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Ex-prefeito de Ouro Preto se cala em 23 perguntas sobre suspeitas no caso Saneouro

Em depoimento como testemunha, o ex-chefe do poder Executivo municipal teve que responder perguntas e ouvir falas polêmicas dos vereadores participantes da CPI.
17/09/2021 às 08:28
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14 min
Foto: Reprodução / CMOP
Foto: Reprodução / CMOP

O ex-prefeito de Ouro Preto, Júlio Pimenta, compareceu à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a concessão do saneamento da cidade à Saneouro. Em depoimento como testemunha, o ex-chefe do poder Executivo municipal teve que responder perguntas e ouvir falas polêmicas dos vereadores participantes. A reunião, realizada nessa quinta-feira, 16 de setembro, durou mais de 7 horas.

As primeiras falas do ex-prefeito na 15ª reunião da CPI da Saneouro foram para explicar os motivos da concessão da água e esclarecer sobre as possíveis irregularidades no contrato. No entanto, quando o vereador Júlio Gori (PSC) assumiu o microfone, perguntas mais pessoas, no âmbito investigativo, foram feitas, o que pareceu incomodar Júlio Pimenta, que desviou de 23 delas, incluindo também as que foram feitas pelo vereador Alessandro Sandrinho (Republicanos).

Tais questionamentos se tratavam de ligações que o ex-prefeito tinha com pessoas relacionadas com iniciativas “público-privado” e que possui suspeitas por parte de Júlio Gori de terem participado efetivamente da criação da concessão da água em Ouro Preto.

O incômodo de Júlio Pimenta chegou a criar um clima pesado na CPI, com insultos e provocações tanto por parte do vereador Júlio Gori quanto pelo ex-prefeito de Ouro Preto.

Veja o diálogo:

JG: Quem era o advogado que você contratou para cassação de Zé Leandro?
JP: Não quis responder.

JG: Com quem estava em Brasília na época da cassação de Zé Leandro?
JP: Não quis responder.

JG: Em 2015, na sua filiação ao MDB, o então advogado que perguntei antes (Ricardo Matos) estava presente nessa casa. Ricardo Matos foi o intermediário entre o senhor e o ex-governador Toninho Andrade?
JP: Não quis responder.

JG: Qual o nome do escritório eleitoral que auxiliou a sua campanha em 2016?
JP: Não quis responder.

JG: O advogado Cardoso, sócio do senhor Ricardo Matos, o representou em 2015 e 2016?
JP: Não quis responder.

JG: O senhor tem conhecimento que o advogado Simão da Cunha era sócio de Ricardo Matos e diretor executivo da IBD?
JP: Não quis responder.

JG: O IBD é o instituto que foi contratado e denunciado no Ministério Público 58 dias após o início do governo do ex-prefeito que está aqui. Empresa de concessões que faz todo esse estudo. O senhor Simão da Cunha Pereira Filho, diretor executivo dessa empresa, é sócio do senhor Ricardo Matos.

Neste momento, Júlio Gori apresentou uma fotografia no telão da Câmara de Júlio Pimenta e Ricardo Matos em Londres. Veja:

Ex-prefeito de Ouro Preto se cala em 23 perguntas sobre suspeitas no caso Saneouro
Foto: Reprodução / CMOP

JG: Quem financiou essa viagem?
JP: Minha viagem foi para estudar parceria publico-privada num curso convidado pela London “School Of Economics and Politics Ciences”. Já estou convidado novamente para ir depois, porque estudamos uma semana sobre casos de sucesso e insucesso de parceria publico-privada, uma das maiores universidades do mundo, que inclusive já teve 16 ex-alunos no prêmio Nobel. Foi muito gratificante para mim, fui antes de ser prefeito. Terei que ir lá para relatar como foi o caso no município de Ouro Preto.

JG: Quem pagou o curso?
JG: Eu não era prefeito, fui convidado pela London School, almocei com os diretores junto com outras pessoas participando, gestores, inclusive do Ministério Público, do judiciário e o programa continua.

JG: O valor global dessa dispensa de licitação foi de R$ 1.176.000. O Simão, advogado, esteve na viagem?
JP: Não.

