O vereador de Ouro Preto, Wanderley Kuruzu (PT), recebeu uma resposta do consórcio Rota Real, responsável pelo serviço de transporte coletivo na cidade, sobre a indicação de nº 461/2021, que denuncia o uso de um terreno de propriedade da Prefeitura Municipal por parte da empresa.
Segundo o vereador, o promotor Flávio Jordão deu o parecer em 23/11/2011, a empresa recorreu e o Tribunal de Justiça, através do desembargador Oliveira Filho, negou o provimento, mantendo a sentença. A juíza de Ouro Preto, então, deu a sentença dizendo que o terreno é da prefeitura.
Se trata de um imóvel urbano constituído de cinco edificações, com área total de 950,5 m² e seu respectivo terreno com a área de 3019,89 m², situado na Av. Juscelino Kubitschek, n° 890, bairro Itacolomi, em Ouro Preto.
De acordo com Kuruzu, a partir de 1979, o terreno em questão funcionou como garagem da Transcotta e partir de 1989 funcionou como garagem da Turin, que faz parte do mesmo grupo empresarial. Atualmente, segundo o vereador, o local continua funcionando para a Rota Real (também parte do mesmo grupo empresarial).
“A empresa sugere que os meus colegas me punam por ter denunciado uma suposta ilegalidade ou pelo menos um escândalo moral da empresa usar o terreno que é da prefeitura desde 1979”, disse Kuruzu.
Resposta da Turin
A resposta à indicação feita pela Turin Transportes LTDA, Razão Social da Rota Real, destacou o trecho do pedido do vereador que “solicita ao prefeito municipal que leiloe ou retome a posse do terreno pertencente à Prefeitura de Ouro Preto, usado pelo grupo Transcotta/Turin/Rota Real desde 1979 e destine o mesmo ou o dinheiro arrecadado para o programa de moradia para famílias de baixa renda”.
Para tal solicitação, a justificativa citada é que o referido imóvel encontra-se “em escandaloso desvio de finalidade, ferindo vários preceitos constitucionais e legais”. A indicação de Kuruzu continua se justificando dizendo que “inacreditavelmente, o grupo que monopoliza o Sistema Público Municipal de Transporte Coletivo ainda está incomodando o poder Judiciário, já tão assoberbado de trabalho, requerendo a propriedade do imóvel por intermédio de Ação de Usucapião, o que é vedado de forma cristalina pelo parágrafo 3º do artigo 183 da Constituição Federal que diz que ‘Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião’”.
Segundo a Turin LTDA, tal justificativa “não expressa a verdade”. De acordo com o seu documento de resposta enviado à Câmara de Ouro Preto, a razão apresentada pelo vereador tem o objetivo de dissimular revanchismos pessoais, o que enseja a configuração das infrações descritas no art. 58, parágrafo único, incisos IV e V do Regimento da Câmara, além de ferir os entendimentos acerca da impessoalidade e do combate à propagação de “fake news”.
O artigo 58 do Regimento da Câmara diz: “O vereador que descumprir os deveres inerentes a seu mandato ou praticar ato que afete a sua dignidade ou a ética ou decoro parlamentar estará sujeito a processo e as medidas disciplinares previstas nesse regimento interno.”
Sobre a questão posta pelo vereador, a Turin diz que o imóvel em questão era apenas um lote sem qualquer benfeitoria e que o mesmo foi dado em arrendamento comercial à empresa Transcotta pelo prefeito à época, com o aval do poder Legislativo, por meio da Lei nº. 117, de 2 de outubro de 1979, o que seria muito após a extinção do regime de aforamento que vigorava em Ouro Preto, nos termos da Lei nº. 377, de 21 de janeiro de 1971, e também antes da entrada em vigor da atual Constituição Federal, promulgada em 1988.
Passados 20 anos, a empresa afirma ter cumprido com todas as suas responsabilidades contratuais e requereu do poder Executivo em 1998 a aquisição definitiva do bem.
“Atualmente apenas a Turin ocupa licitamente o imóvel de forma efetiva, sadia, pacífica e legítima, com o pagamento dos impostos correspondentes ao longo de décadas, exercendo sua atividade econômica e gerando empregos. Não há qualquer desvio de finalidade nisto”, finaliza a resposta da empresa.
Conflito
O processo está em andamento no campo judicial desde 2019. A empresa alega estar em primeira instância, em trâmite na Justiça em Ouro Preto, já o vereador diz que se trata de uma condenação da Turin em segunda instância.
“Quero que eles devolvam o terreno que é da prefeitura, que está com eles. Segundo decisão judicial em segunda instância, aquele terreno é da prefeitura. O que estou pedindo a Turin é para devolver aquele terreno”, disse Kuruzu durante reunião na Câmara Municipal.
