Antes mesmo da Proclamação da República, quando Ouro Preto ainda era a capital da província de Minas Gerais, o Império do Brasil autorizou, por meio de um decreto imperial, a realização de uma loteria pública. Essa loteria pioneira é considerada o marco inaugural das apostas oficiais no país, segundo documentos consultados no site oficial da Loteria Federal da Caixa Econômica Federal e também referenciado por estudiosos como Victor Silva, no livro “História das Loterias no Brasil: Do Império à Caixa Econômica Federal” (Ed. Memória Social, 2012).
A cidade de Ouro Preto, símbolo do ciclo do ouro e da cultura barroca brasileira, tornou-se o cenário da primeira loteria pública brasileira, com autorização para operar em 1844. O objetivo era financiar obras públicas e socorrer instituições de caridade, em um modelo inspirado nas experiências europeias, especialmente a portuguesa. Como aponta a historiadora Maria Aparecida de Oliveira em artigo publicado na Revista de História da USP, “as loterias foram inicialmente implantadas como mecanismo de redistribuição de riqueza e suporte social”.
Da corte portuguesa às ruas brasileiras
A prática de sorteios com premiações não nasceu no Brasil. A primeira loteria pública portuguesa data de 1783, conforme documentado no acervo da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa. O modelo atravessou o Atlântico e foi incorporado à administração colonial, mas só ganhou legitimidade formal após a independência.
No caso brasileiro, o decreto que autorizou a loteria em Ouro Preto já previa mecanismos de controle e repartição dos recursos. De acordo com o pesquisador Pedro Vasconcelos, autor do livro “O Estado e o Jogo: História Jurídica das Loterias Brasileiras” (Editora Lumen Juris, 2018), a regulamentação precoce foi decisiva para evitar que o jogo se tornasse sinônimo de contravenção.
O papel da Igreja e da filantropia
A relação entre Igreja e loteria no Brasil imperial é outro aspecto digno de nota. A própria Santa Casa da Misericórdia de Ouro Preto teve papel importante na arrecadação de fundos via sorteios. Como descreve o historiador Antônio Luiz Machado em “As Misericórdias e o Financiamento da Saúde no Brasil Colonial”, a loteria servia como estratégia de financiamento para hospitais, orfanatos e casas de abrigo.
Transição para a República e a profissionalização das apostas
Com a proclamação da República, a prática da loteria passou por um processo de nacionalização e centralização. A Constituição de 1891 já previa a competência federal sobre os jogos de azar. Em 1892, o governo promulgou normas que oficializaram a Loteria Federal. Essas informações estão disponíveis no site do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e são detalhadas no trabalho de conclusão de curso de Luciana Barbosa, intitulado “Jogos de Sorte e Construção do Estado Nacional no Brasil: 1890-1930” (UFRJ, 2015).
Marcos históricos das loterias brasileiras
Ao longo dos anos, o sistema lotérico brasileiro passou por diversas transformações. A criação da Loteria Esportiva, em 1962, e da Mega-Sena, em 1996, marcou uma nova era. Ambas são iniciativas da Caixa Econômica Federal e visam arrecadação de fundos para áreas como educação, segurança e esporte. Informações detalhadas estão disponíveis na Wikipedia e na Lei das Loterias (Lei nº 13.756/2018).
Loterias como política pública
Hoje, o sistema de loterias da Caixa contribui significativamente com políticas públicas. Segundo dados da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério da Fazenda, cerca de 48% da arrecadação bruta das apostas é destinada a áreas como seguridade social, segurança pública, educação e saúde.
Um marco cultural e histórico pouco explorado
Apesar da importância histórica, a realização da primeira loteria brasileira em Ouro Preto ainda é pouco conhecida do grande público. Iniciativas de valorização dessa memória vêm sendo encabeçadas por instituições como o Iphan e por pesquisadores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que discutem a incorporação desse episódio ao roteiro cultural da cidade.
Conclusão
A trajetória da loteria no Brasil, que começou formalmente em Ouro Preto, reflete transformações profundas na forma como o Estado lida com o jogo, a arrecadação e as políticas sociais. De 1844 a 2024, o que começou como uma prática localizada tornou-se uma estrutura nacional essencial à máquina pública. Resgatar essa origem é também reconhecer a importância histórica de Minas Gerais para o desenvolvimento institucional do país.
Referências:
- Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Loteria_Federal
- Caixa Econômica Federal: https://www.loterias.caixa.gov.br/
- Santa Casa de Lisboa: https://www.scml.pt
- Iphan: https://www.gov.br/iphan
- Ministério da Fazenda: https://www.gov.br/fazenda
- Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB): https://www.ihgb.org.br
- Lei nº 13.756/2018 (Lei das Loterias): https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13756.htm
- Livros citados:
- Silva, Victor. História das Loterias no Brasil: Do Império à Caixa Econômica Federal. Ed. Memória Social, 2012.
- Vasconcelos, Pedro. O Estado e o Jogo: História Jurídica das Loterias Brasileiras. Editora Lumen Juris, 2018.
- Machado, Antônio Luiz. As Misericórdias e o Financiamento da Saúde no Brasil Colonial. Ed. Unesp.
- Artigo: Oliveira, Maria Aparecida de. “Loterias como Ferramenta de Justiça Social”, Revista de História da USP.
- TCC: Barbosa, Luciana. Jogos de Sorte e Construção do Estado Nacional no Brasil: 1890-1930. UFRJ, 2015.