JG: O ex-juiz Ricardo Matos esteve presente no lançamento do programa PP no Museu da Inconfidência?
JP: Não quis responder.

JG: A sua esposa, Rosilene, foi a viagem com o senhor?
JP: Provavelmente, Ouro Preto está sentindo falta da primeira dama.

JG: Qual era o papel do Rogério Morais nas concessões? Ele atuou na contratação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento?
JP: Não quis responder.

JG: Os nomes são dos protagonistas das concessões, essa empresa que fez essa concessão, cheia de vícios. Ligações desse instituto é que vai tirar a Saneouro. O juiz vai ver isso.

Em 2018, o Mais Minas veiculou uma reportagem trazendo à tona questões ligadas à contratação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (IBD), no valor de R$ 1.176.000,00 (um milhão e cento e setenta e seis reais mil reais), realizada pela prefeitura de Ouro Preto por meio de dispensa de licitação. Na ocasião, de acordo com o denunciante Leleco Pimentel, o IBD teria sido a mesma entidade que bancou uma viagem de uma semana de Júlio Pimenta para a Europa. Aqui mais detalhes sobre o caso.

Agora, voltando à CPI, devido a frequência em que o ex-prefeito de Ouro Preto se recusava a responder, o corpo jurídico da Câmara Municipal interrompeu a oitiva para esclarecer que o depoente, sob condição de testemunha, não tem o direito de não responder, apenas de falar se sabe ou não sabe responder sobre o assunto.

JG: Uma figura pública, Leleco Pimentel, fez uma representação no Ministério Público. Alegou imoralidade na contratação da entidade pelo seguinte motivo: o alto valor praticado no contrato de consultoria em tempos de grave crise financeira no município, pela modalidade dispensa de licitação. Por que o Instituto de Planejamento de Cidades (IPGC) foi voluntário e o outro cobrou R$ 1.176.000. Foi doação do nada?
JP: Não respondeu.

JG: Conhece Leonardo Luiz dos Santos?
JP: Não respondeu.

JG: Ele está fazendo hora aqui conosco. Todo mundo que está assistindo consegue ver a ligação dele com essas empresas que trouxeram a Saneouro. Ricardo Matos é atualmente o diretor executivo do IBD, cargo ocupado antes pelo Simão da Cunha, seu sócio. Os cujos estudos foram contratados e pagos com um ano de atraso e descartados nas contratações relativas às duas concessões: saneamento básico e iluminação pública. Quem indicou o instituto de planejando de gestão de cidades para o senhor?
JP: Não é objeto da CPI.

JG: Eles que fizeram o estudo para concessão! Como não é objeto?
JP: Não, peço que faça perguntas sobre a licitação da concessão.

JG: Eles são objetos porque eles estavam antes orientando o senhor nas viagens que teve, nesse grupo que conseguiu montar antes e chegou nisso aqui.
JP: Nada a ver.

JG: O depoente adquiriu algum imóvel do senhor Ricardo, corretor de imóveis, em cachoeira do campo? Porque foi tudo na época
JP: Não tem nada a ver com o assunto. Preguiça.

JG: Ele fez essa viagem, foi eleito e teve uma série de movimentações, de compras e etc. Eu não posso questionar isso? Porque as pessoas que estão envolvidas nessas compras fazem parte dessa empresa, dessa concessão. O pulo do gato de tirar a Saneouro e por gente na cadeia é começar lá em 2012, quem são os aliados e quem não quer responder. Essa covardia, esse malabarismo, todos esses indícios que temos dentro dessa casa, que já dá para fazer essa quebra de contrato. Tinha que ter aqui um detector de mentira para o depoente, ele ia ficar apitando igual relógio de hospital.

Ex-prefeito de Ouro Preto se cala em 23 perguntas sobre suspeitas no caso Saneouro
Foto: Reprodução / CMOP

Outras ligações suspeitas

Em seguida, o vereador Sandrinho fez três abordagens sobre outras ligações suspeitas que o ex-prefeito de Ouro Preto poderia ter envolvendo a chegada da Saneouro na cidade para exercer o serviço de água e esgoto no município.

