Em 2018, Fabricio FBC, um dos maiores MC’s da história do rap mineiro lançou S.C.A., o seu primeiro álbum e uma dos discos mais aclamados do ano passado, figurando nas principais listas de melhores do ano. Para a divulgação do disco, Fabricio criou a campanha “ouve meu álbum”, que envolveu milhares de fãs e mostrou grande conexão do artista com o público, algo raro nos tempos atuais.
Agora em 2019, ele retorna aos lançamentos com um novo EP, totalmente composto por feats e focado no trap. Nessa entrevista, Fabrício bateu um papo com o repórter João Victor Pena sobre sua participação em um documentário do Spotify, o lançamento desse seu novo EP, a importância de se abrir espaço pra novos artistas e muito mais. Confira:
Mais Minas entrevista FBC
MM: Depois de quase um ano do álbum S.C.A. você volta aos lançamentos com um EP de seis faixas e composto inteiramente por feats, a maioria deles com artistas com os quais você nunca havia trabalhado. Quando começou o desenvolvimento desse trabalho? Como surgiu o contato com essas novas parcerias?
FBC: Foi natural, surgiu via Instagram e Twitter, já trocava uma ideia com o pessoal. O Chris é meu cria, a pessoa mais nova assim que eu fui conhecer, que foi de agora, foi a Pacha Ana, mas o Da Paz eu já acompanhava da A Banca e o Xaga também já tinha um tempo que eu conhecia. Mais novo assim foi a Pacha Ana mesmo. Ano passado o Rodrigo Zin tinha lançado um disco e nele tinha o Zemaru, eu já troquei uma ideia com ele nessa época e veio desembolando, aí no começo desse ano a gente decidiu fazer um som e demorou pra lançar, tinha meses já que eu ia lançar. Então acabei lançando nesse disco, ia sair como single mas acabou saindo no EP mesmo. Mas do pessoal novo mesmo que conheci por agora foi a Pacha Ana, que foi indicada como um dos melhores discos de 2018 mas parece que o pessoal não conhecia ela muito, agora o pessoal “fragou” ela mais com esse trampo aí.
MM: Duas das faixas mais elogiadas desse novo EP foram com artistas menos conhecidos: Zemaru e Pacha Ana. Qual a importância de trazer artistas menores e os colocar em uma posição de destaque num feat? Por que você acha que certos MC’s tem tanto medo de puxar algum artista que está em baixo?
FBC: Primeiramente eu curto a arte, o hip-hop, o rap em si, sempre buscando ajudar para que o rap evolua e que as pessoas entendam que essa cultura vai muito além da questão estética e passa por isso tudo também, entendeu? Abrir espaço para essas pessoas também é uma forma de se garantir no futuro, são pessoas que acredito que o trampo vai vingar pela qualidade dentro do trabalho. Esse lance dos artistas que não dão moral pra quem tá em baixo eu acredito que varia de pessoa pra pessoa. A maioria eu acho que tem medo de perder o destaque em algum lugar. Também tem a questão da visibilidade. Fazer um trabalho com um artista menor não daria tanta visibilidade quanto gravar com um artista grande.
MM: A relação com o público é algo que sempre é lembrado quando se fala de FBC. Você é um dos artistas que mais interage com os ouvintes e isso foi o que gerou toda a campanha de divulgação do seu disco. Na época você fez até um paralelo com a situação política que vivíamos e a falta de conexão da esquerda com o povo. Hoje, depois de toda essa experiência com o SCA, sua opinião se mantém?
FBC: Claro que a minha opinião se mantém a mesma! É uma parte inerente da minha personalidade, eu sou assim, eu troco ideia com todo mundo. Só um trauma psicológico bem grave pra fazer que eu mude a personalidade. Eu sou essa pessoa. Eu sou isso aí, eu sou o FBC que todo mundo conhece já há tempos. Sei lá, talvez seja por isso que eu trampo tá demorando pra decolar mesmo. As pessoas dão valor pras pessoas que mudam, que se fazem. Mas é isso aí. Deus é mais, Deus na causa!
MM: No dia 8 de agosto, foi lançado um documentário do Spotify Brasil com diversos nomes do trap nacional e você foi um dos artistas escolhidos para figurar no projeto. Como surgiu o convite para ser um dos protagonistas dessa produção?
FBC: Bem, vou falar o que eu penso desse lance do Spotify. Ano passado surgiu a discussão se eu faço ou não trap, aí acho que eles me colocaram nesse documentário mais pra fazer uma “baguncinha” mesmo.
MM: Apesar de reconhecer e divulgar diversos artistas a produção vem sendo muito criticada por deixar nomes extremamente relevantes da história do trap nacional, de fora. Alguns deles até foram citados por você em seu Twitter, como Makonnen Tafari, Tribo da Periferia e outros. Qual a sua opinião sobre essa polêmica?
FBC: Eu acho que um documentário daquele tamanho não ia trazer todo mundo que já fez uma parada ou que ajudou a construir a cultura. Nomes foram deixados de fora. Eu acredito que o Spotify e a Amanda (apresentadora do documentário) quiseram mostrar o que estava acontecendo no momento, as coisas que estão relevantes agora, de um ano. Os caras em Guarulhos e o Tribo da Periferia já tem anos que estão fazendo essa parada. Só que o trap só chegou a ter essa visibilidade de um ano pra cá. Esse é o meu pensamento, mas nunca se sabe. Jornalista sabe como que é.
