Apesar de não podermos caracterizar como epidemias as automutilações e suicídios, é inegável o seu rápido crescimento nos últimos tempos. Se fizermos o recorte amostral em cima dos jovens, ainda mais.
Mas a pergunta que se faz é: qual a causa disso? Por que estamos diante de tantas pessoas capazes de destruir o próprio corpo ou a própria vida?
Antes de mais nada, é preciso pensar que isso não é novo. Desde que o mundo é mundo esses são problemas recorrentes da nossa sociedade, talvez a grande novidade seja o aumento exponencial dessas situações no último período, para ser exato nos últimos 20-25 anos.
Essa frequência exacerbada precisa ser vista sob a ótica e o recorte não só do sujeito em si, mas de todo o contexto social que passamos no último período, essa para mim é uma das causas, que curiosamente pouco tenho visto ser explorada.
A chamada revolução tecnológica 4.0 iniciada em meados da década de 1990 trouxe, juntamente com a economia neoliberal, a mecanização do trabalho, a flexibilização das garantias trabalhistas e o aumento do exército operário de reserva, em especial nos países periféricos.
O reflexo disso para os trabalhadores, não é simples: aumento das jornadas de trabalho, das pressões por metas inalcançáveis, do risco de desemprego, de despejo, etc. Pode não parecer fazer sentido, mas a saúde mental dos indivíduos está diretamente ligada a sanidade de seu ambiente de trabalho, quem nunca ouviu falar de um chefe adoecedor? Ou de um “colaborador” afastado por estresse ou estafa? Outras duas doenças típicas do atual período histórico.
Se viermos aprofundando ainda mais nesse processo de mudança nas relações de produção e das forças produtivas em si, vamos chegar ao chamado processo de uberização, onde a exploração do trabalho do motorista se dá de um modo totalmente novo, pela moeda fictícia e por um aplicativo de celular.
A consequência disso, obviamente, é o antigo operário achar que é empreendedor ou dono do próprio negócio, quando na verdade vende sua força de trabalho de modo barato, sem garantias trabalhistas mínimas e de modo precarizado.
Por óbvio, as extenuantes jornadas de trabalho de 16 a 18 horas por dia, em alguns casos, somadas à pressão pela própria sobrevivência, submete essas pessoas a uma pressão tamanha que, muitas vezes, pode acabar da pior maneira.
Junto a tudo isso, temos uma juventude ávida por seus próprios desejos. Entretanto, a falta de oportunidades e empregos formais, além do próprio preconceito de raça, classe, gênero e orientação sexual fazem com que juventude acabe por assumir um papel que não é (ou deveria) ser seu, inclusive mentalmente falando, como no caso de trazer para si uma responsabilidade familiar que não lhe pertence.
O fim de tudo isso é o início de nosso texto: dar fim à própria dor, ou no caso das automutilações sentir dores físicas menos dolorosas, o que pode parecer absurdo, mas é fato, só quem sente dentro de si entende como é isso.
Existe solução? Para uma parcela pequena sim, que são aqueles que os serviços de saúde mental são capazes de alcançar, mas para a grande maioria não, ou seja: cuidar do indivíduo é bastante importante, mas só isso não importa, é preciso cuidar da sociedade, esse sim é o verdadeiro gargalo!
E como fazer isso?
Acho que o primeiro passo é entendermos que a busca insaciável pelo lucro não pode ser maior que a manutenção e o respeito pela vida, será que é correto vivermos em uma lógica onde é usual as pessoas se mutilarem ou se matarem, mas não é comum as pessoas se amarem?
É preciso repensar nosso modo de vida, mas também o modelo econômico reinante, do contrário, veremos cada vez mais situações como essas que aqui comentamos.
Até a próxima.
* Pedro Luiz Teixeira de Camargo (Peixe) é Biólogo e Professor, Dr. em Ciências Naturais e Docente do IFMG.