Prefeitura de Mariana derruba casa em área invadida e acende discussão sobre problemas habitacionais

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Assim como sua cidade coirmã, Ouro Preto, Mariana também sofre com problemas de habitação. Um caso recente no bairro Novo Horizonte evidenciou ainda mais a dificuldade que a Primaz de Minas tem em solucionar os problemáticos casos de invasão no município. Davyson Brenner Mendes foi até às redes sociais manifestar sua indignação ao se deparar com sua casa destruída pela prefeitura marianense. Tratava-se de um imóvel em uma área invadida, mas que foi regularizada por meio do Regularização Fundiária Urbana (REURB), segundo o morador. De acordo com ele, a administração municipal derrubou sua residência de forma arbitrária e sem aviso.

Em contato com o Mais Minas, Davyson contou que comprou um lote no bairro Novo Horizonte, a partir do REURB feito em 2020, na gestão de Duarte Jr., e que começou a construir sua casa, em maio do ano passado.

Prefeitura de Mariana derruba casa em área invadida e acende discussão sobre problemas habitacionais da cidade
Foto: Facebook/Davyson

“Aqui em Mariana, muitos não têm condição de comprar um lote regular. Na hora que compramos, a gente pensou que a única pessoa que poderia tomar o lote da gente era a prefeitura, mas enquanto havia o cadastro no REURB, estávamos bem tranquilos. Nos informaram que poderíamos construir ali. Mas quando cercamos o lote, a prefeitura arrancou a cerca. Fomos atrás do Tenente Freitas (secretário de defesa social), o que gerou um transtorno. Ele falou que o REURB não vale nada, que era algo em época de eleição, que Du fez sacanagem com os outros”, contou Davyson.

Mesmo com os transtornos, a casa foi construída. Durante as obras, porém, a Guarda Municipal notificou Davyson sobre a impossibilidade de construir naquele local, por se tratar de uma área do município, de acordo com o morador. Ele relatou que descobriu o processo contra a sua construção, feito pela Prefeitura de Mariana, mas que não recebeu notificação oficial da Justiça em nenhum momento.

Segundo Davyson, a Prefeitura de Mariana utilizou como argumento na Justiça o fato da construção se encontrar em área verde, algo que, segundo o morador, se trada de uma inverdade.

“A área verde está há mais de 40 metros da gente, mas nos colocaram dentro dessa área. Quando se invade uma área verde, não precisa de nada, é só ir lá e derrubar. Fui na prefeitura de novo, fiz a topografia e entreguei para o secretário de Obras, mostrando que eu não estava em área verde. Conversei com o prefeito sobre isso, ele me mandou procurar um advogado, nos tratou igual bicho”, relatou Davyson.

A Prefeitura de Mariana, então, enviou representantes até a casa de Davyson, 15 dias antes de demolir a residência, com a presença policial, dando um prazo de três dias para o morador se defender judicialmente com um advogado, de acordo com o morador. Segundo ele, o Município entrou com uma documentação na terça-feira, 8 de março, e na quinta (10) a casa foi derrubada com todos os móveis dentro.

“Não teve notificação, nem oficial de Justiça. Não houve misericórdia nenhuma, nos trataram como se fôssemos cachorros. Não teve prazo nenhum para sair”, contou o morador.

Veja as imagens mostrando como ficou a casa publicadas por Davyson nas redes sociais:

Vídeo: Facebook/Davyson
Vídeo: Faceook/Davyson

Davyson disse que está morando de favor na casa de sua cunhada, junto com sua esposa e os dois filhos, um de cinco anos e outro de um ano de idade. Ainda de acordo com o morador, ele estava trabalhando no momento da demolição, que aconteceu por volta de 10h40, e não teve nenhum apoio por parte da Prefeitura de Mariana.

O morador seguiu o seu relato dizendo que é de praxe receber a notificação da prefeitura e ficar por isso mesmo, quando se está construindo casa em área invadida. Porém, ele contou que só comprou o lote por causa do REURB. De acordo com Davyson, onde ficava sua casa só é uma área pública, porque o Município ganhou o local para um loteamento que não existe mais.

