Protocolada por duas vezes pela Câmara Municipal de Mariana, a CPI do Superfaturamento dos Materiais de Construção, também conhecida como CPI da Brita, visava a investigação de supostos superfaturamentos na compra de materiais de construção mediante licitação. A criação da CPI, no entanto, foi interrompida devido a desistência do parlamentar Pedro Sousa, afinal é necessário que um terço da Câmara vote em favor da abertura do inquérito. Tudo isso seria normal não fosse um pequeno detalhe apontado pelo vereador Manoel Douglas (Preto): a abertura de uma janela em ponto facultativo, no final do anos passado (2022). Veja a linha do tempo e entenda o caso.
28/12/2022, por volta das 12h – Protocolada a CPI do Superfaturamento dos Materiais de Construção (CPI da Brita).
Assinada pelos vereadores Pedro Souza, Leitão, Marcelo Macedo, Zezinho Salete e José Sales.
28/12/2022, por volta das 14h – Dado ponto facultativo para os dias 29/12 e 30/12 pelo presidente da Câmara Juliano Duarte
28/12/2022, no turno da noite – Comunicado revogando o ponto facultativo dos dias 29/12 e 30/12 (sem portaria)
29/12/2022, por volta das 11h – Protocolado o pedido de desistência da assinatura pela abertura da CPI do vereador Pedro Sousa
29/12/2022, por volta de 12h – Dado ponto facultativo novamente, desta vez para metade do dia 29/12 e o dia 30/12 inteiro, pelo presidente da Câmara Juliano Duarte
30/12/2022 – Vereador Manoel Douglas (Preto) protocola um pedido de inserção de sua assinatura para totalizar o número de assinaturas necessárias para a abertura da investigação, mas a CPI já estava arquivada.
O vereador Preto entendeu que a criação, retirada e retomada do ponto facultativo foi uma “janela” de tempo para que o vereador Pedro Sousa pudesse voltar atrás na sua decisão de abrir a investigação quanto ao superfaturamento na compra de materiais de construção, logo, essa seria uma manobra para conter a CPI.
Na segunda tentativa de instauração da CPI da Brita, que aconteceu neste mês de março, assinaram os vereadores: Manoel Douglas, Marcelo Macedo, José Sales, Zezinho Salete e vereador Ediraldo Ramos (Pinico), no dia seguinte, este último desistiu e protocolou pedido de retirada de sua assinatura na investigação da compra de materiais de construção.
Ainda de acordo com Preto, em entrevista ao portal Mais Minas, essa seria, mais uma vez, uma manobra para interromper a CPI.
“O que a gente ouve nos bastidores é que a pressão nos vereadores para não assinar está muito grande. Não tem como não estar acontecendo alguma coisa nos bastidores, pois por duas vezes você protocolar uma CPI e no dia seguinte, por duas vezes serem retiradas assinaturas, ninguém assinar uma CPI num dia, ter o entendimento, ler um documento, fazer e no outro dia acordar e falar ‘resolvi que vou tirar’, é difícil afirmar, pois temos que provar, mas assim, é uma coisa que desde o ano passado já era de conhecimento dos vereadores, em dezembro foi protocolado o pedido e retirado por causa da retirada da assinatura do Pedro e agora em março da mesma forma foi protocolado novamente e foi retirada no dia seguinte. Não tem como imaginarmos outra coisa a não ser uma pressão de bastidores”.
Outro ponto de vista
Procurado pela equipe do portal Mais Minas, o vereador Ediraldo Ramos (Pinico) explicou a motivação da retirada de sua assinatura no pedido da abertura do inquérito. No entendimento do parlamentar há uma duplicidade de investigação sobre um mesmo fato.
“Retirei meu nome da CPI porque vi que já há sindicância instaurada na Prefeitura de Mariana para investigar e apurar os mesmos fatos. Diante disso, para evitar tumulto e garantir eficiência na investigação e eventual responsabilização dos responsáveis pelos fatos em questão de forma célere e assertiva, bem como, sobretudo, evitar a ocorrência de bis in idem, entendo por bem retirar minha assinatura do requerimento da CPI. Ressalto que a sindicância e a CPI têm a mesma natureza investigatória e que, ao final, levam à mesma consequência: envio dos fatos e provas ao Ministério Público. Diante disso, considerando a existência de sindicância para apurar a questão, inexiste interesse jurídico processual para a instauração de CPI no caso”, explicou.