AS: O senhor conhece o proprietário ou tem alguma ligação com os proprietários da empresa Portal Transportes e Locação LMTDA?
JP: Não é objeto. Não tenho nada a ver com prestação de serviço de mais nenhuma entidade. Se presta serviço ainda… Não tenho.

AS: Não tem ligação com Flávio Luiz da Silva nem com Flaviane da Silva Rodrigues?
JP: Não tenho ligação.

AS: Conhece ou tem alguma proximidade com Walter Soares Ferreira?
JP: Conheço.
AS: É amigo?
JP: Conheço.
AS: Trabalhou no (seu) governo?
JP: Trabalhou.
AS: O senhor sabe informar se essa pessoa possui ou possuiu algum contrato com a Saneouro?
JP: Não sei, não tenho relação com nenhuma empresa prestadora de serviço.

Novas discussões com Júlio Gori

Depois de vários outros vereadores realizarem perguntas sobre o contrato de concessão e a parte técnica do processo licitatório, Júlio Gori voltou a fazer perguntas na tentativa de descobrir mais ligações suspeitas que levaram até a concessão da água em Ouro Preto, que supostamente teria gerado benefícios ao ex-prefeito.

JG: Conhece Paulo Roberto de Oliveira?
JP: Não respondeu.

JG: Conhece Fernando Schlieper?
JP: É nome de elevador?
JG: Ele é um dos donos da Saneouro.

JG: Qual o nome do escritório eleitoral que auxiliou o senhor na campanha em 2016?
JP: Não é objeto.

JG: Esse contrato que você fez de R$ 1.176.000, essas perguntas que eu estou fazendo, que o senhor não quer responder, tem a ver com essa dispensa de licitação. É por isso que o senhor não quer responder, covarde. São 58 dias e o senhor já fez isso.

JG: Eu queria fazer uma pergunta antes. Com todo o respeito, a senhora dona Rosilene Fátima Rioga Machado, a sua legítima esposa, qual a profissão dela?
JP: Não vai me provocar. Eu tenho uma grande primeira dama, dedicada, assídua, eu a amo muito e vossa excelência não vai me provocar. Pode ficar aqui a noite inteira. Pergunte objetivamente sobre o assunto.

JG: Dia 21 a 25 de novembro foi a viagem para Londres com a turma desse instituto IBD. Depois para comemorar a vitória (nas eleições). Nesses mesmos meses, em dezembro, a esposa dele adquiriu um terreno de 500 mil reais aqui na Barra, de mil metros quadrados.
JP: Não é verdade.
JG: Está aqui no documento do cartório.
JP: Não é verdade.
JG: Está aqui, dezembro de 2016, registrado no cartório. Essa viagem, essa compra, a casa de Cachoeira do Campo de mais de R$ 1 milhão, tudo foi na mesma época.

Júlio Gori, então, pediu para que o presidente da CPI, vereador Matheus Pacheco (PV), para que apresentasse o requerimento que ele acabou de protocolar na Câmara. O documento requer que seja convocado para prestar depoimento o ex-diretor executivo do Instituto de Desenvolvimento (IBD), Simão da Cunha Pereira Filho.

“Se o ex-prefeito não quer responder, quem vai falar é o senhor Simão. Nós vamos saber quem é o sócio deles, perguntar se eles foram juntos para Londres e etc. O desenrolar todo disso aqui vai partir dele, se ele vir aqui e falar a verdade também. Porque tem outros envolvidos, advogados”, disse Júlio Gori sobre seu requerimento. Após isso, a oitiva prossegui.

JG: O escritório do Ricardo Matos advogou para o Rogério Morais?
JP: Não sei.
JG: Foi controlador do senhor, o senhor que indicou.
JP: Não sei.
JG: Aguardem.

JG: Qual a relação do senhor doutor Simão da Cunha com o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento?
JP: Não sei.

Neste momento, Júlio Pimenta perdeu a compostura como depoente da CPI e soltou uma provocação a Júlio Gori. “Sabe o que incomoda vossa excelência? Tudo disso você lembra de mim, porque o senhor passa num asfalto que metade foi o ex-prefeito Zé Leandro que fez e a outra metade fui eu que fiz”. O vereador respondeu dizendo que “o asfalto que o senhor fez já está na justiça, não vamos desviar assunto não”.

