Sessenta anos após a publicação do livro “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, o interesse pela obra da mineira Carolina Maria de Jesus só aumenta. Nos últimos tempos, principalmente a partir do centenário de seu nascimento, em 2014, a escritora ganhou peças de teatro e livros sobre sua trajetória.
Além disso, ganhou uma biblioteca com seu nome no Museu Afro Brasil, em São Paulo, que possui cerca de dez mil itens numa coleção especializada em escravidão, tráfico de escravos e abolição da escravatura na América Latina, Caribe e Estados Unidos. A fictícia escola estadual que dá vida à série “Segunda Chamada” da Globo também leva o nome da autora.
Apesar de todo esse avanço em relação a sua obra, Carolina ainda segue invisível num país que deveria valorizar mais o seu legado. As escolas sequer mencionam seu nome nas salas de aula, nem mesmo as faculdades, especialmente nos cursos de Letras, não discutem a sua obra. “Quarto de Despejo”, sua obra principal, deveria ser objeto de estudo em todas as escolas, mas não é. Aliás, também não é tão fácil encontrar esse livro nas livrarias, físicas e virtuais.
Quarto de Despejo
Os diários de Carolina Maria de Jesus foram editados em um livro chamado “Quarto de Despejo” (1960), que rapidamente se tornou um dos livros de maior sucesso na história editorial brasileira. À época do lançamento, as primeiras dez mil cópias esgotou em três dias e, desde então, a obra foi traduzida para treze idiomas diferentes: holandês, alemão, francês, inglês, checo, italiano, japonês, castelhano, dinamarquês, húngaro, polonês, sueco e romeno. Haveria uma décima quarta tradução para o russo, segundo a escritora mineira Elzira Divina Perpétua, porém não confirmada. A obra se tornou um best-seller internacional, mas apesar de seu sucesso, em poucos anos ela voltaria a morar nas favelas e depois morreria na pobreza.
A data de nascimento de Carolina é incerta, mas o registro do seu nascimento data de 14 de março de 1914, na cidade mineira de Sacramento. Depois de frequentar a escola primária por dois anos em uma instituição espírita, desistiu, partiu rumo a São Paulo, onde passou a escrever um diário relatando seu cotidiano na favela do Canindé, que não existe mais, com seus três filhos: Vera Eunice, João José e José Carlos.
Suas anotações no diário descrevem sua luta para superar a pobreza, vivendo em condições precárias, à margem da sociedade. Autoconfiante, ela não seguiu os padrões sociais da época, como na questão do casamento. Ela nunca se casou e rejeitava o matrimônio declaradamente por “não querer obedecer a nenhum homem”.
Carolina também faz menção a políticos da época e suas palavras vazias: “O Brasil precisa ser dirigido por alguém que já passou fome. A fome também é professora.” (pág 29).
Embora “Quarto de Despejo” tenha sido aclamado internacionalmente, a obra caiu no ostracismo não muito tempo depois, talvez por sua recusa em obedecer às normas sociais impostas pela sociedade. Hoje, a maioria dos brasileiros não reconhece a importância de Carolina Maria de Jesus. Suas histórias humanizam a pobreza e a fome, chamando a atenção para as vidas humanas por trás de fatos e números. Ela descreve a dor de ouvir seus filhos pedirem mais comida porque ainda estão com fome e não ter comida em casa.
Viva Carolina Maria de Jesus!
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