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Cultura é Poder: O Cinema Brasileiro e a Disputa pelo Imaginário

Cultura é Poder: O Cinema Brasileiro e a Disputa pelo Imaginário
Fotos: PCdoB/Reprodução

A máxima “cultura é poder”, título do novo livro escrito pela deputada federal Jandira Feghali (PCdoB) que esteve presente em Ouro Preto na última semana dentro da programação do CineOP, ganha ainda mais relevância no momento em que o cinema brasileiro volta a ocupar espaço de destaque no cenário nacional e internacional. 

A ideia, mais do que uma frase de efeito, expressa uma verdade estrutural: quem controla a produção simbólica influencia a forma como uma sociedade pensa, sente e age. Nesse sentido, compreender a cultura como instrumento de disputa política é essencial para valorizar — e defender — o papel central da arte na construção democrática.

No livro, a autora argumenta que a cultura deve ser encarada como um campo estratégico, com impactos diretos na formação da consciência e na organização da coletividade. Para além de entretenimento, esta é uma ferramenta de edificar identidades, memórias e visões de mundo. Essa dimensão simbólica, quando institucionalmente fortalecida, se transforma em base de poder — não o poder autoritário das armas, mas o poder duradouro da influência e do pertencimento.

Portanto, especialmente em momentos de crise política, que a cultura costuma ser um dos primeiros alvos das ditaduras. Controlar a narrativa, censurar artistas, desmontar políticas públicas culturais: tudo isso faz parte de uma estratégia que visa limitar a diversidade de pensamento e, por consequência, consolidar um único projeto autocrático. Vivemos essa tentativa de esvaziamento recentemente, quando esta foi tratada como gasto supérfluo e a classe artística transformada em inimiga pública.

A retomada de políticas culturais nos últimos anos, com a reativação do Ministério da Cultura, da Lei Rouanet e os investimentos via Lei Paulo Gustavo e Aldir Blanc, representou não apenas um alívio para o setor, mas a reconquista de um espaço de cidadania. O cinema brasileiro, particularmente, tem sido um dos grandes protagonistas desse novo momento. Filmes recentes, não apenas conquistaram prêmios e prestígio internacional, como reafirmam que nossas histórias, quando bem contadas, têm enorme capacidade de mobilização e reconhecimento.

Essas produções mostram o Brasil real, plural, contraditório, distante das caricaturas midiáticas. Em um país de dimensões continentais e desigualdades históricas, o cinema tem cumprido um papel essencial de representação e visibilidade. Quando um filme brasileiro chega a Cannes, à Netflix ou às salas de cinema, ele não apenas emociona — mas comunica, resiste, educa. Como defende a autora, a cultura é, nesse sentido, um “ato político de afirmação da vida”.

Não se trata, portanto, apenas de uma “retomada criativa”. O que estamos testemunhando é uma reocupação simbólica de um campo que foi, por anos, submetido à asfixia institucional. O excelente momento do nosso cinema não é apenas resultado do talento dos diretores, roteiristas e técnicos — é fruto direto de uma política cultural ativa, estruturada e com financiamento público. Como alerta Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura, “sem Estado, não há cinema nacional que resista à concorrência desigual com a indústria hollywoodiana”.

Além disso, é importante observar como tudo isso se conecta a uma consciência política mais ampla. Nossas produções recentes não fogem do debate sobre racismo, desigualdade, LGBTfobia e violência. Eles não neutralizam conflitos — pelo contrário, os escancaram. E isso tem impacto direto sobre o imaginário coletivo, pois reintroduz em nossas telas algo historicamente excluído das narrativas hegemônicas. Representar é também distribuir poder.

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E é aqui que a ideia de cultura como poder se afirma de forma mais nítida, ao moldar subjetividades, afirmar identidades, provocar debate público. Em tempos de guerra simbólica, como os que vivemos, onde as fake news e o negacionismo buscam colonizar a mente da população, a produção artística se torna ainda mais estratégica. Como mostra a autora, investir em cultura é defender a democracia — não como conceito abstrato, mas como experiência cotidiana.

O fortalecimento do cinema nacional também revela um ciclo virtuoso: investimento gera produção, que gera emprego, que gera público, que gera mais investimento. Parece besteira, mas não é. A cultura movimenta a economia, forma profissionais, gera inovação e contribui até mesmo para o nosso Produto Interno Bruto (PIB). Segundo dados da FIRJAN (2024), a economia criativa responde por mais de 3% do PIB brasileiro, com destaque para o audiovisual. Essa é mais uma dimensão concreta do “poder” da cultura — o de gerar riqueza e desenvolvimento.

O desafio, agora, é consolidar esse momento e blindar as políticas culturais de novos retrocessos. Como ficou evidente nos últimos anos, o desmonte pode ser rápido, mas a reconstrução é lenta. O cinema brasileiro voltou a respirar, mas ainda depende de fôlego político e institucional para seguir crescendo. Isso exige compromisso do Estado, mas também mobilização da sociedade. É preciso entender que cada filme nacional assistido é um gesto de resistência e valorização da nossa própria história.

A cultura, como diz Feghali, é onde o povo se reconhece e se reinventa. Ela é poder porque forma, transforma, denuncia e propõe. E, ao romper o silêncio imposto por tanto tempo, nosso cinema nos lembra de que não há futuro democrático sem liberdade de criação. Que se fortaleça, portanto, o poder de contar nossas histórias — com todas as cores, sons, dores e sonhos que nos constituem.

REFERÊNCIAS

FEGHALI, Jandira. Cultura é poder. São Paulo: Boitempo, 2023.

FERREIRA, Juca. Políticas culturais no Brasil: avanços, retrocessos e perspectivas. Revista Brasileira de Políticas Culturais, Brasília, v. 6, n. 2, p. 15-32, 2023.

FIRJAN – FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. A importância da economia criativa no Brasil. Rio de Janeiro: FIRJAN, 2024. Disponível em: https://www.firjan.com.br. Acesso em: 02 jul. 2025.