Segurança e liberdade: desde tempos remotos a humanidade vem aprendendo a buscar esses dois valores, de modo que muitas tiranias foram aceitas em nome da segurança e diversos sacrifícios foram feitos em nome da liberdade. Mas como esses dois conceitos se relacionam e que tipo de sociedade eles são capazes de gerar? Essa é uma pergunta crucial, de cuja resposta dependem os rumos de uma sociedade como a nossa.
Podemos definir segurança como uma espécie de defesa contra mudanças prejudiciais (talvez essa definição não seja das mais precisas, mas bastará para os propósitos de nossa discussão); como a maior parte das mudanças não podem ser caracterizadas inicialmente com clareza como “prejudiciais”, a segurança constantemente se manifesta sob uma forma de proteção contra qualquer mudança potencialmente prejudicial. E essas mudanças podem ser das mais diversas: mudança de renda, de cultura e, até mesmo, de opinião. A tentativa de garantir que as pessoas de determinados grupos não mudem de opinião pode ser uma manifestação da busca pelo valor da segurança.
Certo nível de segurança mínima é uma condição indispensável para o exercício da liberdade, isso nos diz Hayek em seu livro O caminho da servidão. Entretanto, bastando somente que se considere essa ideia de segurança não como uma segurança mínima, mas como uma segurança absoluta, para que estes dois conceitos – segurança e liberdade – coloquem-se em posições opostas. E esses opostos, são então capazes de neutralizar um ao outro, de modo que as sociedades devam fazer a seguinte escolha: sacrificar a liberdade pela segurança ou sacrificar a segurança pela liberdade?
Falemos um poco sobre a segurança absoluta. Essa modalidade, definida por Hayek em O Caminho da Servidão e colocada por ele como uma ameaça à liberdade, consiste em garantir que indivíduos e grupos possam manter o mesmo padrão de vida, independente das condições do restante da sociedade. Não estamos falando aqui de garantir o mínimo necessário para a sobrevivência, mas de isolar pessoas das intempéries econômicas que assolam os demais. Podemos entender, porém, essa modalidade de proteção governamental de um modo ainda mais profundo, indo além do aspecto econômico que Hayek aborda em seu livro.
Há no momento em que vivemos uma certa tendência social a impedir que grupos de pessoas sejam minimamente contrariados por opiniões e crenças que possam ser consideradas ofensivas. Uma espécie de ideal radical de segurança que visa isolar pessoas até das menores perturbações, mesmo que essas perturbações sejam provenientes de palavras. A ameaça à homeostasia desses grupos recebe um nome feio e caracterizado de modo pouco preciso: “discurso de ódio”. Evidentemente, não se trata do verdadeiro discurso de ódio, aquele que consiste numa ameaça a existência de um grupo de pessoas – seja por motivos religiosos, étnicos, culturais ou outros, e que, por isso, deve ser abominado –, trata-se somente do uso político irresponsável do termo, fazendo dele um porrete que serve para dar nas fuças de quem ouse tentar fazer com que um convicto qualquer aceite ideias contrárias àquelas que ele e seu grupo professam dogmaticamente. Nesse caso, temos uma situação muito peculiar, uma espécie de apreço mórbido pela segurança que tem sido o ideal de muita gente, e que tem impedido também muita gente de se submeter ao incômodo de mudar de opinião. Se esse comportamento se tornar socialmente disseminado, teremos então a catástrofe de uma sociedade na qual todos estão convencidos de tudo e não há espaço nem para o debate, nem para a mudança que esse debate suscita, teremos uma sociedade que rejeita a liberdade de pensamento em nome de uma espécie de segurança intelectual, que somente pode ser garantida mediante a adesão e defesa fanática do corpo de ideias de um grupo qualquer.