Não havia dúvida alguma entre as entidades sindicais que a proposta de Reforma Trabalhista atenderia às exigências do capital financeiro e da burguesia nacional no sentido de precarizar ainda mais as relações de trabalho na sociedade brasileira.
Passados pouco mais de três anos de sua vigência, os efeitos são devastadores na classe trabalhadora. Um dos principais pontos da Reforma era a extinção do pagamento das horas in itinere. Essa expressão latina definia o lapso temporal que o(a) trabalhador(a) utilizava para se locomover de sua residência ao local de trabalho e o consequente retorno, quando não havia transporte público regular e o translado era disponibilizado pelo empregador por ser local de difícil acesso.
Para quem mora na região do quadrilátero ferrífero basta lembrar dos(as) milhares de trabalhadores(as) nos pontos de ônibus esperando o transporte para as mineradoras. A grande maioria gasta no mínimo, uma hora e meia de sua casa até o local de trabalho, chegando a três horas para moradores(as) dos distritos mais distantes.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dizia anteriormente que “O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução (Art. 58. § 2º)”.
Com a Lei Federal nº. 13.467/17 aprovada, a redação passou a ser a seguinte:
§ 2º O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.
Havia esperança de que o Tribunal Superior do Trabalho mantivesse a orientação da Súmula nº. 90 do Tribunal Superior do Trabalho mesmo que diversos Tribunais do Trabalho ao redor do Brasil já decidissem de maneira a validar esta nova regra.
A justificativa da manutenção seria uma interpretação sistemática de que o ordenamento brasileiro considera como de serviço efetivo, o tempo em que o(a) empregado(a) está à disposição do trabalho, conforme dispõe o art. 4º da CLT. Ora, de fato, indo trabalhar, o(a) empregado(a) está realizando aquele trajeto única e exclusivamente para vender sua força de trabalho de maneira remunerada e sob subordinação.
Contudo, recentemente, a 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que, mesmo em contratos de trabalhos firmados anteriormente à Reforma Trabalhista, não é devido o pagamento de horas de deslocamento (in itinere) a partir da entrada em vigor da mesma em 11/11/2017 (Processo nº RR-21187-34.2017.5.04.0551 com transitado em Julgado em 02/03/2021).
Esta decisão oficializa que todo o deslocamento e, consequentemente, o tempo de vida dos(as) trabalhadores(as) utilizado para tal, além da jornada de trabalho, será apropriado (não pago) pelo empregador e utilizado para remuneração do lucros da atividade empresarial.
Obviamente que, negociações coletivas ou uma possível alteração legislativa poderiam mudar o cenário de oficialização da exploração humana, mas, não há muita expectativa num curto espaço de tempo.
Contudo, ousamos propor que esta regra precisa ser alterada de maneira a beneficiar toda classe trabalhadora.
Seja em locais de difícil acesso ou em grandes centros urbanos, qualquer deslocamento superior a uma hora e meia deveria ser remunerado, pelo simples fato de que ninguém pode ficar à disposição do seu empregador ou de quem quer que seja por mais horas diárias que as de seu descanso, lazer e convívio com a família e amigos e ainda não receber por isso.
Se um(a) trabalhador(a) gasta 3 horas diárias para se locomover para o serviço e lá dispende mais 9 horas do seu dia (horário de almoço incluso) temos um total de 12 horas por conta do labor. Se conseguir dormir 8 horas por dia, restariam 4 horas diárias para as demais atividades.
Se isto é normal, aceitável e humano, estamos ou não invertendo completamente a lógica de desenvolvimento de nossa sociedade?