

Um bom ponto de partida para pensar a música “Quem Sou Eu?”, escrita e interpretada por Estêvão Queiroga, é lembrar um velho dilema de Nietzsche: “Torna-te quem tu és.” A frase, paradoxal, nos coloca diante do abismo existencial que Queiroga escava em sua composição: afinal, quem somos quando ninguém nos vê?
Na estrutura de “Quem Sou Eu?”, o artista constrói um labirinto de identidade usando as sombras do quarto como metáfora para a liberdade mais temida: aquela que aparece quando cessam as máscaras, os personagens e as expectativas externas. Essa é a hora da verdade, ou, como sugere a música, da inquietação diante do que se descobre.
No primeiro bloco da canção, temos uma sequência de perguntas. A letra não propõe respostas, ela se fixa na dúvida como modo de expressão. “Quem sou eu quando a voz da censura é calada?” é uma pergunta que coloca a liberdade como desafio e não como solução. O sujeito se descobre diante de si mesmo e, ao invés de redenção, encontra confusão: “Onde está Deus? / Quando eu volto a mim mesmo, me assusto”.
Essa tensão entre o que se esconde e o que emerge aparece com força na segunda parte, onde se pode brincar de ser outro, mascarar-se para sobreviver socialmente. Mas quando o personagem sai de cena, sobra o “covarde que eu sou, além da embalagem”, imagem contundente que questiona o conforto das “personas” que criamos. É como se o cantor retirasse a fantasia e se visse não como herói, mas como alguém frágil, talvez fraco, mas real.

No clímax lírico, surge uma escolha: entre o vazio existencial ou “ser a morada do Eu sou”, referência clara ao nome divino na tradição bíblica (Êxodo 3:14). Aqui, Queiroga insinua que a identidade mais profunda talvez não esteja em nós mesmos, mas em acolher algo maior. Trata-se de uma entrega que, paradoxalmente, pode ser o único caminho possível para se encontrar.
“Quem Sou Eu?” não é uma música para se ouvir apressadamente e ela também não proporciona refrões fáceis, muito menos soluções prontas. É uma canção que propõe espelhos e, como tais, pode desconcertar. Afinal, quem de nós não hesita diante da própria imagem quando a luz se apaga?
Assista ao clipe:

João Paulo Silva, nascido em Barueri/SP e bacharel em Letras pela Universidade Estácio de Sá, pós-graduado em Revisão de Texto e em Linguística e Análise do Discurso. Contato: [email protected]