A linha chilena fez mais uma vítima. O fato ocorreu próximo à cidade de São João del Rei e a pessoa, mesmo tendo um corte profundo e sangramento intenso, recebeu o socorro médico rápido e sobreviveu, conforme noticiado aqui no portal Mais Minas.
Acidentes assim acontecem diariamente no Brasil e, em alguns deles, o envolvido sofre amputação de uma ou mais partes do corpo; em casos mais graves, o corte produzido por linha com cerol ou por linha chilena pode ser fatal.
Você conhece aquela gíria “vou passar o cerol”? Não é por acaso que no mundo do crime ela é usada como sinônimo de “vou matar alguém”.
Você sabe a diferença entre linha com cerol e linha chilena?
O cerol é feito através uma mistura artesanal entre cola e, pó de vidro ou pó de ferro.
A linha chilena exige a utilização de uma máquina para a sua produção, sendo utilizada uma mistura de pó de quartzo e óxido de alumínio. Não é possível fazer esse processo manualmente.
Em termos de comparação, o poder de corte da linha chilena é quatro vezes maior que o poder de corte da linha com cerol, sendo apelidada por alguns de “linha assassina”, devido à enorme facilidade com que ela corta diversos objetos.
A utilização dessas misturas pelos “pipeiros” nos preocupa muito, principalmente sabendo que os casos que envolvem esse tipo de linha não param de aumentar: o Hospital de Pronto Socorro João XXIII, que é referência no atendimento de urgência e emergência em Belo Horizonte, teve um aumento de 50% no atendimento de vítimas da linha chilena, no período compreendido entre janeiro e maio deste ano, em comparação com o ano anterior, conforme dados repassados pela assessoria de comunicação do local.
Quem são as vítimas?
Você sabia que diversos animais, principalmente as aves, são lesionados ou até mortos por essa “linha assassina”?
Pedestres, ciclistas, motociclistas, praticantes de asa-delta, parapente ou similares completam essa triste listagem.
Os motociclistas merecem uma atenção especial, pois figuram como as maiores vítimas da linha chilena. Por estarem conduzindo seus veículos, a linha fica presa no pescoço, na face, no braço ou na mão e o atrito pode causar ferimentos bem profundos.
Você motociclista, redobre sua atenção! Use sempre roupas resistentes, luvas, capacete com viseira fechada, protetor de pescoço.
A legislação de trânsito obriga o uso do aparador de linha fixado no guidão do veículo somente para motofretistas e mototaxistas, porém acredito ser essencial o uso por parte de todos os condutores de veículos com 2 ou 3 rodas. Esse dispositivo ajudará extremamente a salvar suas vidas.
Outro aspecto interessante que merece ser tratado é que a linha chilena ao entrelaçar fios de energia, telefone e internet, faz com que ocorra a interrupção do fornecimento desses serviços nos bairros e comunidades, causando um enorme transtorno para a população.
Nesse caso, o perigo pode ser muito maior: ao enrolar nos fios, a linha chilena corta a camada de borracha existente neles, podendo provocar uma descarga elétrica na pessoa que a manuseia.
Como socorrer uma pessoa?
Manter a calma é primordial em qualquer acidente, e o atendimento rápido, nesse caso, é vital para a sobrevivência do ferido.
A enfermeira Juliane Kilian Santos falou comigo e proferiu algumas dicas imprescindíveis para ter sucesso no atendimento às vítimas da linha chilena:
- O primeiro passo é ver as condições da cena do acidente; se todos estão seguros;
- Logo após, é importante conversar com a vítima tentando mantê-la acordada;
- Em seguida, ligue para o Samu (192) e repasse as informações necessárias pelo telefone;
- Para reduzir o sangramento, é necessário colocar um pano limpo sobre a lesão, comprimir e aguardar a chegada da ambulância;
- Caso não haja ambulância ou ela demore até chegar ao local, leve a vítima rapidamente para o hospital mais próximo.
É crime soltar pipa?
Todos nós sabemos que soltar pipa é uma diversão muito agradável para crianças, adolescentes e até adultos, contudo exige responsabilidade.
Soltar pipa não é crime, no entanto valer-se de misturas para tornar a linha cortante é uma ação que pode ser objeto de enquadramento na esfera penal.
No âmbito federal brasileiro, nós carecemos de uma legislação específica que criminalize a prática de comercialização e o uso da linha chilena ou linha com cerol. Dois Projetos de Lei sobre o tema (P.L.2.446/2011 e P.L.4.378/2019) estão em tramitação no Congresso.
Entre as autoridades policiais há ainda divergência sobre o enquadramento penal da conduta, justamente pela falta de uma norma penal específica.
Em ações policiais, observa-se que a pessoa que for flagrada soltando pipa com linha chilena ou utilizando-se de cerol pode vir a ser punida pelo crime tipificado no art. 132 do Decreto-Lei 2.848/1940 (Código Penal), cuja pena pode atingir 1 ano de detenção. No caso de lesão corporal ou morte da vítima, o autor responderá por estes crimes.
E o comerciante é punido?
A lei não poderia deixar de separar uma pena mais grave para quem comercializa os produtos. Quem tiver em depósito, vender ou expor à venda linha com cerol ou linha chilena, a punição seria o art. 7°, inciso IX, da lei 8.137/1990 que define os crimes contra as relações de consumo, cuja pena pode chegar a 5 anos de detenção.
E em Minas Gerais?
Além das normas supracitadas, muitos estados e municípios possuem legislações próprias sobre a matéria. Em Minas Gerais, no dia 23 de dezembro de 2019, foi publicada a Lei 23.515/2019 (em substituição à Lei 14.349/2002) que proibiu a comercialização e o uso de linhas cortantes em pipas, papagaios e similares.
Quesitos importantes da lei:
– Quem descumprir o texto legal terá que pagar uma multa de R$ 3,7 mil e a linha será apreendida;
– Caso o autor for pego comercializando novamente a linha, a multa poderá chegar a R$ 180 mil;
– Além do pagamento da multa, o infrator estará sujeito às responsabilidades civil e penal cabíveis;
– Se a linha estiver em poder de criança ou adolescente, os pais ou responsáveis legais serão notificados da autuação, e o caso será comunicado ao Conselho Tutelar.
A aprovação de uma nova lei estadual sobre o assunto foi muito elogiável, pois mostra que as autoridades estão preocupadas com o crescente número de casos de pessoas hospitalizadas e, além do mais, oferece um suporte legal para as instituições fiscalizadoras agirem para a proteção da vida.
Há solução?
Acredito que a porta para amenizar o problema em questão exige um esforço conjunto entre sociedade e órgãos públicos. A produção das linhas dentro de residências e comércios dificulta a ação dos órgãos públicos. É essencial que a população denuncie as pessoas que continuam insistindo em violar a lei e colocar vidas de inocentes em risco. Ligue 181 (Disque-Denúncia), 190 (Polícia Militar) ou 191 (Polícia Rodoviária Federal). O anonimato é um direito seu.
Por que é relevante denunciar?
A sua manifestação aliada à atividade de inteligência realizada pelas polícias e guardas municipais possibilitará um mapeamento dos locais onde as pessoas usam e comercializam as linhas. Esse trabalho é fundamental para balizar ações policiais, não só repressivas, mas também preventivas, junto a uma determinada região, bairro ou comunidade.
Por fim, não se esqueça: a segurança de uma sociedade começa dentro de cada lar. Se seu filho usa linha cortante para soltar pipa, jogue fora e mostre a ele o perigo daquilo para a vida dele e de outras pessoas. Vamos dar um basta nisso. Contribua para uma sociedade melhor.
Até a próxima!
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