Menu

Atração do Planeta Brasil, Delatorvi fala com exclusividade ao Mais Minas

23/01/2020 às 17:40
Tempo de leitura
14 min

Você já ouviu falar de Vitor Hugo Teixeira, de 26 anos? Bom, talvez não com esse nome. Mas atendendo pelo vulgo de Delatorvi, o jovem, natural de Nova Lima, cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, já consolida seu espaço no rap nacional há alguns anos. Tendo feito parcerias com grandes artistas como Djonga, BC Raff e Sidoka e dotado de uma lírica afiada, focadas nas questões raciais e consciência de classe, o “Jovem Prince” do bairro Cristais será uma das atrações do Festival Planeta Brasil, que acontecerá em BH, neste sábado (25).

Pensando na apresentação de Delatorvi num dos principais festivai do Brasil, o Mais Minas bateu um papo exclusivo com o rapper sobre seu estilo, evolução, expectativas para o sábado e importância de um evento como este para sua carreira e ideologia. Confira (mas não sem antes dar play num som do artista):

YouTube video

Mais Minas entrevista Delatorvi

Participação no Planeta Brasil

MM: Delatorvi, qual é o sentimento de tocar pela primeira vez num festival do tamanho do Planeta Brasil e principalmente por este acontecer “do lado de casa” e num dos principais símbolos de Minas Gerais, o Mineirão?

D: O sentimento é “cabuloso”. Sim, é a primeira vez que estou me apresentando no Planeta Brasil, e é como eu já falei, eu sempre vi o evento como ouvinte, como um mero fã. Já fui em um há quatro anos atrás, no show do Racionais, e foi incrível, um dos melhores festivais que já fui na minha vida. Tive a oportunidade de já ir em muitos, mas sei que esse é gigantesco e estar ali para mim é uma honra. Representa toda a luta da minha equipe, a minha, da minha carreira, então, para mim, além de ser uma honra, é uma motivação. Talvez a maior que já tive na minha carreira. Eu nunca tive essa oportunidade e eu sempre quis ser ouvido. Então o resumo é isso. O sentimento é de honra.

Do lado de casa ali né?! Assim, BH, Mineirão, que é a simbologia de futebol, eu amo futebol, acredito que o futebol faça parte da poesia, da métrica do hip-hop, do rap, se movimentar, marcar o gol, “tirar onda”, tá ligado? Isso é muito futebol. Estar tendo essa oportunidade é como se eu tivesse jogando aquela semifinal contra a Alemanha e tendo a oportunidade de vencer, tá ligado? Não tomar 7 a 1 (risos). Os negão calando a boca de vários que desacreditaram de nós. Principalmente os white (brancos). Eu só agradeço.

Atração do Planeta Brasil, Delatorvi fala com exclusividade ao Mais Minas

Crédito da foto: Delatorvi/Produção

MM: A sua música tem como característica um viés ideológico de protesto e combate, principalmente na questão racial e na luta de classes. Qual a importância de você levar sua mensagem para um público tão grande e com as características do que estará no Planeta Brasil?

D: Essa questão do protesto, por mim eu sempre joguei no viés da construção da identidade. A luta racial, a luta de classes, as vezes leva o social antes do racial e eu levo o racial antes de qualquer coisa, porque eu sei da necessidade disso. O silenciamento ele é constante em vário pontos, tá ligado?! E eu estando num festival grande, com a oportunidade de passar essa visão para várias pessoas, amanhã, no outro dia, quando eu estiver ali na rua, uma pessoa, senhora, vai querer vir perguntar, encostar no meu cabelo, por exemplo, situação que ocorreu ontem. Então vai continuar acontecendo racismo com todos, por isso quero deixar isso alerta para que a gente possa ter uma resposta. Uma resposta direta. E não absorver e perdoar, tá ligado? Eu acho que já passou da época do perdão, para nós, nessa parte. Acho que está na hora da gente chegar de igual, “com o mesmo número de gasolina no tanque”.

Então eu acho que a importância de levar a mensagem para um público grande e com as características do Planeta Brasil é que, apesar da diversidade, elas não é um viés explícito no evento. A gente sabe quais as pessoas de características que mais comparecem por causa da questão sócio-racial. Mas aí soma com a questão racial de não ter, as vezes, pessoas parecidas comigo ali no palco, então meu objetivo é levar muitas pessoas parecidas comigo. Então esse é o principal viés ideológico como, entre aspas, protesto, mas mais de combate. Ser a gente já é um ato político.

Posicionamento e estética

Para ouvir enquanto lê:

MM: Quem acompanha sua carreira sabe que muitas vezes o seu posicionamento e postura te prejudicou profissionalmente. Pode falar mais sobre isso/exemplificar?

