A União Recreativa do Santa Cruz surgiu em meados de 2009 com uma brincadeira dos meninos da comunidade que ficavam batendo latinhas e outras coisas, fazendo um samba improvisado. Com a disseminação despretensiosa da nova diversão musical, os moradores do bairro enxergaram uma ideia para dar oportunidade e bons olhos para o lugar em que moravam.
Nesse período, o bairro Santa Cruz se urbanizava e seus moradores viam um terreno baldio se tornar verdadeiramente em um bairro. Com isso, Zinho e Claudinei, moradores da comunidade e que adoravam a brincadeira da música, apresentaram a ideia de ter uma escola de samba para Sidney, presidente da Associação de Moradores do Santa Cruz.
Daí a ideia fluiu e fundou-se a União Recreativa do Santa Cruz em no dia 10/5/2009. Foram três títulos conquistados ao longo dos 11 anos de existência da escola de samba, sendo eles em 2010 com o tema Chico Rei, em 2014 retratando a China Milenar, e em 2018 quando tiveram a temática sobre Marília de Dirceu.
O nome da escola de samba tem um sentido, pois a ideia é que a União Recreativa do Santa Cruz, assim como em sua fundação, trabalha e incentiva vários tipos de trabalho de integração na comunidade. As pessoas que trabalham todos os anos tomaram a iniciativa como um ideal de vida e integram a equipe de diretoria . Além disso, são 30 membros da bateria para fazer o enredo funcionar.
No dia do desfile sempre é esperado entre 150 a 250 pessoas, porém, no título de 2014, a União Recreativa do Santa Cruz desfilou com cerca de 650 pessoas pela Praça Tiradentes.
Função Social
Fernando Marques é um dos fundadores da escola e conta que a comunidade já passou por muitos problemas e que isso influenciou na possibilidade da União Recreativa do Santa Cruz desfilar.
“A escola de samba traz para comunidade união, espírito de garra, mostrar para as pessoas que aqui tem credibilidade. Aqui já foi uma comunidade muito criticada. Realmente já passamos por períodos turbulentos. Muito tráfico de drogas, violência e etc. Por isso, nós tivemos rejeição para entrar na Liga da Escolas de Samba na época. Então quando chega perto do carnaval, é um período que a comunidade realmente se entrega. E nós temos pessoas aqui que começaram com cinco anos e hoje já estão com 20 anos de idade e hoje tem compromisso com a escola de samba e ele passa isso para os outros. Aqui existe uma função social, é educação, assim como o esporte faz”, conta Fernando sobre as dificuldades encontradas na comunidade e na escola de samba.
Patrimônio
Sobre os enredos que as escolas de samba levam às ruas nos ensaios e na Praça Tiradentes, onde acontece o desfile, Fernando disse que há algo de diferente na batida e que isso precisa ser valorizado como cultura própria de Ouro Preto.
“Eu levanto a bandeira que é o seguinte: você vai pesquisar e vai ver que o jeito de tocar uma bateria aqui em Ouro Preto é diferente. Você não vai encontrar a forma que tocamos em nenhum lugar. E isso não é à toa não, eu fui estudando e descobrindo aos poucos o motivo das baterias serem tocadas assim. Por exemplo, no surdo, o cara bate e marca, ele usa duas baquetas. Então esse jeito de bater traz um ritmo mais pesado, forte e um pouco mais acelerado. Então eu já pedi várias vezes para as pessoas levantarem essa bandeira para se tornar um patrimônio, assim como existe o Olodum, o carnaval de frevo, as escolas do Rio, tudo aquilo é patrimônio”, comenta Fernando, um dos fundadores da União Recreativa do Santa Cruz.
Além disso, Fernando também falou sobre a responsabilidade do município com as escolas de samba, afirmando, também, que há influência em todo o decorrer do ano da União e das outras escolas.
“A gente precisa de mais empenho do poder público para desenvolver atividades das escolas de samba durante o ano. Porque eles têm mais poder para isso, eles tem uma Secretaria de Cultura, tem pessoas ali com a cabeça mais aberta para desenvolver novos projetos”, alegou Fernando.
Carnaval
Carnaval muitas vezes é ligado à farra, pegação, dança e curtição, mas muita das vezes há outros elementos contidos na época festiva tão importantes quanto, ou mais. Cultura, representatividade e luta também são alguns fragmentos que Fernando aprendeu com a União Recreativa do Santa Cruz.
“Quando eu comecei a frequentar o carnaval de Ouro Preto tudo era farra. Eu passava pelos desfiles das escolas de samba e nem dava atenção. Eu era jovem e queria curtir o carnaval de rua, bebendo, azarando as garotas, dançando e tudo mais. Quando surgiu a ideia da escola de samba daqui eu me identifiquei. Aqui trouxe credibilidade para nossa comunidade, visibilidade. Não foi fácil e nunca foi, mas é muito gratificante”, contou Fernando Marques.
Sobre o carnaval deste ano, em Ouro Preto, as escolas de samba irão desfilar na Praça Tiradentes, como de costume, e a União Recreativa do Santa Cruz vai abordar política em plena festa. O tema para 2020 é “O Brasil dos Sonhos”, em que irão falar sobre a turbulenta situação política em que o país vive, mas também, uma proposta de intervenção, mostrando como dá para viver da melhor forma possível, criando suas respectivas famílias à base de muita luta.
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