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Após mais de duas décadas, “O Auto da Compadecida 2” chegou aos cinemas cercado por expectativas e nostalgia. O filme, dirigido por Guel Arraes, busca revisitar o universo criado por Ariano Suassuna e trazer de volta os inesquecíveis personagens João Grilo (Matheus Nachtergaele) e Chicó (Selton Mello) em mais uma de suas aventuras mirabolantes.
A trama parte do improvável retorno de João Grilo a Taperoá, onde agora é tratado como uma lenda viva. Disputado por políticos locais como cabo eleitoral, ele se envolve em novas trapaças que o levam a mais uma intervenção divina. Como a peça original de Suassuna não teve sequência, o roteiro se inspirou em outras obras do autor, como “A Farsa da Boa Preguiça”, além de carregar a assinatura de nomes envolvidos em “Lisbela e o Prisioneiro” (2003), o que traz influências visíveis na estrutura narrativa e na construção dos diálogos.
Um dos grandes atrativos do filme é o retorno do elenco original. Matheus Nachtergaele mantém a essência de João Grilo, porém Selton Mello, embora excelente ator, causa certo estranhamento ao interpretar Chicó, pois parece não ter reencontrado completamente a voz e os trejeitos do personagem. Em alguns momentos, seu desempenho remete mais a personagens de outros filmes, o que pode afetar a imersão dos espectadores.
As adições ao elenco também são um ponto alto. Taís Araújo assume o papel de Nossa Senhora, antes interpretado por Fernanda Montenegro, e Eduardo Sterblitch e Fabiula Nascimento entregam performances cativantes e expressivas, apesar do pouco tempo de tela e pouco desenvolvimento de seus personagens. Humberto Martins surpreende como o Coronel Ernani, agregando à narrativa com sua presença forte.
Uma das maiores mudanças em relação ao primeiro filme está no cenário. Enquanto “O Auto da Compadecida” (2000) foi filmado em locações reais no sertão paraibano, a sequência foi gravada inteiramente em estúdio, o que trouxe uma estética mais artificial. A intenção de adicionar um toque lúdico ao filme pode ter comprometido a autenticidade visual, fazendo com que o sertão retratado pareça mais próximo de uma animação do que da realidade árida e crua que caracterizava a obra original. Isso gera um distanciamento e pode incomodar espectadores que esperavam a mesma ambientação do primeiro longa.
Mas o maior desafio de O Auto da Compadecida 2 foi lidar com a passagem do tempo. A demora de 24 anos para lançar uma sequência fez com que os personagens perdessem parte de sua essência. O roteiro, apesar de promissor, não conseguiu resgatar completamente a magia da obra original. Além disso, a decisão de dublar os diálogos em algumas cenas contribui para a sensação de artificialidade, especialmente para a personagem da Fabiula Nascimento.
Há também a percepção de que algumas escolhas foram feitas por contenção de custos, como o fato de Matheus Nachtergaele interpretar múltiplos papéis. Embora seja um ator talentoso, essa decisão pode passar a impressão de que o filme optou por economizar em elenco em vez de investir em novos rostos para preencher o universo da história.
Apesar das falhas, O Auto da Compadecida 2 ainda é uma experiência nostálgica e divertida. Ele traz de volta personagens queridos e momentos de humor característicos da obra de Suassuna, mas falha em recapturar o encanto e a autenticidade do original. Para os fãs, o filme pode deixar um gosto agridoce: uma sensação de rever algo querido, mas perceber que já não é mais o mesmo. Talvez um relançamento remasterizado do primeiro filme nos cinemas teria sido uma escolha mais impactante do que a produção dessa sequência tardia.