Um silêncio muito barulhento
Usando de seu direito ao silêncio, o ex-presidente da Câmara, Juliano Duarte, quando procurado pela redação do portal Mais Minas optou pelo silêncio. Ele é uma das principais fontes que poderia esclarecer se a manobra de fato ocorreu, conforme denunciado pelo vereador Preto ou se o ponto facultativo assinado, conseguinte retirado e oferecido novamente em sequência teve outro objetivo.
Quem também optou pelo silêncio foi o ex-vereador Pedro Sousa. Indagado sobre o que ocasionou sua desistência, o atual secretário de Cultura do município preferiu não responder.
Indícios de irregularidades em compras de materiais de construção
Recorremos aos documentos para tentar explicar aos leitores de forma sucinta o que levantou suspeitas em relação à compra de materiais. Ocorre que, de acordo com uma nota emitida pela empresa Construrey Materiais de Construção em Geral Eireli, no dia 28 de julho de 2022, alguns materiais foram adquiridos por valores acima do licitado. O produto que mais chamou a atenção, devido a diferença de valor entre o licitado e o gasto. foi a brita, veja alguns itens.
- Brita (tipo 1) – licitada por R$ 630,00 e comprada por R$ 2.030,00
- Arame Rec Torcido – licitado por R$ 150,00 e comprado por R$ 369,00
- Areia média – licitada por R$ 560,00 e comprada por R$ 1.959,30
- Bloco 015 vazado – licitado por R$ 567,00 e comprado por R$ 1.575,00
O que diz a Lei
Na nota apresentada, a suspeita é que os valores estão superfaturados em 281,2%. Se comprovado o superfaturamento na compra de materiais de construção pela prefeitura de Mariana, os responsáveis por elevar arbitrariamente os preços dos produtos podem responder pelo crime de fraude tipificado no artigo 96, inciso I, da Lei 8.666/96.
Tal lei trata que fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente, pode resultar na pena de 3 a 6 detenção em regime fechado e multa. O artigo 1 desta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Ponto facultativo no final do ano
O que mais intriga investigadores indiretos do caso, como imprensa e alguns vereadores, é a assinatura do ponto facultativo, que normalmente acontece no final do ano, e a posterior anulação do mesmo, e, em seguida, a retomada do ponto.
Neste primeiro documento o ponto facultativo é assinado pelo ex-presidente da Câmara Juliano Duarte. A portaria foi declarada às 14h48 do dia 28 de dezembro de 2022, veja.
No mesmo dia, aproximadamente duas horas depois, Juliano Duarte decide anular a portaria. Não foi produzido outro documento, apenas um aviso enviado no e-mail dos demais parlamentares, conforme imagem abaixo:
Nesse espaço de tempo o vereador Pedro Sousa solicita a retirada da sua assinatura no pedido de abertura da CPI da Brita. Conforme documentado abaixo.
Quase uma hora depois o ex-presidente da Câmara volta a assinar ponto facultativo, que passou a valer de 12h em diante do dia 29 de dezembro até o dia 30 de dezembro de 2022. Confira:
Os dois vereadores foram procurados pela redação do Mais Minas e caso haja algum retorno a matéria será atualizada.
Mariana e seus recorrentes problemas com as chuvas
Ano após ano Mariana vive o drama das fortes chuvas. Entra gestão e sai gestão e as obras necessárias para prevenir alagamentos, soterramentos e que pessoas fiquem desabrigadas não não entregues. Vale lembrar que em janeiro deste anos (2023), devido a uma chuva de 91 mililitros, o Rio Brumado transbordou deixando diversas pessoas ilhadas, três famílias desabrigadas e 24 imóveis precisaram ser desinfectados para que as famílias retornassem aos seus lares.
No mesmo mês em 2022, também em decorrência de intensas chuvas, 120 famílias ficaram desalojadas, algumas delas precisaram ser levadas para abrigos improvisados devido ao risco de deslizamento de encosta.
Se comprovado este superfaturamento, e outros, será um tapa no rosto dos moradores da sede e distrito de Mariana. Trabalhadores e trabalhadoras que saem diariamente de suas casas para trabalhar, pagarem seus impostos e não terem o retorno devido, pelo contrário, no lugar de oferecerem saneamento básico, infraestrutura e o mínimo de conforto para os seus, bancam a vida boa daqueles que deveriam ser suas vozes ao ocuparem cargos públicos temporários.