No tempo em que vivemos, de pandemia e pandemônio, nenhuma palavra tem sido mais usada do que “ciência”. Todos falam em nome dela: políticos, jornalista, formadores de opinião e palpiteiros em geral. Nunca a ciência teve tantos que a representassem, e talvez por isso ela deva se sentir tão injuriada. Duas, três ou quatro hordas de pessoas sustentam publicamente, batendo no peito e rasgando as vestes, o direito do próprio grupo em não somente discutir questões médicas, mas também em falar em nome de universais como “conhecimento”, “verdade” e “ciência”. Uma verdadeira Babel democrática de choro e ranger de dentes!
Porém, como de toda tragédia se pode tirar uma lição, talvez isso tudo nos leve a pensar em questões fundamentais, como o que é o conhecimento e qual o seu papel. Bem, a ciência, tomada aqui como meio de atingir o conhecimento do verdadeiro, não é uma invenção moderna e nem mesmo surgiu com a Idade Moderna. Na verdade, é algo bem antigo- mais antigo que andar para trás. Diversos povos ao longo da história, usando dos instrumentos de que dispunham, se entregaram a reflexões e observações com o único objetivo de conhecer. Dentre eles, os gregos foram um dos que mais avançaram nessa questão, marcando toda a história do pensamento ocidental. Sócrates, personagem dos diálogos de Platão, bem merece ser tomado como um modelo para todos que queiram estudar algum fenômeno, seja ele natural, cultural ou social- e até mesmo para aqueles espertinhos que gostam de dar palpites sobre o que quer que seja.
No livro Apologia de Sócrates, Platão narra como Sócrates ouviu do oráculo de Delfos (uma espécie de vidente) ser ele o mais sábio dos homens, e também como ele ficou espantadíssimo com essa informação. Acontece que Sócrates não se julgava nenhum grande sábio, mas somente uma pessoa que procurava conhecer a verdade das coisas; esse espírito se encontra em sua máxima “só sei que nada sei”. Porém, era justamente nisso que Sócrates se sobressaia em relação a qualquer outro, inclusive aos especialistas em uma única ciência da nossa época, que insistem em ver o mundo todo pelo viés da sua área de estudo: para quem só tem martelo, todo problema é prego. Sócrates não falava em nome da ciência, da verdade, da moralidade, da fraternidade, da humanidade, ou de qualquer outra abstração. Ele falava em próprio nome e procurava para si a verdade, para ser mais livre e para compartilhá-la com os outros.
Nenhuma pessoa fala em nome da ciência, as pessoas honestas só podem falar em próprio nome. E quando várias dessas se juntam, tem-se algum tipo de consenso, e o consenso nem sempre é verdadeiro. O verdadeiro estudo exige um espírito solitário de monge no deserto: contemplando seu objeto ou fenômeno de interesse e procurando em seguida conhecê-lo pelo método mais adequado. Todo conhecimento humano provém disto: desse deslumbrar-se diante da realidade e tentar, a partir disso, conhecê-la. Toda a Ciência é contrária à soberba e ao peito estufado de orgulho, e essa Ciência, com maiúscula, é que pode fazer do homem um ser verdadeiramente livre. A ignorância não é uma bênção, o conhecimento é que é.