Um estudo sobre a eficiência de um medicamento contra Covid-19 foi publicado na revista Lancet Global Health pelo grupo Together Trial, do qual fazem parte o professor Leonardo Savassi e a pós-graduanda Aline Milagres, do Mestrado Profissional em Saúde da Família, do Departamento de Medicina de Família, Saúde Mental e Coletiva da Escola de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
O medicamento é o fluvoxamina, que foi aplicado em pacientes sintomáticos com comorbidades que estiveram em serviços de saúde em 11 cidades mineiras. Dentre elas, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Dom Orione, do SUS Ouro Preto.
Dos pacientes que aceitaram participar do estudo, 741 receberam a fluvoxamina (duas doses de 100 mg por dia durante dez dias) e 756 receberam o placebo, num grupo com idade média de 50 anos e com 58% de mulheres. Nenhum dos pacientes sabia qual medicamento estava recebendo.
O estudo iniciou em 20 de janeiro e foi até 5 de agosto de 2021 e a proporção de pacientes que precisaram ser observados em cenários de emergência de Covid-19 por mais de seis horas ou transferidos para um hospital terciário foi menor para o grupo de fluvoxamina (79 de 741) em comparação com o placebo (119 de 756).
Na pesquisa, houve 17 mortes no grupo de fluvoxamina e 25 mortes no grupo de placebo na análise de intenção de tratar primária. Na análise de população por protocolo, houve uma morte no grupo da fluvoxamina e 12 no grupo do placebo.
O estudo chegou à conclusão de que o tratamento com fluvoxamina entre pacientes ambulatoriais de alto risco com diagnóstico precoce de Covid-19 reduziu a necessidade de hospitalização definida, como retenção em um ambiente de emergência Covid-19 ou transferência para um hospital terciário.
“Mais do que a comemoração de que, pela primeira vez, se demonstrou no mundo um medicamento que pode ter efeito precoce na evolução da doença, destaca-se que tal feito ocorreu em um país que corta investimentos em pesquisa, sendo realizado em Minas Gerais por instituições públicas de saúde e educação. Isto consolida a importância do investimento em pesquisa nas Universidades Federais e reforça a necessidade de financiar adequadamente serviços públicos de saúde e educação, bem como promover a retenção de servidores públicos pela valorização do seu trabalho e oferecendo condições para sua atuação”, destacou o professor Leonardo aos canais de comunicação da UFOP.
O fluvoxamina é um antidepressivo da classe dos inibidores seletivos de recaptação da serotonina. Ele já é usado para a depressão, mas estudos anteriores demonstraram que ele tinha algum efeito nos processos inflamatórios e, por conta disso, ele foi pensado para algumas doenças infecciosas e inflamatórias. Conforme Luciano revelou ao Mais Minas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) está avaliando o estudo e, em alguns lugares, já está se estabelecendo os protocolos para adotar o tratamento.
“O que estamos vendo é que outros estudos que também utilizaram o fluvoxamina também estão demonstrando que ele tem efeito e já é um medicamento existente, o que já é uma grande vantagem, porque não é uma patente de um medicamento novo que vai começar a ser produzido, ele já existe e está disponível nas farmácias, mas a grande questão é que falta os protocolos avaliarem essas pesquisas em conjunto”, disse Luciano ao MM.
Assim como todo tratamento, o fluvoxamina é um medicamento que reduz a internação e a mortalidade. Mas, segundo o professor, dificilmente haverá, em qualquer situação, um medicamento que zere a mortalidade ou as complicações da doença. Na realidade, tal eficiência não existe para nenhum processo inflamatório ou infeccioso. Mas o estudo apresentou uma redução importante na necessidade de internação e acompanhamento prolongado em unidades de urgência (UPAs).
“É um impacto modesto, mas é o primeiro medicamento comprovado como eficaz na redução e controle das complicações da Covid-19. Outros estudos que estão saindo agora também têm demonstrado isso. Então, quando esses estudos forem agrupados e formos fazer uma análise científica, muito provavelmente isso vai levar a adoção desse medicamento”, complementou Luciano para a nossa redação.
