Uma criança de 11 anos começou a acordar repetidamente à noite, alegando sentir pontadas desconfortáveis nas pernas. Para aliviar a sensação, precisava andar pelo quarto. A mãe, Karla Dzienkowski, viu o cansaço afetar o humor, o desempenho escolar e até os momentos de lazer da filha — como quando a menina adormeceu num banco durante um passeio familiar. Após três anos de tentativas e erros, veio o diagnóstico: síndrome das pernas inquietas.
O caso não é raro. Estima-se que entre 4% e 29% dos adultos em países ocidentais industrializados sofram da condição, que ainda permanece mal compreendida, tanto pela população quanto por parte dos profissionais de saúde. Segundo Dzienkowski, que é enfermeira e diretora executiva da Fundação da Síndrome das Pernas Inquietas, o desconhecimento pode agravar os sintomas e atrasar o tratamento.
O que é a síndrome das pernas inquietas
De acordo com o Dr. John Winkelman, chefe de pesquisa clínica sobre distúrbios do sono no Massachusetts General Hospital, a síndrome das pernas inquietas é um distúrbio neurológico que causa necessidade constante de movimentar os membros, geralmente acompanhada de sensações incômodas, como formigamento, dor ou queimação.
Esses sintomas surgem principalmente em momentos de repouso — ao sentar ou deitar — e costumam ser mais intensos à noite. Por isso, a condição interfere diretamente na qualidade do sono e é classificada também como um distúrbio do sono.
Nos quadros moderados ou graves, os sintomas surgem várias vezes por semana. Em casos extremos, podem atrasar o início do sono por horas, relata o Dr. Brian Koo, professor de neurologia na Yale School of Medicine.
Quem é mais vulnerável à condição
Dois fatores principais estão associados à incidência da síndrome: hereditariedade e deficiência de ferro. Cerca de 20% do risco de desenvolver a síndrome pode ser atribuído a marcadores genéticos, afirma Winkelman.
Grupos com maior propensão incluem pessoas com baixos níveis de ferro, gestantes, pacientes em diálise, mulheres menstruadas, pessoas com anemia ou vegetarianas. O uso de antidepressivos do tipo inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) também pode provocar ou intensificar os sintomas.
A condição é duas vezes mais comum entre mulheres e tende a aparecer com mais frequência após os 40 anos. Ainda assim, como o caso de Dzienkowski mostra, crianças e adolescentes também podem ser afetados.
Caminhos para o tratamento
Um dos primeiros passos no tratamento da síndrome é identificar e eliminar possíveis agravantes. Bebidas alcoólicas, medicamentos específicos e o consumo excessivo de açúcares simples podem intensificar os sintomas, afirma o Dr. Koo.
Quando a ferritina está baixa, suplementos de ferro — orais ou intravenosos — podem melhorar significativamente o quadro, explica Winkelman.
Além disso, estratégias caseiras como compressas quentes ou frias, massagens, caminhadas e atividades mentais leves — como quebra-cabeças ou leitura — costumam ajudar. “Manter a mente ocupada parece, de alguma forma, manter os sintomas sob controle”, observa Dzienkowski.
Medicamentos sob orientação médica
Se mudanças no estilo de vida não forem suficientes, medicamentos podem ser indicados. A primeira escolha costuma recair sobre os ligantes alfa2-delta, como gabapentina ou pregabalina.
Embora agonistas da dopamina tenham sido por muito tempo o tratamento padrão, hoje seu uso é mais restrito. Isso porque, com o tempo, eles podem causar aumento paradoxal dos sintomas, um fenômeno conhecido como agravamento.
Nos casos mais graves, opioides em baixas doses e de liberação prolongada podem ser prescritos — sempre com acompanhamento médico.
A importância do diagnóstico precoce
Sentir a necessidade de mover as pernas ao deitar, especialmente se isso comprometer o sono, é motivo suficiente para procurar ajuda. Segundo Dzienkowski, nem todo profissional está apto a reconhecer a síndrome, o que reforça a importância de procurar um especialista em distúrbios do sono.
Ela também recomenda solicitar um painel de ferro com ferritina, exame que avalia a quantidade de ferro disponível no corpo para funções metabólicas.
“Quanto mais cedo você agir, melhor. O diagnóstico tardio só prolonga o sofrimento e pode comprometer seriamente a vida social, profissional e emocional”, afirma. Muitas vezes, alerta Dzienkowski, sintomas como mau humor, apatia ou sonolência excessiva são reflexos invisíveis da síndrome das pernas inquietas, que se infiltra no cotidiano sem ser percebida.