O vereador, inclusive, chegou a dizer durante a reunião dos vereadores que a Turin pode estar tentando desviar o foco da Saneouro, alvo de CPI na Câmara Municipal.
“Veja bem a que ponto é a arrogância. Eu fico até pensando que o grupo da Transcotta e Turin, que é um dos grupos que mandam em Ouro Preto, já está combinado com a Saneouro, que é outro que vai mandar em Ouro Preto também se permanecer aqui, para tentar desviar a atenção. Só pode ser isso. Mas eu não vou cair nessa não viu grupo Transcotta, Turin e Rota Real. Nosso foco nesse momento é a Saneouro, vai chegar a vez de vocês. É inacreditável”, disse o vereador.
Esse é o segundo conflito entre Kuruzu e Turin neste mês. O vereador fez um alerta recentemente contando que o Consórcio Rota Real reivindicou o aumento nos valores das passagens de R$ 3,35 para R$ 4,28. Segundo o membro do poder Legislativo, o Conselho Municipal de Transportes e Trânsito de Ouro Preto, em que o vereador representa a Câmara de Vereadores, negou o pedido, mas ele afirma que a Rota Real irá insistir no ajuste.
“Eles têm certeza que mandam na cidade. Mandam no prefeito, faz o que eles querem, colocam ônibus no horário que eles querem, tiram na hora que eles querem, que mandam na Câmara também. Só acreditei depois que li (a resposta à indicação) várias vezes”, disse Kuruzu.
“Contratou uma pessoa para atirar em mim”
Em um vídeo transmitido na sua conta pessoal no Instagram, Kuruzu recordou sobre um episódio em que um fiscal da Transcotta teria contratado alguém para atirar nele.
“Nós não nós calaremos. Não nos calamos até hoje, inclusive quando um fiscal da Transcotta contratou uma pessoa para atirar em mim. Na época, com a CPI dessa Casa, nós conseguimos abaixar o preço da passagem de algumas linhas e segurar por seis ou sete anos o preço da passagem sem aumentar. Quem assumiu ter praticado o crime foi o fiscal da Transcotta. Se foi ele mesmo que contratou uma pessoa para atirar em mim, só Deus quem sabe. Fato é que esse fiscal foi condenado pelo crime que praticou”, contou.
Em contato com a reportagem do Mais Minas, o gerente de relações institucionais da Rota Real, Guilherme Schulz, disse desconhecer o caso.
O vereador considera a forma com que a Turin lida com a sua indicação como arcaica. “Peço aos donos dessa empresa que baixemos a bola e que tratemos das coisas de interesse público no campo da civilidade, não é com tiro, com ameaça ao exercício do direito parlamentar que a gente vai dialogar bem. Lamento profundamente que exista em nossa cidade um grupo empresarial que pense de forma tão arcaica, como se fossem verdadeiros coronéis como já existiu na política brasileira”, finalizou.
Quebra de contrato
Conforme Kuruzu disse em reunião da Câmara, após resolver o caso da Saneouro, o vereador tem vontade de quebrar o contrato do Município com a Turin. Ainda segundo ele, o superintendente de Transporte e Trânsito da Prefeitura de Ouro Preto, Jorge Kassis, já disse no Plenário que há bagagem o suficiente para que haja essa quebra de contrato.
“Esses dias, o superintendente de transporte e trânsito da prefeitura disse que já há motivos suficientes para anular o contrato com a Rota Real, mas que diante do poder tão grande que esse consórcio tem, a prefeitura se sente impotente para puni-la”, disse Kuruzu.
Apesar de ainda faltar embasamento jurídico, Jorge Kassis disse ao Mais Minas que enxerga sim uma necessidade de estudar o contrato de concessão firmado entre Prefeitura de Ouro Preto e Rota Real. O superintendente vê o vínculo cheio de vício e cláusulas abusivas e que não beneficiam o usuário das linhas de ônibus.
“Quando se tem uma cláusula, por exemplo, que prevê que a empresa de ônibus pode, de forma unilateral, diminuir horários ou até mesmo exterminar horários em razão de baixa demanda, então, quer dizer, não é uma concessão, a prefeitura está sendo um pai para essa empresa de ônibus. Então, nós temos várias situações que são questionáveis sim. Esse contrato tem que ser todo reestudado, a gente tem que ser muito responsável, porque realmente não é um contrato que abraça os interesses da população, mas sim ao de quem explora o transporte coletivo”, disse Jorge Kassis.
O contrato firmado entre Ouro Preto e Rota Real foi assinado em fevereiro de 2020 e possui 20 anos de duração.