Veja o documentário abaixo:
MM: Hoje o rap é um estilo bem aberto a mistura de gêneros. O número de colaborações com artistas do funk, pop e outros é grande e o público costuma aceitar bem essas parcerias. Você acha que os artistas também estão mais abertos e apreciam de fato essa musicalidade ou a grande maioria faz apenas por questões comerciais?
FBC: A grande maioria eu acredito que faz por questões comerciais. Tem muito trabalho por aí que mistura gênero e não tem tanta visibilidade, porque tem muita gente fazendo som de qualidade tanto no funk quanto na música pop e não tem a visibilidade e não consegue chegar pro grande público. O bagulho é esse. O que acontece mesmo é que o público que consome rap tá aumentando e os artistas que tão ganhando dinheiro querem ganhar mais dinheiro. No final tudo são negócios. E a questão de tudo ser negócio ajuda também quem tá em baixo. Igual o Sidoka. Quando ele chegou já tinha uma estrutura pré-estabelecida pra ele se firmar ali, e isso é bom. É bom que quem tá em cima pense nos negócios e crie uma estrutura, pra quem estiver chegando daqui pra pre frente já tê-la. Pensa bem, 15 anos atrás não se tinha rádios, não se tinha boates, o rap não tocava na televisão e por aí vai.
MM: O rap mineiro vive um excelente momento em sua história. Há um grande número de artistas lançando trabalhos de destaque e também há uma variedade musical muito grande, com artistas muito originais e sem ser apenas mais uma réplica do rap gringo. Pra alguém de dentro da indústria, o quão gratificante é essa nova etapa do rap em nosso estado?
FBC: Bem, a autoafirmação é muito importante, principalmente pra quem tá chegando e quer chegar, já tá trabalhando. É o lance que falei lá na outra pergunta, é a estrutura. Quando se tem uma estrutura pré-estabelecida é muito mais fácil desenvolver um trabalho. A gente teve que fazer as coisas na marra. Criar conexões, criar contatos, criar estrutura. A gente apanhou muito. Hoje os meninos que tão chegando não vão apanhar tanto assim. Mas precisamos concordar que fora do eixo tudo é mais difícil e BH, na minha opinião, se autoafirmou e vai demorar pra essa fase passar, porque realmente temos artistas de nível muito alto e qualidade excelente nas produções e nas letras.
O profissionalismo saltou num grau estratosférico. A gente faz tudo com qualidade e consciência que aquilo são negócios, que música é um negócio e que estamos trabalhando. Não é diversão. Somos profissionais pra entender que a gente faz dinheiro e pessoas dependem desse dinheiro. A gente sustenta famílias direta e indiretamente. A gente não vai parar de trabalhar, e não parando de trabalhar, quem chegar vai acompanhar esse ritmo. A gente tá gerando trabalho, não só na produção e no rap em si, mas também com seguranças na boate, pessoal que vende bala e chiclete na porta. Quantas boates em BH hoje tocam rap? Tem lugares na Savassi (bairro de Belo Horizonte) que tem dias específicos pra cultura hip-hop. Isso antes não tinha. Essa é uma conquista nossa, de uma luta que é diária até hoje. Graças a Deus que a gente chegou!
MM: Por fim, matar MC’s nas linhas ou matar inimigos no Free Fire?
FBC: Hahaha! Pelo jeito que as coisas tão caminhando, com esse lance de trap e esvaziamento das questões das lutas e MC’s abandonando nossas demandas, acho que tá mais difícil matar inimigos no Free Fire. Tá muito raso. São poucas pessoas que se dedicam a passar uma mensagem e criar algo que seja realmente relevante pra atual situação do país. A gente vê crescendo a violência contra… tipo assim, sempre existiu, mas hoje tem mais denúncias e a gente vê mais descaradamente a violência contra o negro, contra a mulher e a gente entende de onde vem essa violência: da estrutura machista e racista. E vendo MC’s no trap, MC’s no funk, antes a consciência era maior e o MC se dedicava mais às letras, ele entendia o seu papel na sua comunidade e pro resto da sociedade. Isso se esvaziou e MC’s perderam essa essência, então fica fácil matar esses caras nas linhas, porque realmente o nível tá muito baixo, muito baixo.
Falo isso no trap, porque os caras do rap mesmo, tipo assim, eles tendem a dividir o rap e o trap. Mas na verdade é tudo cultura hip-hop. Étudo uma música rap. Eu acho que o bagulho fica mais fácil quando os caras deixam essa responsabilidade de lado. Mas não tem como deixar isso de lado, é algo inerente a cultura. As pessoas que tentam esvaziar isso, elas vão se perder no caminho e quem vai chegar lá na frente vão ser as pessoas que tiveram realmente uma responsabilidade com isso, com a nossa cultura, com os jovens da periferia ou não. A luta antirracista, anti-homofobia, antimachista é uma luta de todos, não só do negro, da mulher ou do LGBT. É isso que eu penso. Tá mais difícil matar no Free Fire, hahaha.
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