D: Verdade. Muitas vezes meu posicionamento e postura me prejudicaram profissionalmente. A saúde mental é uma parada muito afetada quando você começa a envolver arte e personagem com vida real, e o rap é muito isso. Querendo ou não, por mais que tenham as partes ali explicitamente de atuação, tem a parte da sua vida, tá ligado? Você canta a realidade, você canta o crime, você canta o sofrimento, você canta coisas que você vivenciou. Então não são só glórias. Então eu acho que isso as vezes me atrapalhou porque eu não consegui filtrar da forma com que muitos artistas conseguem de forma profissional. Abaixar a cabeça para várias situações que a gente sabe que não é justo, nem consigo mesmo, nem com outras pessoas. Eu tentei muitas vezes falar por muitas pessoas e muitas vezes essas pessoas não tentaram falar por mim. E elas não são obrigadas porque elas precisam comer. Isso infelizmente tirou comida da minha mesa, as vezes falar umas verdades que as vezes as pessoas preferem não falar.

Mas eu acredito que talvez fosse necessário, porque é assim que a gente traz outras pessoas, com uma linha de pensamento parecida, que pode ajudar. Isso é a construção de identidade. É todo um processo. Eu acredito que foi um processo necessário para a minha arte, como Delatorvi, mas ainda mais para outras pessoas que tão vindo e tem um receio. Talvez o mercado vai se abrir para esse tipo de visão. E um exemplo é que já perdi show por falar uma coisa ali. Questão racial no Brasil atinge demais e é incrível né porque somos (os negros) 56% da população, mas a gente não tem um local de fala, um poder estrutural para não ser silenciado. Porque quem comanda os eventos a gente sabe, né? Então fica difícil. Às vezes soa como ofensa para eles uma coisa que não é ofensa, que é só estrutural. Então talvez a redefinição do sistema estrutural racial no Brasil seja a forma mais importante para modificar isso e eu estou aí pra isso.

Twitter

Delatorvi citou ainda durante a entrevista que seus posicionamentos também o prejudicaram no bloqueio de suas contas no Twitter, importante ferramenta profissional de divulgação do artista, nada menos que quatro vezes.

“Sofri silenciamento por falar sobre questões raciais e algumas coisas do tipo, recebi inúmeras denúncias, sendo que enquanto isso tem pessoas com comentários de pedofilia, assédio, racismo, que não foram bloqueados, que não foram silenciados e isso é bizarro num país como o Brasil, que apoia o genocídio negro e indígena. Enfim, minorias silenciadas é o resumo e eu faço parte dessas minorias. E mesmo sendo um artista que tá criando relevância não deixa de ter o Uber que não para pra mim, o táxi, então isso sempre vai acontecer. Acredito que a gente não é obrigado a lidar com a censura, a gente tem que bater de frente”, desabafou o artista.

Delatorvi

Crédito da foto: Delatorvi/Produção

MM: E o que você acha que mudou nesse meio tempo entre você ser prejudicado por suas posturas até você tocar num dos maiores festivais de música do país?

D: Primeiramente, números. Quando você faz números você é menos questionado. Independente da qualidade. Isso é um fato, na minha opinião, absoluto. Segundo, quando você aplica uma estética que, por exemplo, há quatro anos atrás eu já tinha essa estética de dreads curtos, roupas curtas, calça apertada e tal e trouxe artistas. Quando você aplica, quando você é visionário, vamos dizer assim, isso te ajuda, mesmo que você tenha a parte negativa da sua personalidade, como eu tive, explosiva, isso me ajudou muito porque vários artistas que eu colaborei, que eu colei, soltei, que eu comentei sobre cresceram também, então foi um bagulho coletivo. Mostrou que a gente não tava completamente errado. Hoje o trap é a música com maior ascensão dentro do hip-hop no Brasil. Cresceu demais em questão de números, acessibilidade, lifestyle, estética e toda essa somatória leve ao nome Delatorvi, talvez. “Pô esse cara fazia naquela época e agora como é que tá”.

Então eu acho que isso mudou. O Planeta Brasil me viu como artista profissional, que independente do meu posicionamento, da minha forma de passar a visão, me viu como uma pessoa preparada para expor aquilo que eu sempre expus, entendeu? De forma artística, que é o mais importante. Então eu me considero hoje um artista mais maduro, justamente por isso, por ter ciência disso e de saber qual é o meu legado, que é trazer pessoas parecidas para que as pessoas possam ouvir essas pessoas, entendeu? Então eu acho que isso foi a grande mudança. A partir dos números e a partir da estética ser sugada por pessoas do mainstream, as pessoas perceberam que eu poderia fazer parte do mainstream. E é isso que eu quero.

É possível enxergar aspectos interessantes da estética e lírica de Delatorvi neste clipe, de 2017:

YouTube video

Leia também: Aka Rasta fala com exclusividade ao Mais Minas sobre produção, desconstrução, cena e projetos

Espaço e carreira

MM: Qual a importância da presença de artistas locais, mineiros, como você e o Sidoka, principalmente no que tange a cultura marginal, num evento como este?

D: Mano… simplesmente “BH é nois”, tá ligado?! É muito foda ter as próprias gírias dentro de um festival nacional que muitas vezes não tem as pessoas da onde a gente está. E Minas é um estado muito atrasado, pois apesar de estar no eixo ele não era visto como eixo como Rio de Janeiro e São Paulo. A gente sempre ficou ilhado ali. Mas agora temos artistas expressivos. Não somente eu e Sidoka. O Djonga já veio há um tempo atrás trazendo isso. Mesmo sendo na mesma época que nós, ele conseguiu escancarar a porta para as pessoas verem as diferenças. A gente tem artistas diversos aqui.