Tratamento ineficaz
Os estudos do grupo com tratamentos precoces iniciaram no dia 2 de junho de 2020, contando com 9.803 participantes e avaliaram medicamentos como hidroxicloroquina, ivermectina, metformina e doxasozina, que se mostraram ineficazes no tratamento contra a Covid-19.
“A fluvoxamina não tem semelhança com a hidroxicloroquina, ivermectina, metformina e doxasozina. Existiu uma série de estudos e algumas evidências que eram muito anedóticas, de série de casos ou apenas poucos relatos, de que poderiam ter efeitos todos esses medicamentos que estão aí. Então, o critério para ser incluso na nossa plataforma de pesquisa era partir de uma base científica que pudesse ter uma explicação racional para o efeito dos medicamentos e que pudesse ter algum grau de evidência ou de suspeita que eles poderiam ser eficazes”, explicou o professor.
Então, foi feita uma plataforma de pesquisa que o grupo de pesquisadores chamaram de “plataforma adaptativa”, que os dá a possibilidade de incluir novos medicamentos ao longo do processo e a realização dessa avaliação mediante à inclusão de múltiplos desfechos.
“Num primeiro momento, foram estudados a hidroxicloroquina e dois antivirais lopinavir e ritonavir. Inclusive, o estudo da hidroxicloroquina não foi autorizado em uma série de municípios, incluindo Ouro Preto, até por conta do momento de viés ideológico que tem interferido na pesquisa com pessoas leigas e pesquisador, falando contra ou a favor de medicamentos, o que levou a uma resistência muito grande de vários municípios ao uso da hidroxicloroquina, mas que também não se mostrou eficaz”, relatou.
Quando o grupo aprovou na Secretaria de Saúde, neste ano, a possibilidade de Ouro Preto receber o estudo, os outros remédios começaram a ser testados na unidade de pronto atendimento. Foi testada a ivermectina (vermífogo), metformina (remédio para diabetes) e a doxasozina (inibidor alfa 12 usada para problemas na próstata). Esses remédios foram utilizados, porque haviam evidências mostrando a possibilidade de serem eficazes no tratamento contra a Covid-19, mas todos eles têm mecanismos de ação muito diferentes entre si e não possuem semelhança com a fluvoxamina.
O efeito da fluvoxamina na Covid-19 não acontece pelo fato de ser um antidepressivo e sim porque ela tem, pelo menos, quatro efeitos diferentes nos processos inflamatórios que a Covid-19 causa.
Segundo, Luciano, neste momento, está sendo testado na UPA Dom Orione, assim como em outros dez municípios, o interferon, um outro medicamento que pode causar um novo efeito no tratamento para a Covid-19.
Por fim, ainda sobre a ivermectina, Luciano contou que o estudo será publicado no jornal britânico New England Journal of Medicine, demonstrando que o medicamento não fez efeito no tratamento para a Covid-19. No caso da metformina, foi notado que diabéticos que utilizavam o medicamento aparentemente tinham menos complicações de Covid-19 do que diabéticos que não usavam, mas logo na primeira análise feita descobriram que a metformina não demonstrou efeito e, portanto, o estudo foi finalizado. O mesmo vale para a doxasozina.
Falta de apoio governamental
Os estudos não contaram com nenhum incentivo governamental, muito pelo contrário. Luciano disse que a previsão para 2022 é de um corte de 90% nos investimentos destinados às pesquisas. Portanto, as análises partiram de um protocolo de pesquisa e relações que do grupo de pesquisadores têm com o Together Trail, ao qual o professor da UFOP faz parte, com a Universidade Mcmaster, do Canadá, junto com alguns americanos de universidades, como Havard, que atuaram como revisores independentes para as análises estatísticas.
Esse protocolo de pesquisa foi apresentado para entidades de financiamento internacionais e ele recebeu o financiamento, primeiramente, da Bio Merlin Gates Foundation e, posteriormente, de outras fundações de fomento, mas todas internacionais, sem nenhum apoio de governo federal ou estadual. Inclusive, o pagamento de bolsa dos alunos não aconteceu via de fomento nacional, mas através das mesmas entidades.
“Fizemos um contrato com uma empresa que paga as bolsas, através desses recursos, não recursos de pesquisa. Eu sou um pesquisador que não recebo nenhuma bolsa de pesquisa para a realização não”, revela.