“Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilantes durante toda a sua vida”
Simone Beauvoir
No último dia 25 de Novembro foi o Dia Internacional de Combate à Violência contra as Mulheres, data de extrema relevância no calendário de lutas das mulheres em todo o mundo. A data abre o calendário dos 16 dias de ativismo, que se encerra no dia 10 de Dezembro no Dia Mundial dos Direitos Humanos.
Consequentemente, neste mês do ano sempre fica em grande evidência o debate sobre a violência contra a mulher, seja ela doméstica ou de qualquer outro tipo. E sempre é tempo de refletir sobre onde culmina uma parcela dos casos de violência doméstica: no crime de feminicídio, que em nosso país apresenta índices alarmantes. O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking de países mais violentos contra suas mulheres, ficando atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia.
Segundo o 11º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram 61.619 mortes violentas intencionais de mulheres em 2016 ou 168 assassinatos por dia ou ainda sete por hora, crescimento de 3,8%.
No que tange à violência sexual, os índices são igualmente alarmantes: a cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil. Apenas no ano de 2016, foram 49.497 casos de estupros registrados, caracterizando um aumento de 3,5% em relação a 2015.
O que nos assusta mais é saber que 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos / conhecidos das vítimas e que, em média, apenas 10% das vítimas de estupro denunciam o crime. O que demonstra que muitas vítimas acabam se desmotivando a denunciar no meio do caminho, seja por inoperância do Estado ou pelo processo de culpabilização que muitas sofrem. A violência é algo tão naturalizado, que em recente pesquisa 56% dos homens admitiram já ter cometido algum tipo de violência (sexual, moral, psicológica, simbólica ou patrimonial).
Se realizarmos um recorte racial, a questão é ainda mais preocupante, pois enquanto a mortalidade de mulheres não negras teve uma redução de 7,4% entre 2005 e 2015, atingindo 3,1 mortes para cada 100 mil mulheres não negras – ou seja, abaixo da média nacional -, a mortalidade de mulheres negras observou um aumento de 22% no mesmo período, chegando à taxa de 5,2 mortes para cada 100 mil mulheres negras, acima da média nacional.
O que é importante destacar é que a violência contra a mulher não está dissociada do abismo social em que vivemos, está tudo inter-relacionado. Por exemplo, o trabalho doméstico ser realizado gratuitamente por boa parte das mulheres é um dos pilares de sustentação do sistema capitalista. Nós mulheres somos 52% da população, mas ainda hoje vivemos processos de exclusão e invibilização, que vão desde micromachismos cotidianos ao sucateamento de políticas públicas para mulheres que estamos vivendo neste governo federal golpista, machista e misógino.
Trazendo a questão para o âmbito da esfera municipal, em Ouro Preto há uma total inexistência de políticas públicas municipais para mulheres e uma notória desarticulação dos setores da sociedade que atuam na causa das mulheres. Por isso, desde a formalização de nosso Núcleo Municipal da União Brasileira de Mulheres, temos buscado articular, com diversos setores da sociedade, políticas estruturantes para promover o enfrentamento à Violência contra a Mulher em nosso município. E assim como todos os problemas de nosso país, a solução passa necessariamente pela política. .
No último dia 11 de Agosto, realizamos uma importante audiência pública, convocada pelo vereador Geraldo Mendes (PCdoB) a nosso pedido para debater casos de Assédio Sexual e Violência Contra Mulheres em Ouro Preto.
Nesta audiência, a UBM-OP assumiu o compromisso de coordenar as articulações para criação da Rede Municipal de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, em consonância com o que recomenda a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Nos últimos quase quatro meses, diversas reuniões foram realizadas com este objetivo, tendo sido convidadas ao debate mais de vinte entidades públicas ou privadas.
Finalmente, a assinatura do Acordo de Cooperação Mútua para criação da Rede Municipal de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres ocorrerá no dia 27 de novembro, às 17 horas, no Auditório Central do IFMG – Campus Ouro Preto.
Integrarão a Rede Municipal de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres: a União Brasileira de Mulheres de Ouro Preto (UBM-OP), o Instituto Federal de Minas Gerais – Campus Ouro Preto, o Grêmio Estudantil, Força Associativa de Moradores de Ouro Preto, Serviço Interprofissional de Atendimento a Mulher (SIAME), Conselho Municipal de Direitos da Mulher, Secretaria Municipal de Saúde, Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Habitação e Cidadania, Secretaria Municipal de Educação, Procuradoria Jurídica Municipal, Mandato Vereadora Regina Braga, 2ª Promotoria de Justiça de Ouro Preto, Vara Criminal e da Infância e da Juventude de Ouro Preto, 52º Batalhão de Polícia Militar, Delegacia de Polícia de Ouro Preto, Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (UFOP), Grupo de Estudos em Gênero e Diversidade (Escola de Medicina – UFOP) e Grupo de Extensão Ouvidoria Feminina (UFOP) e Núcleo de Estudos em Diversidade, Gênero e Sociedade (NEDGS-Chica).
A decisão acertada da formação de uma REDE está em consonância dom a Política Nacional de Enfrentamento. A REDE terá o propósito de promover a atuação articulada entre instituições e serviços governamentais, não-governamentais e comunidade, de forma a estabelecer um regime de colaboração mútua para execução de ações cooperadas e solidárias, além de viabilizar a implementação de políticas amplas e articuladas que procurem dar conta da complexidade da violência contra as mulheres, não se restringindo à questão do combate, mas incluindo, também, as dimensões da prevenção, da assistência e da garantia de direitos.
Finalmente, é preciso compreender que a solução para o problema da violência, do machismo, e da desigualdade entre homens e mulheres, passa necessariamente pelo projeto de uma nova sociedade, na qual seja possível o fim de todas as opressões, mas na qual também as mulheres subvertam as relações desiguais de poder historicamente instituídas.
Nós mulheres não podemos desistir. É preciso estar nas ruas e nas Redes lutando contra a retirada de Direitos e por uma nova sociedade!
Ubuntu! Se uma chega, todas chegam!