Então eu acredito que tá crescendo demais. Você vê as mulheres chegando de forma intensa, tá ligado? Djs, produtores, beatmakers, rappers, então não somente eu e o Sidoka, mas pessoas de BH, no geral, sendo ouvidas em outros lugares, não somente por tocar no evento, mas por você ouvir falar. Não era assim antes. A gente era visto, querendo ou não, só por questões de batalhas de rap e a gente sabe que nem sempre isso põe dinheiro no bolso. Para mim o ponto principal é poder inspirar as pessoas de BH e ver que dá para por dinheiro no bolso com a música mesmo não estando no eixo. É difícil?É. Mas dá para colocar. Jovem Prince, Doka!

Confira “Água”, colaboração entre Delatorvi e Sidoka, que se apresentarão juntos no Planeta Brasil, para o álbum ‘Doka Language’:

YouTube video

MM: O que você espera que sua participação no Planeta Brasil traga à sua carreira?

D: O principal é visibilidade. Visibilidade é muito importante pra eu dar continuidade na minha carreira e prestígio, que eu acho que muitas vezes faltou. Não que eu ache que o público me desdenhou, mas eu acredito que foram tempos né. Agora tá no tempo e na intensidade do que eu amo fazer, que é a trap music. Então eu acredito que eles reconhecerem o trap no Brasil, de verdade, não somado somente a música pop, vamos dizer assim, por mais que eu possa vir a fazer isso um dia, mas só de estar reconhecendo, para mim já é um passo importante.

MM: Você é um artista que toca tanto em festas menores, como a “Holy Weed” quanto em grandes eventos como Virada Cultural e agora o Planeta Brasil. Como você enxerga essa dualidade na sua carreira e na dos artistas que seguem essa linha?

D: É foda você falar isso porque às vezes eu não tenho dimensão de quem vai, a “Holy Weed” é muito foda, foi uma festa realizada pelo meu bro Loc Dog que tá sempre comigo nos shows, é um dos pioneiros da cena trap no Brasil e em BH, e eu só estou dando seguimento. E mano, tocar em festas underground e tocar em evento grande, para mim o sentimento é sinceramente o mesmo, a única coisa que muda é o cachê né, e a gente precisa comer, a gente sabe. Então essa dualidade, para mim, só dá um impacto na questão monetária mesmo. Mesmo tendo dez mil pessoas em um e no outro tendo 200, para mim é tão interessante quanto, desde que o cachê seja bom. Eu acho que isso é hip-hop. Tudo isso vai estar na minha memória, todo esse amor vai estar em mim. Cada pessoa. Eu já toquei pra duas pessoas, três pessoas, meus sentimento é exatamente o mesmo. E eu espero que esse sentimento de tocar para multidões, agora, seja o mesmo, exatamente a mesma coisa. É o que eu amo. Acho que a diferença maior tá na “cama” que pode dar na hora de moshar e pular no público (risos).

Então, mano, eu consigo lidar bem com essa dualidade porque eu gosto de lidar com isso, eu gosto de estar na rua. Eu não sou um cara que gosta só de estar de carro, de estar em lugar elitista, reservado. Eu gosto da minha casa igual eu gosto de rua, então para mim é a mesma fita, eu gosto de pião. Porque eu sou ouvinte de hip-hop antes de ser MC, eu sempre fui em shows, sempre fui fã, então para mim é um prazer, tocar, ir e sempre vai ser, hip-hop para sempre.

MM: O que o público pode esperar do seu show, no sábado?

D: O público pode esperar um show foda. O tempo vai fechar, literalmente. Vai escurecer, literalmente. Vai ser muito foda. Estou preparando um show muito foda pra vocês. Estético, muito swag no palco, vocês vão achar que estão num desfile de moda (risos). E mano, estou preparando o maior show da minha vida, com certeza vai ser o melhor show da minha vida, das nossas vidas, dos meus amigos, da minha equipe, da equipe Antehype Music, das pessoas que me apoiam, o Sleepwalkers tá apoiando, o Benerick. Eu espero que seja o melhor show possível, os negos da Savage MOB vão estar lá, meus manos LordPrince e DevilGreen, de São Paulo vão estar presentes também, então para mim é muito bom. É o que eu penso. Não tem energia negativa que me sobressaia. Vai ser muito foda e provavelmente vai ser o melhor show da minha vida.

YouTube video

Delatorvi deixou ainda um recado:

Só agradeço a entrevista meu mano. Eu acredito muito no hip-hop de Minas Gerais e eu desejo que cada um de vocês que estão lendo isso acreditem nos seus sonhos independente de qual seguimento, “demorô”?! Tamo juntão gang! Jovem Prince te impressiona!!!

Leia também: Eles movimentam a cena “underground” da música marginal mineira; conheça

COMENTÁRIOS