ombro. Ele levantou pra examinar ela e começou a fazer massagem. Disse que não tinha nada, que era stress e que era pra ela "transar bastante" que melhorava. Ela foi embora e procurou outro médico, era um tumor. #ondedoi
— Clareta ♀️? (@Claravaz) December 10, 2019
A campanha ultrapassou a hashtag, se estendendo a uma plataforma online. Só os relatos não eram suficientes para demonstrar a quantidade de assédio dentro dos consultórios. Além disso, ela traz outras ferramentas que auxiliam e buscam denunciar mulheres vítimas de abuso cometida por profissionais da área médica, acolhendo e orientando as vítimas.
O site #OndeDói
A plataforma apresenta seis abas principais, início, preencha o formulário, encontre ajuda, outros casos, cartilha e quem somos. Ao abrir o site, já na aba “início” você encontra o vídeo de apresentação do movimento e perguntas frequentes já respondidas. Perguntas essas que buscam auxiliar a mulher vítima do abuso.
Por que relatar a minha experiência? As mulheres envolvidas no projeto te convidam a participar do movimento de uma forma que isso se torne ainda maior, atingindo ainda mais vítimas. Os dados coletados no formulário (que é disponível em um link logo abaixo das perguntas) buscam construir como esse tipo de violência, tão comum, ocorre, afim de combatê-la.
Preciso de ajuda, o que fazer? “Se você foi vítima de violência sexual enquanto paciente, saiba que você não está sozinha”. A plataforma busca, de maneira próxima, dar apoio a quem precisa a partir de dois links: o “preencha o formulário” colaborando com o crescimento da campanha, fazendo com que através do seu relato os casos de violência sexual realizadas por agentes da área da saúde sejam melhor entendidas podendo assim, agir para a prevenção de forma mais eficiente de outros casos como este. Além da opção de clicar no “preciso de ajuda”, link em que você é direcionado a se conectar com organizações que oferecem ajuda emocional, orientação jurídica ou ajuda urgente.
Por fim, a aba “nossa cartilha”, ainda em construção, busca dados através dos relatos para a criação da cartilha ilustrada para orientar a população sobre os seus direitos e prevenir que novos pacientes sofram esse tipo de violência.
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Outros casos de assédio sexual em consultórios médicos
Em dezembro de 2018 um médico nutrólogo de 68 anos foi condenado a 62 anos de prisão por estupro, tentativa de estupro de vulnerável e contravenções sexuais, em Santa Catarina. Ele foi acusado de violência sexual por mais de 30 mulheres.
Em fevereiro de 2019 um médico de 39 anos foi preso suspeito de abusar sexualmente de pacientes sedadas, em Itajaí, Santa Catarina. O homem atendia como clínico geral na rede pública de saúde da cidade. Mas, os casos de abuso envolvem pelo menos dez mulheres e podem ter ocorrido em várias cidades do litoral de Santa Catarina, por onde o médico passou.
Em junho de 2019 um médico de 37 anos foi acusado de exploração sexual de crianças e adolescentes em Belo Horizonte. O homem é clínico geral e trabalhava com ultrassonografia, e é suspeito de abusar sexualmente de mais de cem pacientes. A prisão em questão ocorreu pelo fato dele guardar e compartilhar arquivos de pornografia infanto-juvenil na internet.
Em setembro de 2019 um médico de 54 anos foi preso em flagrante suspeito de cometer abuso sexual, dentro do hospital onde trabalha em Belo Horizonte. De acordo com a Polícia Civil, ele se apresentava falsamente como proctologista, e aproveitada para tocar nas partes íntimas dos pacientes.
Em setembro de 2019 um dermatologista estava sendo investigado pela Polícia Civil após sete mulheres terem registrado boletim de ocorrência contra ele alegando que foram vítimas de abusos sexuais durante as consultas em Jundiaí, São Paulo.