Ex-prefeito de Ouro Preto se cala em 23 perguntas sobre suspeitas no caso Saneouro
Foto: Reprodução / CMOP

Com uma confusão iniciada no Plenário após a troca de farpas, o advogado do ex-prefeito de Ouro Preto, Geraldo Rioga, disse que irá processar Júlio Gori, após o acusar de assessorar outros vereadores da Câmara. Depois do presidente da CPI controlar a situação, com dificuldades, a oitiva teve prosseguimento.

JG: O senhor tem conhecimento que o advogado Simão da Cunha era sócio do senhor Ricardo Matos de Oliveira?
JP: Não sei, não é objeto.

JG: Ricardo Matos de Oliveira continuou frequentando a sua pousada e viajou com o senhor para a Bahia?
JP: Não. Não é objeto as minhas relações pessoais, coisa de quando eu não era prefeito, isso não tem nada a ver com o objeto. Não tem nada de errado no processo, as pessoas virão lá na frente que felizmente ou infelizmente…

JG: Qual é o nome do procurador do município na sua gestão?
JP: Doutor Geraldo Rioga.
JG: O seu advogado que está aqui com o senhor?
JP: Sim.

JG: Qual foi a negociata que teve a comissão com aquela dívida milionária que hoje está em quase R$ 15 milhões da Cemig, que está na justiça? Por que o senhor não transferiu ela para a GS Inima (proprietária da Saneouro)?
JP: Não faço negociata, por isso não foi feito.

JG: O senhor tem participação na Saneouro?
JP: Nenhuma. Nenhum parente meu, não tenho participação nenhuma nessa empresa e nem em nenhuma outra. Não sou sócio de nenhuma empresa.

JG: Ricardo Matos, diretor e sócio do IBD, esteve aqui presente na sua filiação do MDB?
JP: Não lembro.

JG: O senhor recebeu algum dinheiro dos acionistas da GS Inima (proprietária da Saneouro)?
JP: Não.

JG: Você foi convidado para fazer parte do grupo GSI Inima?
JP: Não.

Por fim, Júlio Gori explicou que todas essas perguntas que foram feitas é sobre o nascituro do objeto da CPI. O vereador alegou que sabe as respostas dos questionamentos que não foram respondidos pelo ex-prefeito de Ouro Preto e contou que irá integrar o material ao relatório que será entregue ao Ministério Público (MPMG). O membro do poder Legislativo ouro-pretano também disse que tem muita fé em conseguir tirar a Saneouro do município, pois há muitas irregularidades e vários enriquecimentos ilícitos no caso.

“Nós sabemos quem é o dono (da Saneouro). A gente conhece o figurão (Júlio Pimenta), pessoal fala e ele fica murmurando por trás dessa máscara, tinha até que ter respeito a Nossa Senhora Aparecida que está ali no seu rosto (imagem que estava na máscara de Júlio Pimenta). Não tem respeito com o povo. Essa concessão está prestes a ser quebrada”, finalizou Júlio Gori.

Ao término da reunião, foram aprovados dois requerimentos aprovados por unanimidade. O primeiro, de autoria de Júlio Gori, pedindo a convocação do ex-diretor executivo do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (IBD), Simão da Cunha Pereira Filho, por ter suspeita de tal instituto ter feito a concessão

O outro requerimento se trata de um pedido de oitiva de Alessandro Sandrinho para convocar o proprietário do Portal Transporte LMTDA em Ouro Preto, Flávio Luiz da Silva. O vereador alega que a empresa recebeu R$ 125 mil em apenas um mês e estipulou um faturamento da mesma maior que R$ 1 milhão. O dono da companhia, no caso, estava presente na época de campanha eleitoral de Júlio Pimenta, tendo, inclusive, registro fotográfico disso.

Portanto, na próxima quarta-feira, 22 de setembro, haverão duas oitivas no mesmo dia. A CPI receberá, às 13h, Flávio Luiz da Silva, e depois, às 16h, Simão da Cunha.

Outro requerimento que também foi aprovado pede as atas das Prefeituras Itinerantes ocorridas durante o mandato de Júlio Pimenta.

Última atualização em 19/08/2022 às 07:22