Escalada Tarifária em 2025: tensões e impactos no comércio global

Escalada Tarifária em 2025: tensões e impactos no comércio global

I. Introdução: um novo cenário de tensões comerciais

O início de 2025 marcou um período de acentuada volatilidade no comércio global, impulsionado por uma nova onda de políticas tarifárias implementadas pelos Estados Unidos. Essas medidas alteraram significativamente as dinâmicas comerciais existentes, gerando um clima de incerteza e provocando reações em cadeia por parte de parceiros comerciais ao redor do mundo. A imposição de novas barreiras tarifárias e a retórica de confronto reacenderam debates sobre protecionismo e os fundamentos do sistema multilateral de comércio.

O cenário já se apresentava complexo, com tensões comerciais preexistentes e um ambiente de redefinição das relações econômicas globais, especialmente entre grandes players como os Estados Unidos e a China.1 Nesse contexto, as novas políticas tarifárias americanas serviram para intensificar a instabilidade. Entre janeiro e abril de 2025, a taxa tarifária efetiva média dos EUA experimentou um aumento expressivo, saltando de 2,5% para um patamar estimado em 27%, o nível mais elevado em mais de um século. Essa escalada agressiva gerou comparações históricas com o Smoot-Hawley Tariff Act de 1930, que, para muitos economistas, contribuiu para o agravamento da Grande Depressão, sublinhando a gravidade potencial das políticas adotadas em 2025.2

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A abordagem adotada pela administração americana em 2025 caracterizou-se por uma série de anúncios e implementações de tarifas, justificadas por uma variedade de razões, desde segurança nacional até a correção de desequilíbrios comerciais. Essas ações desencadearam respostas imediatas de outros países, resultando em um ciclo de imposições e retaliações tarifárias que afetaram diversos setores e economias. Este artigo analisa a cronologia e a natureza dessas políticas tarifárias, as reações internacionais e os impactos econômicos observados nos primeiros meses de 2025.

II. A estratégia tarifária dos EUA em 2025: imposição ampla e medidas recíprocas

A estratégia tarifária implementada pelos Estados Unidos em 2025 caracterizou-se por uma abordagem multifacetada, começando com uma medida de amplo alcance: a imposição de uma tarifa mínima de 10% sobre virtualmente todas as importações. Esta medida foi formalizada por uma ordem executiva datada de 2 de abril de 2025, com a tarifa entrando em vigor a 5 de abril.3 Esta tarifa base representou uma mudança fundamental na política comercial americana, afastando-se de abordagens mais seletivas e sinalizando uma postura protecionista generalizada.1 Esta ação elevou a taxa tarifária efetiva média dos EUA para cerca de 27% 4, estabelecendo um novo patamar para as relações comerciais.

Complementar à tarifa base universal, a administração americana introduziu o conceito de tarifas “recíprocas”. Anunciado inicialmente em 13 de fevereiro de 2025, este plano visava, ostensivamente, igualar as taxas que outros países cobravam sobre produtos americanos.2 A 2 de abril, foram anunciadas tarifas “recíprocas” específicas, com taxas mais elevadas para nações que mantinham superávits comerciais com os EUA, como China, União Europeia, Coreia do Sul, Japão e Taiwan. Para a União Europeia, por exemplo, foi proposta uma tarifa adicional de 20% sob este regime 5, embora posteriormente tenha sido pausada em 10%.6 Superficialmente, a ideia de “reciprocidade” pode parecer equitativa, mas, na prática, tende a ignorar as complexidades das estruturas tarifárias globais, os acordos comerciais preexistentes e os diferentes níveis de desenvolvimento econômico dos parceiros comerciais.

