Resenha de ‘Ignorância: Uma História Global’, de Peter Burke

Resenha de ‘Ignorância: Uma História Global’, de Peter Burke

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O título intrigante “Ignorância: Uma História Global” despertou minha curiosidade ao passar por um estande na 26ª Festa do Livro da USP, em 2024, e após concluir a leitura posso dizer que Peter Burke, renomado historiador cultural, entrega um ensaio tão erudito quanto instigante. Publicado no Brasil pela editora Vestígio, editora do Grupo Autêntica, com tradução de Rodrigo Seabra, o livro conduz o leitor pelas águas pouco exploradas da ignorância — um tema que, paradoxalmente, está em toda parte, mas que não recebe a devida atenção.

Burke começa com uma provocação: a ignorância não é apenas a ausência de conhecimento. Ela é um fenômeno que varia de contextos históricos a estratégias políticas. Cada época teve suas próprias formas de ignorância, muitas vezes camufladas por discursos de progresso. Da superstição medieval às atuais fake news, Burke desmonta a ideia simplista de que o avanço do conhecimento é linear ou universal.

Com uma escrita fluida, Burke propõe a “agnotologia” (ciência que estuda a produção da ignorância de forma intencional) como um campo de estudo necessário. Ele argumenta que ignorância não é apenas o que não sabemos, mas também o que escolhemos não saber — seja por conveniência, negligência ou interesse político. Exemplos históricos ilustram essa ideia: a explosão de Chernobyl, causada por ignorância organizacional, ou a conquista colonial, marcada por uma ignorância deliberada dos direitos indígenas. Essa abordagem amplia nossa visão, mostrando que o desconhecimento tem muitas camadas e causas.

Um dos pontos altos do livro é a análise da ignorância estratégica. Governos e instituições, ao longo da história, fabricaram ignorância para manipular, esconder e controlar. Do encobrimento de Abu Ghraib às desinformações contemporâneas espalhadas pelas redes sociais, Burke traça paralelos entre passado e presente. Contudo, ele não adota um tom pessimista: reconhece os desafios, mas destaca o papel das agências de verificação de fatos como farois de verdade em meio à desordem.

Outro aspecto fascinante é a relação entre conhecimento e ignorância. Burke critica a visão de que o progresso tecnológico diminui a ignorância. Pelo contrário, ele sugere que as inovações frequentemente criam novas formas de desconhecimento, enquanto antigas habilidades e saberes são abandonados. Isso ressoa em uma provocação central do livro: a humanidade sabe mais do que jamais soube, mas, individualmente, sabemos menos do que nossos ancestrais.

Apesar do peso acadêmico do tema, a narrativa é acessível, enriquecida por reflexões filosóficas; é um chamado para refletirmos criticamente sobre o que significa saber — e o que deixamos de lado no processo. Um texto essencial para leitores curiosos, que desejam navegar nos mistérios entre o saber e o não saber.

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