Nas diversas sociedades do passado, uma classe de pessoas acabou por angariar respeito e uma posição, digamos, privilegiada: essa classe foi a dos intelectuais, dos sábios e dos eruditos; isso se deveu a vários fatores, da contribuição em questões técnicas até o puro poder de convencimento. Se foi assim no passado, no presente isso é ainda verdadeiro: uma classe de pessoas dedicadas ao pensamento e ao conhecimento é de extrema necessidade para qualquer sociedade, não sendo de nenhum modo um luxo do mundo ocidental. Todos os povos têm seus eruditos, ainda que arremedos de eruditos em alguns casos, e eles desempenham um papel importantíssimo no arranjo social. Porém, poderia esse intelectual fazer mal à sociedade da qual faz parte? Poderia ele corromper o tecido social e introduzir um germe de destruição?
Bem, para responder a essas perguntas devemos compreender o modo como o homem pensante se coloca no mundo social e como ele se relaciona com o restante dos elementos desse mundo. A primeira coisa a ser compreendida é como ele é visto pelos demais membros do corpo social: geralmente, ele é reconhecido como uma autoridade a ser ouvida, um sujeito às vezes revestido de autoridade quase divina, uma potência que parece ao homem comum e ao burguês impressionável sobre-humana – não poucas vezes na história, o papel de intelectual foi exercido por clérigos, e em muitas sociedades isso segue desse modo. Sendo o intelectual protegido da opinião pública, que não compreendendo suas ideias, admira a sua posição de prestígio, cabe ao homem de pensamento ser julgado por outros homens de pensamento. A opinião popular corrente, não sendo capaz de acompanhar a discussão, toma para si somente o resultado dela, que se supõe mais cheio de verdade, uma vez que foi submetido ao filtro do debate. Esse processo, porém, pode não acontecer, basta que:
1) Não existam intelectuais em número suficiente e cada um fale como que sozinho, sem interlocutor que compreenda profundamente as ideias e procure nelas erros e acertos.
2) Haja um corpo de intelectuais engajados em uma mesma causa e que estejam preocupados em manter um discurso político, ideológico e cultural uniforme, dando ao restante da sociedade a impressão de um consenso.
Nesses casos, cada ideia propagada não encontra nenhum julgamento, e sua disseminação pode ocorrer sem nenhum tipo de anteparo. O dano pode ser grande se a ideia em questão for nociva.
Dito isso, prossigamos a procura de nossas respostas… vimos há pouco como a sociedade vê o intelectual, resta-nos saber como ele próprio se vê. Por motivos lógicos, sabemos que ele pode se ver de dois modos autoexcludentes entre si:
1) Como uma parte integrada da sociedade, vendo-a desde dentro.
2) Como alguém acima da sociedade, julgando-a desde fora.
Caso a segunda opção seja seguida, o homem de pensamento fará inegavelmente uma divisão: a divisão entre ele, o crítico do sistema social, e a sociedade, submetida esse sistema; e estando ele fora do problema, passará pela sua cabeça a luminosa ideia: “por que não tentar resolvê-lo?”. Nesse ponto já chegamos perto de nossa resposta, e talvez os mais espertos já tenham encontrado o que procuravam! O intelectual coloca-se então a corrigir os problemas da sociedade em seu gabinete, com seu papel e caneta. Ele diz “essa relação de produção é injusta, deixe-me escrever outra melhor”, “essa compreensão de gênero serve ao capital, vou propor outra” e, tema após tema, ele se mete a revisar a sociedade, e não faz isso sozinho, uma horda de intelectuais como ele se metem a passar a limpo o mundo e Deus. Frederic Bastiat descreveu ironicamente essa tendência nos seguintes termos:
“Enquanto a humanidade tende para o mal, eles, os privilegiados, tendem para o bem. Enquanto a humanidade caminha para as trevas, eles aspiram à luz; enquanto a humanidade é levada para o vício, eles são atraídos para a virtude.”
Uma vez decidido o novo ideal de sociedade, chega a hora de aplicá-lo. A sociedade, porém, muito acostumada à moda antiga, tem lá suas resistências. Mas que resistência não cede à força? Que opinião contrária resiste à perseguição ideológica? Basta a quantidade necessária de brutalidade e o velho modelo aos poucos cede espaço ao novo. Assim escreveu o velho Bastiat:
“E desde que tenham decidido que este deve ser o verdadeiro estado das coisas, então exigem o uso da força a fim de poderem substituir as tendências da raça humana por sua própria tendência”
E assim encontramos as respostas para nossas perguntas. O intelectual que propõe um ideal de mundo melhor e decide impô-lo à força por meio da política é muito mais destrutivo para a sociedade que qualquer criminoso vulgar, uma vez que o criminoso tem contra si a lei e as forças de segurança, porém uma ideia política destrutiva, quando chega à categoria de discurso oficial, tem essas coisas, a lei e a força, a seu favor. A sociedade não deve ser uma massa inerme nas mãos de intelectuais, políticos e legisladores, não é o experimento social de algum pensador excêntrico. Somente compreendendo isso seremos capazes de apreender o significado político da palavra liberdade, que em tudo é contrária à imposição de um modo de vida alheio a tradições, costumes e vontade de um povo.