As justificativas apresentadas pela administração americana para esta ofensiva tarifária foram variadas. A “segurança nacional” foi frequentemente invocada, não apenas para setores tradicionais como aço e alumínio, mas também para produtos como cobre e madeira.2 Outras razões incluíam a necessidade de corrigir déficits comerciais, combater práticas comerciais consideradas desleais – especialmente em relação à China, acusada de roubo de propriedade intelectual e de criar desequilíbrios comerciais 1 – e, de forma mais controversa, para pressionar em questões não estritamente comerciais, como o combate ao tráfico de fentanil 2 e o controle da imigração ilegal, esta última usada como justificativa para tarifas sobre México e Canadá.2 A receita gerada pelas tarifas também foi mencionada como um meio potencial para reduzir a dívida federal.3 Contudo, muitas dessas justificativas foram amplamente contestadas por economistas e parceiros comerciais, que as consideraram pretextos para uma agenda protecionista. A invocação da “segurança nacional” para produtos como aço e alumínio, por exemplo, foi criticada como um possível abuso das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Os principais alvos desta política foram a China e a União Europeia. A China enfrentou as medidas mais severas, com tarifas que chegaram a atingir 145% sobre uma vasta gama de produtos 4, sinalizando que o país era o principal foco da pressão comercial. A União Europeia, um bloco de aliados tradicionais dos EUA, também se viu envolvida numa disputa tarifária significativa, com tarifas “recíprocas” inicialmente propostas em 20% e depois temporariamente reduzidas para 10% 5, afetando setores como aço, alumínio e automóveis. Além destes, tarifas mais elevadas foram aplicadas a 57 países específicos 3, e medidas foram direcionadas a parceiros como México, Canadá, Colômbia, Coreia do Sul, Japão e Taiwan 2, demonstrando a amplitude da abordagem disruptiva da administração.

A estratégia de impor uma tarifa base universal, seguida por tarifas “recíprocas” mais elevadas e direcionadas a alvos específicos, pode ser interpretada como uma tática de pressão multifacetada. Ao afetar todos os parceiros comerciais com uma tarifa base, cria-se um descontentamento generalizado. Subsequentemente, ao mirar seletivamente alguns países com tarifas ainda mais punitivas sob o pretexto de “reciprocidade”, a administração americana poderia estar tentando isolar seus alvos principais e, simultaneamente, criar divisões entre os países.

Ademais, a expansão da justificativa de “segurança nacional” para incluir commodities como cobre e madeira 2, para além de produtos como aço e alumínio, aponta para uma utilização potencialmente ampla desta cláusula. Se commodities básicas podem ser enquadradas como questões de segurança nacional para fins tarifários, virtualmente qualquer produto poderia, em tese, tornar-se um alvo. Isso estabelece um precedente onde as decisões comerciais podem ser cada vez mais politizadas e menos fundamentadas em princípios econômicos ou regras acordadas internacionalmente, tornando o cenário comercial ainda mais volátil e dependente de decisões unilaterais.

III. Cronologia da escalada tarifária (Janeiro-Maio 2025): ações, reações e acordos parciais

O primeiro semestre de 2025 foi marcado por uma intensa e dinâmica atividade tarifária por parte da administração americana, caracterizada por uma sucessão de anúncios, implementações, ameaças, retaliações, pausas estratégicas e acordos parciais.

  • Janeiro: Logo no início do ano, a retórica protecionista materializou-se em promessas e ameaças. A administração americana indicou a intenção de impor tarifas de 25% sobre produtos do Canadá e México e ameaçou a Colômbia com tarifas semelhantes em resposta a desentendimentos sobre políticas migratórias.2

  • Fevereiro: A ofensiva tarifária ganhou corpo com a assinatura de ordens executivas impondo uma tarifa de 10% sobre todas as importações da China e de 25% sobre as importações do México e Canadá, a partir de 4 de fevereiro. Contudo, uma pausa de 30 dias foi concedida ao México e Canadá em meio a negociações sobre segurança fronteiriça e tráfico de drogas. A China retaliou prontamente no mesmo dia em que as tarifas americanas entraram em vigor.2 Adicionalmente, foi anunciado um plano para aumentar as tarifas sobre aço e alumínio e apresentada a proposta de “tarifas recíprocas”. O cobre também entrou na mira, com a consideração de tarifas por razões de segurança nacional.2

