Com o olhar estático e ilustre de tanta metafísica não vista quis correr e abraçar, a ponto de transformar em sua presa, uma paixão, o amor de algum rapaz. Já encharcado de tanto café o estômago ameaçava a doer a cada ligeiro movimento muscular do abdômen. Não ligava para nada disso, a vida doía.
A leitura de romances o deixara efusivo, no entanto sentia-se douto em romances, não na prática, pois acreditava jamais ter amado ou se apaixonado perdidamente, afinal seus escassos relacionamentos pela falta de dinheiro não o possibilitava se dar a certos luxos da vida comum capitalista. Devia ser duro e acostumar-se à economia de consumo e solidão, o dinheiro mal dava pra pagar o aluguel e o almoço. No entanto, tinha vida, seu corpo era um fenômeno na superfície de um planeta qualquer. Jamais se sentiu de todo só, perto de sua estante de livros ou de algumas de se suas reproduções de grandes pintores, se sentia perfeitamente complexo, difícil de entender e inefável como o big bang. Do quarto via no alto do morro um bambuzal que o deixava sempre pasmo com a patética melancolia aprazível feito faca abrindo carne.
Aos poucos descobrira certa elegância pitoresca para além de seus quadros. A decadência dos entes e suas mais bizarras formas tomadas com o tempo o encantava. Havia próximo de sua casa um asilo, lá pairavam doentes, cadeirantes, cegas e lesadas de toda a memória que viam o dia começar e sumir na escuridão noturna sem dizer palavra. O cheiro, o olhar cansado e cheio de vazio daqueles idosos o deixava sempre forte entre o incômodo e o pleno, sabendo que tivera contato com as diversas instâncias dessa existência não estranhava nem mesmo qualquer outra forma que no universo pudesse haver. Algo como gente sentada e velha sob o sol, real, inútil, exaustiva, e finalmente, misteriosa.