Um dos erros mais grosseiros quando se analisam os regimes políticos é o conceito de totalitarismo. Eu já abordei isso antes em um artigo e repito: nada é mais danoso para as democracias que o conceito de Hanna Arendt. Segundo os seguidores dessa ideia, os regimes nazista, fascista e comunista estão todos no mesmo barco, um erro óbvio.
O grande problema é que aqueles que compartilham dessa opinião, em geral, a fazem de modo falso, simplesmente para confundir a cabeça do leitor de modo que ele pense que é tudo farinha do mesmo saco. É daí, por exemplo, que saem ideias errôneas como o nazismo (regime de extremíssima direita) ser de esquerda.
Para desmascarar essa ideia podíamos simplesmente apontar seu mais óbvio erro: foi o exército soviético quem derrotou a Alemanha na segunda guerra, mostrando que ambos os regimes não têm nada de similar.
Outro bom expoente que poderíamos mostrar acerca desse erro conceitual se dá no fato do que vem a ser democracia, que para alguns oportunistas só serve se for dentro da lógica burguesa, outra grande besteira. Para estes, a Venezuela, onde Nicolás Maduro foi eleito e está no poder desde 2013 configura uma ditadura, entretanto na Alemanha, onde Angela Merkel ocupa o mais alto posto do país desde 2005 não é. Faz sentido? Nenhum!
O único sentido que faz aqui é a verdadeira ideia de se endemonizar a esquerda, papel que está bem comum desde 2013, tendo seu ápice com o golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff e a eleição do líder extremista Jair Bolsonaro em 2018.
Embaralhar conceitos de modo a dificultar a assimilação dos leitores está na moda, seja espalhando mentiras pelas redes, popularmente chamadas de fake news, seja através da negação de conceitos históricos, como no caso do que vem a ser totalitarismo, ditadura e democracia.
Em um momento de guerra de informações, outro ponto que merece destaque é a falta de responsabilidade dos editoriais de alguns semanários progressistas, com destaque para o The Intercept, que ficou famoso graças aos vazamentos de mensagens dos procuradores da Lava Jato, algo que evidenciou como toda essa operação foi uma verdadeira cortina de fumaça para impedir a candidatura de Lula nas eleições de 2018.
De maneira lamentável, o jornal criticou uma parlamentar federal que comemorou em suas redes sociais o aniversário de morte de Lênin, um dos líderes da Revolução Russa em 1917, taxando-o de “ditador genocida”.
Imaginar que em tempos onde as ideias fascistas crescem a cada dia, é bem decepcionante que também entre os veículos de imprensa que não corroboram com a atual perda de direitos, observemos os mesmos erros conceituais que extremistas e oportunistas.
Chamar Lênin de “ditador genocida” é um grotesco erro histórico. Como é possível taxá-lo com tais palavras sendo este o principal responsável de tirar a Rússia de um regime czarista semifeudal levando a então União Soviética ao posto de um dos mais desenvolvidos países do globo?
Ditadores genocidas são figuras como Hitler, Mussolini, Pinochet, Stroessner, Papa Doc ou Costa e Silva, todos famosos por seus regimes onde pensar diferente era considerado delinquência, não à toa quase todos foram condenados por crimes contra a humanidade!
Essa mistura de conceitos é uma das coisas mais sujas quando se debate o século XX. Democracias populares são taxadas de ditaduras, ditaduras de democracias e tudo se transforma de acordo com o interesse do autor, não é assim que se faz! Isso não é ciência, é a mais clara picaretagem!
Só podemos entender de fato o que tem por trás dos que agem assim, quando passamos a compreender que democracia burguesa e democracia operária não são sinônimas, ditadura burguesa e ditadura do proletariado também não são e totalitarismo está relacionado ao conceito de ditadura burguesa, pois na ditadura do proletariado quem manda são os conselhos populares eleitos (democracia operária), sendo impossível, portanto, tal denominação.
Esses lados da história poucos contam né? Não seria mais interessante disseminar os conceitos históricos de acordo com cada regime para que o leitor possa interpretar e ter sua opinião independente?
É uma pena que ainda seja um desafio tão grande pedir o óbvio a esses figurões: opinem contextualizando, não misturem conceitos e principalmente: tenham compromisso com a verdade.
* Pedro Luiz Teixeira de Camargo (Peixe) é Biólogo e Professor, Dr. em Ciências Naturais e Docente do IFMG.
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