  • Março: As tarifas sobre Canadá e México entraram efetivamente em vigor no início do mês, e a China intensificou suas medidas retaliatórias, especialmente sobre produtos agrícolas americanos. Foram concedidas isenções temporárias para montadoras de automóveis dos EUA. Novas ameaças surgiram, visando madeira, vinhos europeus e países que comprassem petróleo da Venezuela. Crucialmente, foram anunciadas tarifas de 25% sobre importações de automóveis, a serem implementadas progressivamente.2

  • Abril: Este mês foi particularmente turbulento. As “tarifas recíprocas” foram implementadas: uma base de 10% sobre quase todas as importações globais (efetiva a partir de 5 de abril) e taxas significativamente mais altas para 57 nações específicas, incluindo China (34%), União Europeia (20%), Coreia do Sul (25%), Japão (24%) e Taiwan (32%), efetivas a partir de 9 de abril.2 Horas após a entrada em vigor das taxas mais altas, a administração anunciou uma suspensão de 90 dias para a maioria delas, com a notável exceção da China, cujas tarifas foram escaladas para um total de 125% (posteriormente clarificado para 145% incluindo taxas prévias relacionadas ao fentanil).2 As tarifas sobre automóveis começaram a vigorar. Tanto a China quanto a UE anunciaram ou aprovaram medidas retaliatórias, embora a UE também tenha optado por uma pausa posterior. Foram concedidas isenções temporárias para eletrônicos, e iniciadas investigações sobre importações de semicondutores e produtos farmacêuticos. No final do mês, a 29 de abril, uma ordem executiva trouxe alívio parcial para o setor automotivo, revisando o cálculo das tarifas para veículos montados nos EUA com peças importadas, oferecendo abatimentos.11

  • Maio: Novas ameaças tarifárias surgiram, desta vez visando filmes estrangeiros. Dados revelaram um déficit comercial recorde para os EUA em março. Em meio a esse cenário, foram anunciados dois acordos significativos: um acordo comercial entre EUA e Reino Unido e, mais crucialmente, um acordo entre EUA e China a 12 de maio para uma redução mútua e temporária das tarifas.2 Os termos exatos desta trégua sino-americana variaram ligeiramente entre as fontes: algumas indicaram um corte nas tarifas recíprocas de 125% para 10% por 90 dias, com a manutenção de uma tarifa de 20% relacionada ao fentanil sobre a China.9 Um comunicado da Casa Branca detalhou que EUA e China reduziriam as tarifas em 115%, mantendo uma base de 10%, e que a China removeria suas tarifas retaliatórias impostas desde 4 de abril, suspenderia sua tarifa inicial de 34% por 90 dias (retendo 10%) e tomaria medidas contra o fentanil.8

Para consolidar e visualizar a complexa sequência de eventos, a tabela abaixo detalha a linha do tempo das principais ações tarifárias e reações durante este período.

Tabela: Linha do Tempo Detalhada das Tarifas dos EUA em 2025 (Janeiro-Maio)