Portanto, Davyson alega que a Prefeitura de Mariana informou à Justiça que sua casa se localizava em uma área verde e que, por isso, não haveria direito a negociação ou a defesa, agilizando o processo para poder demolir a casa de forma mais rápida.

Nós não estamos em uma área verde, o processo que fizeram para derrubar nossa casa é ilegítimo. Nisso, eu pedi para fazer a topografia da minha área para provar que não estou na área verde. Fui no prefeito com todo essa documentação e ele ignorou. Eles alegam que eu estou numa área pública e pronto, não tem conversa com o pessoal da prefeitura, não chegam a dialogar, não querem me ouvir, eles acham que têm razão e acabou”, disse.

O morador enviou uma imagem, reforçando o seu argumento de que sua casa não se encontrava em área verde. Veja:

Prefeitura de Mariana derruba casa em área invadida e acende discussão sobre problemas habitacionais da cidade
Foto: WhatsApp/Davyson

Davyson também contou que procurou um advogado para se defender, mas que o mesmo o orientou esperar para que chegasse a intimação, o que não aconteceu. Então, segundo ele, sua casa foi destruída junto de móveis e eletrodomésticos que estavam dentro da residência.

O Mais Minas teve acesso à decisão judicial da juíza Marcela Oliveira Decat de Moura, da Comarca de Mariana, deferindo o pedido liminar para determinar a reintegração do Município na posse do imóvel situado na rua Jade, bairro Novo Horizonte, no dia 26 de janeiro deste ano. Veja a decisão:

A outra versão da história

O MM entrou em contato com o secretário de Defesa Social de Mariana, Tenente Freitas para pedir explicações sobre o caso. Logo de início, ele explicou que não existe REURB em área pública ou em área verde. De acordo com o chefe da pasta, Davyson começou a construir sua casa no bairro Novo Horizonte já sabendo que não tinha permissão e que foi notificado várias vezes por isso.

“Foi notificado e falado isso diversas vezes, ele veio aqui um monte de vezes, procurou vereador. Ele fala que ele tem o papel do REURB, só que esse papel não é um documento que dá para ele reivindicar, ele pode ter pego em qualquer lugar. Muitas das vezes, reclamam que o bairro não tem quadra, academia, policlínica, mas como que vai fazer se invadiram tudo? Se a área não é da Vale, não é da Mina, é do Município, é preciso cuidar dela. Áreas do Município e área verde eu não deixo (invadir)”, declarou Tenente Freitas.

Em seu relato, Tenente Freitas alegou que não havia ninguém morando na casa que foi demolida e que se tratava de uma invasão irregular, uma prática comum no bairro.

“Um outro invasor já tinha quatro barracos lá, ninguém conta essas coisas. Ele (Davyson) é um invasor, já é um infrator da lei, já está errado. Ele não comprou de alguém, se ele tiver comprado, ele tem que ir atrás dessa pessoa que ele comprou e buscar receber os bens dele de volta. Tem que levar quem vendeu na Polícia Civil. Se você não tem culpa no cartório, tem que colocar quem tem”, disse.

De acordo com Tenente Freitas, a assistente social da Prefeitura de Mariana foi até a casa de Davyson várias vezes para realizar o cadastro da família e verificar o que poderia fazer em relação a eles. Mas, com convicção, o secretário municipal de Defesa Social informou à reportagem que Davyson não morava na residência construída em área invadida no bairro Novo Horizonte.

“Ele não morava lá, tenho milhões de provas de que não morava, não tinha nada lá dentro. Foi avisado. Ele vem aqui, chora, fala da família e depois ele mente de forma descarada. Nós demos um prazo para ele retirar as coisas, como telha e janela, até quarta-feira (2). Não retirou”, relatou.

Na realidade, Tenente Freitas esclareceu que foi dado um prazo até sexta-feira (6), mas ele não retirou nada da casa. Depois de três dias do prazo, os representantes da pasta foram lá de novo e Davyson não queria sair, segundo o secretário municipal de Defesa Social. Portanto, ele teria tido um prazo de cinco dias para retirar suas coisas de lá.

