Estação de Engenheiro Corrêa

A influência da flexibilização da posse de armas na violência contra a mulher

Raphaella Portes

Raphaella Karla Portes Beserra é licenciada em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia, mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Goiás (UFG – Campus Catalão) e Presidenta da União Brasileira de Mulheres (UBM) na cidade de Uberlândia – Núcleo Rosalina. (Creditos da Foto : Guilherme Inácio/ Oliverotto Fotografia) O presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou na última terça-feira (15/01) um decreto que muda as regras para a posse de armas.

É fundamental para melhor compreensão desse texto, entender que a posse, de acordo com a legislação brasileira é possuir o objeto letal em sua residência (ou estabelecimento comercial desde que comprovado a propriedade) enquanto o porte permite que o proprietário leve a arma até os espaços públicos.

Pensar no impacto dessa mudança é muito delicado se partirmos dos índices de violência contra a mulher no Brasil, que ocorre com maior incidência no espaço privado: a famosa violência doméstica e/ou conjugal.

Ocorrem diariamente, em nosso país, inúmeros feminicídios (e tentativas do mesmo) com uso de diversos tipos de armas, inclusive de fogo.

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Essa circunstância se dá, principalmente, pela lógica estrutural que organiza a nossa sociedade, a patriarcal, no qual as mulheres são tratadas como propriedades pelos homens.

Um exemplo disso, é que nos primeiros 11 dias do ano foram mortas 33 mulheres, e 17 sobreviveram à tentativa, tendo uma média de quase cinco casos por dia.

A luta para inibir esse tipo de crime é antiga, mas ainda tem um longo caminho a ser percorrido.

Enfrentar as estruturas sociais que naturalizam a violência contra a mulher não é fácil, entretanto existem as mulheres que travam essa luta, um importante símbolo desta batalha é farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que após sofrer duas tentativas de feminicídios (na época o crime era entendido como homicídio) em 1983, pelo seu então companheiro, o que a deixou paraplégica.

O agressor só foi condenado e preso mais de vinte anos depois, e só ocorreu porque a vítima se empenhou junto a organismos internacionais junto com organizações Feministas e de Direitos Humanos.

A luta por uma lei que pudesse coibir a violência contra a mulher de forma ampla, demorou a se institucionalizar em nosso país, tanto é que o Brasil somente ratificou a Conferência de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher que ocorreu em 1994) em 1996, no qual se comprometia a criar leis com o objetivo de erradicar a violência contra a mulher, porém isso levou cerca de 10 anos para se iniciar.

O Estado brasileiro só tomou medidas efetivas em 2004, após anos de pressão dos organismos internacionais, com a instituição do Grupo de Trabalho Interministerial coordenado pela extinta Secretária de Políticas para as Mulheres, e composto por um consórcio de ONGs feministas e especialistas.

Assim, em 7 de Agosto de 2006, fruto do trabalhos do GTI, foi sancionada a Lei Nº 11.340 que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Este aparato jurídico protetivo, acabou ficando conhecido como Lei Maria da Penha.

Entretanto, mesmo com a criação desses mecanismos, o Brasil ainda é o 5º país no Ranking de Violência Contra a Mulher.

Mas, por quê?

Na prática, falta capilaridade no enfrentamento.

As políticas públicas atuais não são suficientes, pois, são subfinanciadas e não consegue alcançar o público alvo, isso em um contexto de uma sociedade que trata as mulheres como propriedades dos homens.

Não bastam políticas públicas existe também a necessidade de uma mudança de valores na construção social do que vem a ser o papel de homens e mulheres e como deve se dar a relação entre ambos.

E mesmo com os dados cada dia mais alarmante, a situação que se coloca não tem sido suficiente para pensar uma política ampla de prevenção (visto que a “Maria da Penha” apresenta mecanismos de punição).

Não bastasse uma espécie de “epidemia de feminicídios” o atual Presidente da República resolveu facilitar a posse de arma fazendo com que qualquer cidadão que se tenha mais de 25 anos, possuir ocupação lícita, não responder a inquérito policial ou processo criminal, não ter antecedentes criminais e ter cursos de manejo de armas de fogo.

A atitude de Jair Bolsonaro vai à contra mão da vida das mulheres, e dificulta ainda mais o combate a violência domestica e/ou conjugal, além de armar a sociedade a tornando ainda mais violenta.

Não precisamos de armas, necessitamos de ambientes seguros, e de igualdade, em uma lógica que não nos oprima!

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