DataPaís(es)/Região Afetado(s) pelos EUAProdutos/Setores ChaveTaxa(s) Aplicada(s)/Alterada(s) pelos EUAAção dos EUAJustificativa Declarada pelos EUA (se houver)Reação/Retaliação Imediata do País AfetadoFonte(s)
20 JanCanadá, MéxicoNão especificadoAmeaça de 25% a partir de 1 FevAmeaçaEnriquecer cidadãos americanos2
26 JanColômbiaTodas as importaçõesAmeaça de 25%AmeaçaRejeição de voos de deportaçãoColômbia anuncia retaliação de 25%, depois recua.2
1 FevChina, México, CanadáTodas as importações (China), Geral (México, Canadá)10% (China), 25% (México, Canadá) a partir de 4 FevNova Tarifa (Ordem Executiva)Imigração ilegal, tráfico de drogas (para México/Canadá)Todos os três países expressam indignação e prometem retaliação.2
3 FevMéxico, CanadáGeralSuspensão da ameaça de tarifas por 30 diasSuspensãoPassos dos parceiros em segurança fronteiriça/drogas2
4 FevChinaTodas as importações10% entra em vigorImplementação de TarifaChina retalia no mesmo dia com novas taxas e investigação anti-monopólio (Google).2
10 FevGlobal (Aço, Alumínio)Aço, AlumínioAumento para mínimo de 25% (Aço), de 10% para 25% (Alumínio) a partir de 12 MarAnúncio de Aumento de TarifaChina: tarifas de 15% (carvão, GNL) e 10% (petróleo, etc.) entram em vigor.2
13 FevGlobalTodas as importaçõesPlano de “tarifas recíprocas” para igualar taxas estrangeirasAnúncio de Plano TarifárioJustiçaEconomistas alertam para caos.2
25 FevGlobal (Cobre)Cobre importadoConsideração de tarifaInstrução para Investigação (Departamento de Comércio)Segurança Nacional (defesa, infraestrutura, tecnologia)2
1 MarGlobal (Madeira)Madeira importadaConsideração de tarifaInstrução para Investigação (Departamento de Comércio)Segurança Nacional (construção, militar)2
4 MarCanadá, México, ChinaImportações de C&M, Todas as importações da China25% (C&M, com 10% sobre energia canadense), 20% (China – dobro da anterior)Implementação/Aumento de TarifaTodos os três prometem retaliação. Canadá anuncia tarifas sobre $100bi de bens dos EUA. México anuncia retaliação. China impõe até 15% sobre exportações agrícolas dos EUA (a partir de 10 Mar) e expande controles de exportação.2
12 MarGlobalAço, Alumínio25% sobre todas as importações de aço e alumínio entram em vigorImplementação de TarifaSegurança NacionalUE promete retaliação (€26bi), depois adia. Canadá anuncia mais tarifas retaliatórias (C$29.8bi) a partir de 13 Mar.2
2 AbrGlobal, China, UE, Japão, Coreia do Sul, TaiwanTodas as importações, Importações específicas de paísesMínimo 10% (global, a partir de 5 Abr); 34% (China), 20% (UE), 25% (Coreia do Sul), 24% (Japão), 32% (Taiwan) (a partir de 9 Abr)Anúncio de “Tarifas Recíprocas” (Ordem Executiva)Superávits comerciais, Comércio Desleal2
3 AbrGlobalAutomóveis importados25% sobre carros totalmente importadosImplementação de Tarifa AutomotivaCanadá anuncia que igualará as taxas de 25% sobre veículos dos EUA.2
4 AbrEUA (por China)Todos os produtos dos EUAChina anuncia plano de impor tarifa de 34% sobre todas as importações dos EUA a partir de 10 Abr, mais controles de exportação.2
5 AbrGlobalQuase todas as importaçõesTarifa mínima de 10% entra em vigorImplementação de Tarifa Base2
9 AbrGlobal (exceto China), ChinaImportações específicas de países, Importações da ChinaSuspensão das taxas “recíprocas” mais altas por 90 dias (mantendo 10% global); Aumento para 125%/145% sobre China “imediatamente”Suspensão Parcial / Aumento DrásticoChina havia prometido taxar bens dos EUA em 84% a partir de 10 Abr. Estados membros da UE aprovam taxas retaliatórias (€20.9bi) sobre bens dos EUA. Canadá implementa contra-tarifas de 25% sobre autos dos EUA.2
10 AbrEUA (por UE)Bens dos EUA (retaliação aço/alumínio)UE suspende retaliação por 90 dias.6
11 AbrEUA (por China)Bens dos EUAChina anuncia aumento de tarifas sobre bens dos EUA de 84% para 125% a partir de 12 Abr.2
29 AbrGlobal (Setor Automotivo)Automóveis e autopeçasRelaxamento de algumas tarifas de 25% para veículos montados nos EUA com peças estrangeiras (rebates de 3,75% no 1º ano, 2,5% no 2º)Ordem Executiva (Alívio Tarifário)Ajudar fabricantes dos EUA, criar empregos domésticos11
12 MaiChinaImportações chinesas e americanasEUA: Redução de 145% para 30% (ou de 125% para 10% nas recíprocas + 20% fentanil). China: Redução de 125% para 10%. (Trégua de 90 dias)Acordo de Redução Tarifária MútuaFacilitar negociações para acordo mais amploMercados de ações disparam.2

