
Qualquer tentativa de explicar o tempo e a vida em voz alta corre o risco de tropeçar no silêncio.
Talvez por isso “A lei desse troço”, parceria de composição entre Emicida e Paulo Miklos, que abre o álbum “A Gente Mora no Agora” (2017), prefira cantar em vez de decifrar. Em vez de respostas, ela oferece passos, “terra e sapato”, e deixa que o tempo se revele no compasso de quem se refaz.
A canção nasce do encontro entre dois artistas de gerações e trajetórias diferentes, mas com algo em comum: a habilidade de transformar “ruínas” em poesia. Emicida, com sua escrita social, parece moldar o exato momento de transição vivido por Miklos, pós-Titãs. Já Miklos, artista múltiplo, entrega uma interpretação que é performance e testemunho.

“Trouxe o ontem no peito”, diz a canção logo de início, e esse verso carrega o tom do disco. Miklos não renega sua história, mas também não se prende a ela. Com a ajuda de Emicida, ele encontra uma forma de habitar esse novo espaço: o agora. Não o agora apressado que a vida exige, mas o agora vivido com presença que o tempo impõe a todos nós, onde chorar é tão legítimo quanto sorrir.
Aliás, o verso “chorar é importante igual sorrir” sintetiza uma ética que atravessa toda a música: o reconhecimento da vulnerabilidade como força. Não há superação milagrosa, não há reconhecimento fácil. Há alguém que se ergue dos destroços, que “mergulha nos fatos”, e que entende que viver é aceitar o imperfeito.
A composição, segundo a gravadora Deck, escrita entre papel, caneta e mensagens de celular, traduz essa fusão de versos que são pontes entre passado e presente, entre queda e reinício.
E é nesse ponto que a canção se torna “nossa”. Porque todos nós, de algum modo, trazemos “o ontem no peito” e tentamos morar no agora. E talvez seja justamente essa a tal lei desse troço: viver o agora com a inteireza de quem não nega o que passou, mas não se esquece de dançar, mesmo quando chove.