“Ele já sabia que era área do Município, se ele imaginou que daria imbróglio judicial, estava agindo de má fé. Só que ele acabou ‘dançando’, porque nós fizemos o processo rápido. Eu não usei lá como área verde para poder julgar, o processo de área verde e área do Município é o mesmo, não tem um que é mais rápido que o outro não”, disse.

Tenente Freitas disse ao MM que enviaria para a reportagem diversos documentos mostrando as vezes que Davyson foi notificado e que a casa se situava, sim, em uma área verde, mas até o momento desta publicação, nenhum arquivo foi enviado.

O que é o REURB?

A Regularização Fundiária Urbana (REURB) é o procedimento que garante o direito à moradia daqueles que residem em assentamentos informais localizados nas áreas urbanas.

Na Lei 13.465/2017, ela é definida como a atividade a ser desempenhada pelo poder público, com o auxílio de demais interessados do setor privado, para identificar imóveis em que haja alguma forma de ocupação.

Com a identificação desses imóveis, os proprietários formais dos bens são notificados sobre a admissibilidade de REURB sobre eles, para ter ciência do registro desse fato na matrícula imobiliária e posterior execução da regularização, a critério do Município.

Isso significa que a administração municipal poderá procurar e identificar todos os núcleos urbanos informais presentes em seu território, intimar os proprietários formais e regularizar, com anuência deles, sem necessidade de ação judicial, a situação irregular.

Área Verde

As áreas verdes urbanas são consideradas como um conjunto de áreas intraurbanas que apresentam cobertura vegetal, arbórea (nativa e introduzida), arbustiva ou rasteira (gramíneas) e que contribuem significativamente para a qualidade de vida e o equilíbrio ambiental nas cidades.

Essas áreas verdes estão presentes numa enorme variedade de situações, como:

  • Em áreas públicas;
  • Em áreas de preservação permanente (APP);
  • Nos canteiros centrais;
  • Nas praças;
  • Parques;
  • Florestas;
  • Unidades de conservação (UC) urbanas;
  • Nos jardins institucionais;
  • Nos terrenos públicos não edificados.

Exemplos de áreas verdes urbanas:

  • Praças;
  • Parques urbanos;
  • Parques fluviais;
  • Parque balneário e esportivo;
  • Jardim botânico;
  • Jardim zoológico;
  • Alguns tipos de cemitérios;
  • Faixas de ligação entre áreas verdes.

Nenhum particular, mesmo que seja uma área com invasão iminente, pode murar, cercar, construir, etc.

Problemas com invasão

Os problemas com invasões em Mariana é algo crônico na cidade. De acordo com a Secretaria de Defesa Social, os lugares onde tiveram uma maior quantidade de invasão foram nos bairros Alto do Rosário, no Cabanas, São Gonçalo e Prainha. Segundo Tenente Freitas, foram mais de 15 mil casas construídas em invasão. O número seria capaz de eliminar o déficit habitacional da cidade. O problema, para ele, é que a grande maioria dos invasores não são marianenses.

“Você vai nesses bairros de invasão e as pessoas não são de Mariana, são de São Paulo, Contagem e etc. Mariana recebe essa carga de pessoas, porque o lote invadido é vendido por R$ 40 mil, R$ 50 mil. Uma maravilha né, invadir e ganhar R$ 60 mil. Se vendo 10 lotes, dá R$ 600 mil. Trabalhando para ganhar esse dinheiro, quanto vai demorar?”, disse Tenente Freitas.

Outro grande problema das invasões é a necessidade de colocar água, esgoto e energia nas casas, o que muita das vezes é feito de forma irregular pelos próprios invasores. “É uma bagunça generalizada. A gente reage para tentar controlar, se não, deixa bagunçar, não tem muita solução”, finalizou o secretário municipal de Defesa Social.

Apesar do problema ser grande e recorrente, a administração municipal não tem feito tantas ações para solucionar a questão. Mariana tem um loteamento parado no bairro Morro Santana, de apartamento de aluguel social. São mais de 600 apartamentos projetados na área, porém as obras estão estagnadas.

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