A cronologia dos eventos revela um padrão que pode ser descrito como “escalada para negociar”. A imposição ou ameaça de tarifas extremas, como a taxa de 145% sobre produtos chineses 4, parece ter sido uma tática para forçar os parceiros comerciais à mesa de negociação, resultando em acordos parciais ou pausas temporárias, como o acordo EUA-China de maio 8 e a pausa da UE em suas contramedidas.6 Esta abordagem sugere que as tarifas eram vistas menos como um estado final desejado e mais como uma ferramenta de pressão coercitiva para extrair concessões.

A complexidade e a frequência das alterações tarifárias, incluindo a concessão de isenções setoriais específicas (por exemplo, para o setor automotivo 11 e para eletrônicos), indicam uma dificuldade prática na implementação de uma política tarifária de “tamanho único”. Demonstram também a influência de lobbies industriais domésticos, cujas preocupações sobre o impacto das tarifas em suas cadeias de suprimentos e custos de produção necessitaram ser endereçadas. A imposição inicial de tarifas amplas 3 gerou reações não apenas de parceiros comerciais internacionais, mas também de indústrias americanas dependentes de importações. Os subsequentes “ajustes” e “isenções” refletem o choque entre políticas protecionistas simplistas e a realidade das cadeias de valor globais profundamente integradas.

Finalmente, os acordos de “trégua” com duração limitada, como os de 90 dias 6, embora possam trazer alívio temporário aos mercados, acabam por criar um ciclo de incerteza contínua em vez de estabilidade duradoura. A ameaça de uma reescalada tarifária permanece constante, o que pode prejudicar o investimento e o planejamento de longo prazo das empresas, que hesitam em tomar decisões estratégicas significativas baseadas em acordos tão frágeis.

IV. Reações e contramedidas internacionais

A ofensiva tarifária dos EUA em 2025 provocou reações contundentes dos principais atores do comércio global, notadamente China e União Europeia, que responderam com suas próprias estratégias e contramedidas.

A resposta da China: de resistência a uma trégua tática

A China, principal alvo das tarifas americanas, inicialmente adotou uma postura de forte resistência. As medidas retaliatórias chinesas foram progressivas e significativas. Após a imposição inicial de 10% pelos EUA em fevereiro, a China retaliou no mesmo dia.2 A 10 de fevereiro, entraram em vigor tarifas chinesas de 15% sobre carvão e GNL americanos, e de 10% sobre petróleo, máquinas agrícolas e automóveis de grande motor. Em março, novas tarifas de up to 15% sobre produtos agrícolas chave dos EUA foram implementadas. Com a escalada das tarifas “recíprocas” americanas em abril, a China anunciou planos para uma tarifa de 34% sobre todos os produtos dos EUA e, posteriormente, elevou suas taxas retaliatórias para 84% e depois para 125%.2

Declarações oficiais chinesas e da mídia estatal refletiram essa postura inicial desafiadora. O Ministro do Comércio, Wang Wentao, afirmou que a China “lutaria até o fim” se os EUA insistissem em seu caminho, descrevendo as tarifas americanas como uma violação das regras da OMC e um ato de “unilateralismo, protecionismo e bullying econômico”.10 Huang Jingrui, em um editorial no South China Morning Post, declarou enfaticamente que “um bárbaro empunhando tarifas… nunca pode esperar esse chamado [de súplica] da China”.10

