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Deslocamento ao trabalho e a apropriação de horas de vida

Seja em locais de difícil acesso ou em grandes centros urbanos, qualquer deslocamento superior a uma hora e meia deveria ser remunerado, pelo simples fato de que ninguém pode ficar à disposição do seu empregador ou de quem quer que seja por mais horas diárias que as de seu descanso, lazer e convívio com a família e amigos e ainda não receber por isso.
07/04/2021 às 06:12
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Guido de Mattos Coutinho é colunista do Mais Minas
Guido de Mattos Coutinho é colunista do Mais Minas

Não havia dúvida alguma entre as entidades sindicais que a proposta de Reforma Trabalhista atenderia às exigências do capital financeiro e da burguesia nacional no sentido de precarizar ainda mais as relações de trabalho na sociedade brasileira.

Deslocamento ao trabalho e a apropriação de horas de vida
Guido de Mattos Coutinho é colunista do Mais Minas

Passados pouco mais de três anos de sua vigência, os efeitos são devastadores na classe trabalhadora. Um dos principais pontos da Reforma era a extinção do pagamento das horas in itinere. Essa expressão latina definia o lapso temporal que o(a) trabalhador(a) utilizava para se locomover de sua residência ao local de trabalho e o consequente retorno, quando não havia transporte público regular e o translado era disponibilizado pelo empregador por ser local de difícil acesso.

Para quem mora na região do quadrilátero ferrífero basta lembrar dos(as) milhares de trabalhadores(as) nos pontos de ônibus esperando o transporte para as mineradoras. A grande maioria gasta no mínimo, uma hora e meia de sua casa até o local de trabalho, chegando a três horas para moradores(as) dos distritos mais distantes.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dizia anteriormente que “O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução (Art. 58. § 2º)”.

Com a Lei Federal nº. 13.467/17 aprovada, a redação passou a ser a seguinte:

§ 2º O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.

Havia esperança de que o Tribunal Superior do Trabalho mantivesse a orientação da Súmula nº. 90 do Tribunal Superior do Trabalho mesmo que diversos Tribunais do Trabalho ao redor do Brasil já decidissem de maneira a validar esta nova regra.

A justificativa da manutenção seria uma interpretação sistemática de que o ordenamento brasileiro considera como de serviço efetivo, o tempo em que o(a) empregado(a) está à disposição do trabalho, conforme dispõe o art. 4º da CLT. Ora, de fato, indo trabalhar, o(a) empregado(a) está realizando aquele trajeto única e exclusivamente para vender sua força de trabalho de maneira remunerada e sob subordinação.

Contudo, recentemente, a 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho decidiu que, mesmo em contratos de trabalhos firmados anteriormente à Reforma Trabalhista, não é devido o pagamento de horas de deslocamento (in itinere) a partir da entrada em vigor da mesma em 11/11/2017 (Processo nº RR-21187-34.2017.5.04.0551 com transitado em Julgado em 02/03/2021).

Esta decisão oficializa que todo o deslocamento e, consequentemente, o tempo de vida dos(as) trabalhadores(as) utilizado para tal, além da jornada de trabalho, será apropriado (não pago) pelo empregador e utilizado para remuneração do lucros da atividade empresarial.

Obviamente que, negociações coletivas ou uma possível alteração legislativa poderiam mudar o cenário de oficialização da exploração humana, mas, não há muita expectativa num curto espaço de tempo.

Contudo, ousamos propor que esta regra precisa ser alterada de maneira a beneficiar toda classe trabalhadora.

Seja em locais de difícil acesso ou em grandes centros urbanos, qualquer deslocamento superior a uma hora e meia deveria ser remunerado, pelo simples fato de que ninguém pode ficar à disposição do seu empregador ou de quem quer que seja por mais horas diárias que as de seu descanso, lazer e convívio com a família e amigos e ainda não receber por isso.

Se um(a) trabalhador(a) gasta 3 horas diárias para se locomover para o serviço e lá dispende mais 9 horas do seu dia (horário de almoço incluso) temos um total de 12 horas por conta do labor. Se conseguir dormir 8 horas por dia, restariam 4 horas diárias para as demais atividades.

Se isto é normal, aceitável e humano, estamos ou não invertendo completamente a lógica de desenvolvimento de nossa sociedade?

Última atualização em 19/08/2022 às 07:43