No Capítulo 11 do livro Cultura Livre, intitulado Quimera, o autor Laurence Lessig faz uma analogia entre a quimera — no contexto da genética, em que um único indivíduo pode ter dois DNA’s diferentes após um processo raro de fusão de embriões de gêmeos no útero — e a discussão sobre o copyright, alegando que esse é um debate sem um lado certo na história, pois há argumentos válidos e justos nos dois opostos.
O autor tenta mostrar que aplicar uma política totalmente radical quanto aos direitos autorais, o que ele define como “tolerância zero”, poderia ser um retrocesso no processo de criação artística e inovação. Por exemplo, a falta de referências musicais que um artista poderia ter por não ter condições financeiras de acessar o conteúdo de uma diversidade maior de bandas diminui a sua “bagagem” ou, musicalmente falando, seu repertório cultural que serviria de inspiração para novas criações. Ao mesmo tempo, nesse capítulo, Lessig ainda não emite uma proposta para resolver a questão da radicalização, mas entende que tratar o tema aplicando medidas extremistas não é o caminho correto, fazendo também uma ressalva e crítica à “banalização total” dos direitos autorais, o que faria da internet uma “terra sem lei”, sem responsabilidades e consequências a quem faz o uso indiscriminado da criação alheia, ou seja, o outro extremo pode ser algo que também tenha um desfecho desfavorável, pois o criador pode não ter o estímulo suficiente para concretizar sua obra, já que ele não teria controle algum sobre ela em um território digital totalmente anárquico.
No início do capítulo, Lessig cita H. G. Wells ao contar parte de uma história sobre um alpinista que cai de uma ladeira e se depara com uma comunidade “cega” e que, gradativamente, seus membros o julgam por ele não ter características comuns do grupo, como, por exemplo, a audição aguçada. Eles entendem que a visão (literalmente falando) do alpinista é um devaneio, algo que me remeteu ao mito da caverna de Platão.
Contudo, não entendo porque tantas letras foram usadas no capítulo para contar parte dessa história da “sociedade cega” sem que o autor chegasse a algum argumento de fato concreto, já iniciando em seguida uma nova abordagem, falando sobre quimera, sem fazer uma interligação direta entre a história do alpinista subjugado e direitos autorais. Foi uma abstração excessiva. Entendo que Lessig talvez quisesse argumentar que muitas vezes algo que nos parece “óbvio e cristalino” pode ser uma completa ignorância e desconhecimento para o outro, pois há muitas realidades distintas, culturalmente falando.

Por fim, o autor faz um comparativo entre um “furto cultural materializado” e o que eu intitulo como “apropriação digital imprópria”, ao ilustrar a diferença alarmante das penalidades judiciais, na Califórnia, de se furtar um objeto como um CD em uma Lojas Americanas — essa com pena mais branda — e a de se reproduzir na internet uma música que não lhe pertence a milhares de pessoas, essa sim com penalidades graves — apesar de não haver objeto materializado envolvido — voltando a defender que a relação de copyright e cultura é um tema complexo demais.
Lessig defende uma política que ele considera como “razoável” de copyright e revela que apresentaria uma proposta nesse sentido ao final do livro, todavia, ele entende que governamentalmente a postura adotada é cada vez mais intransigente, concedendo-se cada vez mais aos detentores do copyright o controle cultural da nossa sociedade em prol do combate à pirataria, o que, indiretamente, acaba extinguindo ou reduzindo drasticamente as possibilidades da imersão de novas criações com a imposição de um obstáculo para o intercâmbio cultural.