No entanto, a escalada chegou a um ponto em que ambas as partes viram a necessidade de uma descompressão. O acordo de 12 de maio de 2025 estabeleceu uma trégua de 90 dias. Conforme relatado, as tarifas “recíprocas” que ambos os países haviam imposto um ao outro a uma taxa de 125% seriam reduzidas para 10% durante este período, embora uma tarifa separada de 20% imposta pelos EUA à China relacionada ao fentanil permanecesse em vigor.9 A versão da Casa Branca sobre o acordo indicava que EUA e China reduziriam as tarifas em 115% (efetivamente chegando à mesma base de 10% mais a retenção de tarifas pré-existentes), com a China se comprometendo a remover as tarifas retaliatórias anunciadas desde 4 de abril de 2025, suspender sua tarifa inicial de 34% sobre os EUA por 90 dias (mantendo uma tarifa de 10% durante a pausa) e tomar medidas para conter o fluxo de fentanil.8 A China, portanto, demonstrou tanto sua capacidade de resistir e retaliar quanto seu pragmatismo ao aceitar uma trégua tática.

A resposta da União Europeia: contramedidas coordenadas e diplomacia cautelosa

A União Europeia, outro alvo significativo das tarifas americanas, respondeu de forma mais calculada e coordenada, mas igualmente firme. Em resposta às tarifas americanas sobre aço e alumínio, a UE já havia preparado contramedidas. Em março, a Comissão Europeia anunciou um pacote que visava até €26 bilhões em exportações dos EUA. A 9 de abril de 2025, os estados membros da UE aprovaram novas contramedidas comerciais visando aproximadamente €18 bilhões em produtos de origem americana, que se somariam a medidas anteriores de 2018 e 2020, totalizando cerca de €8 bilhões em bens dos EUA.6 A lista de produtos americanos alvo de retaliação incluía uma vasta gama de itens, como produtos alimentícios e bebidas (incluindo bourbon e suco de laranja), produtos de higiene pessoal, têxteis, madeira, motocicletas e eletrodomésticos.6

Contudo, em uma demonstração de abertura à negociação e em sincronia com a pausa anunciada pelos EUA em algumas de suas tarifas “recíprocas” mais elevadas, a UE anunciou a 10 de abril uma suspensão de 90 dias de todas as suas contramedidas, visando facilitar as negociações comerciais.6 Esta abordagem reflete a preferência da UE por soluções negociadas e o respeito aos processos multilaterais.

O impacto das ameaças tarifárias foi sentido de forma aguda por alguns membros da UE. Um exemplo notável é o da Irlanda, cujas exportações de bens para os Estados Unidos aumentaram quase 400% em março de 2025, atingindo €25 bilhões, à medida que os fabricantes se apressavam para enviar produtos antes da imposição das tarifas americanas. Este surto foi liderado pelo setor farmacêutico.5

Reações de outros parceiros comerciais

Outros parceiros comerciais dos EUA também reagiram. Canadá e México, apesar de sua relação comercial integrada sob o USMCA, não hesitaram em retaliar. O Canadá anunciou tarifas sobre mais de $100 bilhões de dólares em bens americanos e, posteriormente, igualou as tarifas de 25% dos EUA sobre veículos importados. O México também respondeu com suas próprias tarifas retaliatórias sobre produtos dos EUA.2 A Colômbia, inicialmente, também anunciou retaliações, mas recuou após negociações.2 Estas reações, mesmo de aliados próximos, demonstraram o amplo descontentamento com as táticas unilaterais dos EUA e a disposição de proteger seus próprios interesses econômicos.

O fenômeno de “front-loading” das exportações, como observado no caso irlandês 5, onde as empresas antecipam suas remessas para evitar tarifas iminentes, é um efeito colateral de curto prazo que pode distorcer significativamente os dados comerciais e criar volatilidade logística.

V. Impactos econômicos das tarifas

A imposição generalizada de tarifas pela administração americana em 2025 desencadeou uma série de impactos econômicos, tanto nos Estados Unidos quanto globalmente, cujas consequências plenas ainda estão por se desdobrar.

Impacto na economia dos EUA: ganhos de arrecadação vs. perdas no crescimento

Uma das justificativas para as tarifas foi o potencial aumento da arrecadação fiscal. Projeções do Penn Wharton Budget Model (PWBM) indicaram que as tarifas poderiam gerar uma receita significativa: mais de $5.2 trilhões em 10 anos numa base convencional (considerando respostas microelásticas) e $4.5 trilhões numa base dinâmica (considerando efeitos econômicos mais amplos).3

No entanto, essas mesmas projeções do PWBM apontaram para impactos negativos substanciais na economia americana. Estima-se que as tarifas reduziriam o Produto Interno Bruto (PIB) de longo prazo em cerca de 6% e os salários em 5%. Para uma família de renda média, isso se traduziria em uma perda vitalícia de aproximadamente $22.000.3 Esses números sugerem que os custos econômicos mais amplos poderiam superar em muito os ganhos de receita tarifária.

Setores específicos da economia dos EUA sentiram os efeitos de forma distinta. O setor automotivo, por exemplo, enfrentou ameaças de aumento de preços, redução de vendas e perda de competitividade devido às tarifas sobre veículos e peças importadas.12 A pressão da indústria levou a um alívio tarifário parcial em abril para peças importadas utilizadas em veículos montados nos EUA.11 No setor farmacêutico, a administração americana propôs uma política de “nação mais favorecida” para os preços dos medicamentos, com o objetivo de reduzir os custos para os consumidores americanos, uma medida que, embora não seja uma tarifa tradicional, reflete uma abordagem de confronto para obter melhores termos para os EUA.13 Adicionalmente, foi lançada uma investigação sobre importações de produtos farmacêuticos, sinalizando potenciais futuras tarifas.

Impacto na economia global e nos países-alvo

Globalmente, as tarifas americanas também geraram apreensão e impactos variados. Para a União Europeia, estudos como o do Bruegel estimaram que o impacto no PIB do bloco seria provavelmente limitado, com a maioria dos cenários projetando uma contração entre zero e 0,5%. Embora significativo, tal impacto dificilmente levaria a economia da UE a uma recessão. No entanto, alguns países membros poderiam ser mais severamente afetados; a Alemanha, por exemplo, poderia enfrentar uma contração do PIB de cerca de 0,4%.7

A Irlanda, devido à sua forte orientação exportadora para os EUA, foi identificada como particularmente exposta.7 O governo irlandês revisou para baixo suas previsões de crescimento econômico para 2025 devido à incerteza gerada pelas políticas tarifárias americanas.5

Outro efeito potencial discutido foi o desvio de comércio. As tarifas impostas pela China aos EUA poderiam levar a um desvio de produtos chineses do mercado americano para o mercado europeu. No entanto, o risco geral desse desvio para a UE pareceu limitado, devido às distintas vantagens comparativas entre a UE e a China na maioria dos setores, com exceção de algumas categorias específicas, como equipamentos elétricos e eletrônicos.7

Volatilidade nos mercados financeiros

Os mercados financeiros globais reagiram com sensibilidade aos desdobramentos da guerra comercial. O anúncio do acordo de trégua entre EUA e China em maio de 2025, por exemplo, provocou uma forte alta nos mercados de ações, com o Dow Jones Industrial Average subindo quase 1.200 pontos, enquanto ativos de refúgio como o ouro registraram quedas.9 Esta reação evidenciou o alívio dos investidores com a perspectiva de uma desescalada, mas analistas alertaram que muito trabalho ainda precisava ser feito para alcançar uma solução duradoura.9 A incerteza gerada pelas tarifas também foi citada pelo Federal Reserve dos EUA como um fator de risco, podendo levar a um aumento do desemprego e da inflação, o que, por sua vez, afeta a confiança dos investidores e as decisões de investimento de longo prazo.

Existe uma contradição fundamental entre a retórica da administração americana de “enriquecer os cidadãos” através das tarifas 2 e as projeções de modelos econômicos respeitados, como o do PWBM 3, que indicam perdas significativas de renda para as famílias americanas e uma redução do PIB. A tentativa de utilizar tarifas para fins explicitamente não comerciais, como o combate ao fluxo de fentanil ou o controle da imigração 2, representa uma instrumentalização da política comercial que carrega riscos significativos.

VI. Conclusão: o legado das tarifas de 2025 e o futuro do comércio global

A ofensiva tarifária da administração americana em 2025 reconfigurou temporariamente as dinâmicas do comércio global, deixando um rastro de incertezas e questionamentos sobre seus verdadeiros vencedores e o legado para o futuro. A estratégia americana, caracterizada pela imposição de uma tarifa base universal, seguida por tarifas “recíprocas” mais elevadas e direcionadas a alvos específicos como China e União Europeia, provocou reações imediatas. Estas incluíram retaliações diretas, intensas negociações sob pressão e, eventualmente, acordos de trégua temporários, como o alcançado com a China em maio. No curto prazo, observou-se uma acentuada volatilidade nos mercados financeiros e distorções nos fluxos comerciais, exemplificadas pelo surto antecipado de exportações irlandesas.

Uma reflexão crítica sobre a eficácia desta estratégia tarifária levanta dúvidas sobre o alcance dos objetivos declarados. A promessa de redução dos déficits comerciais, por exemplo, colidiu com a realidade de um déficit recorde dos EUA em março de 2025, mesmo com as tarifas em vigor. A proteção da indústria americana e a busca por “melhores acordos” vieram acompanhadas de custos econômicos significativos, conforme projetado por modelos como o do PWBM, que apontou para perdas de PIB e renda para as famílias americanas.3 A necessidade de conceder recuos e isenções setoriais, como no caso da indústria automotiva 11, também indicou que a aplicação pura da força tarifária encontrou limites práticos e a resistência de interesses domésticos.

As perspectivas para o futuro do comércio global à luz desses eventos são repletas de desafios. As ações unilaterais dos EUA e o aparente desrespeito pelas normas estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), evidenciado pelas acusações da China de violação das regras 10 e pela ação legal anunciada pela UE na OMC, têm o potencial de enfraquecer ainda mais o sistema multilateral de comércio. Um legado duradouro de desconfiança e fragmentação nas relações comerciais globais pode ser uma das consequências mais perniciosas. As empresas, confrontadas com a incerteza e a politização do comércio, podem ser levadas a reconsiderar fundamentalmente suas cadeias de suprimentos globais, buscando maior resiliência através da diversificação ou do “reshoring” – um dos objetivos declarados das tarifas 11 – o que, por sua vez, pode implicar custos de transição significativos e uma reconfiguração da economia global.

A disputa tarifária de 2025 pode ter, paradoxalmente, revelado os limites do poder unilateral dos Estados Unidos na intrincada e interconectada economia global do século XXI. Apesar de sua posição como a maior economia do mundo, os EUA não conseguiram impor sua vontade de forma irrestrita sem enfrentar retaliações significativas e consequências econômicas domésticas adversas. A necessidade de negociar com a China para uma trégua 8, de conceder isenções a indústrias domésticas vitais 11, e as projeções de impacto negativo no próprio PIB americano 3 demonstram que mesmo uma superpotência enfrenta constrangimentos.

A ênfase em “acordos” bilaterais e tréguas temporárias, em detrimento de soluções multilaterais duradouras e baseadas em regras, pode sinalizar uma transição para uma era de maior instabilidade e de “gestão de crises” permanentes no comércio internacional. As pausas de 90 dias 6 e os acordos específicos com determinados países, como o anunciado com o Reino Unido, sugerem uma abordagem fragmentada e transacional. Isso contrasta fortemente com a previsibilidade e a estabilidade oferecidas por acordos multilaterais amplos. Se essa abordagem fragmentária persistir, o comércio global pode se tornar um campo de negociações bilaterais constantes e realinhamentos táticos, aumentando os custos de transação e a incerteza para as empresas em todo o mundo.

REFERÊNCIAS:

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