Daniela Arbex é jornalista formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e venceu dois prêmios Jabuti pela categoria livro-reportagem. O prêmio homenageia a qualidade do trabalho de criação e produção de um livro. A autora escreveu três livros da mesma categoria: Holocausto brasileiro, Cova 312 e Todo dia a mesma noite.
Os livros descrevem a história de fatos passados e tragédias, construindo assim, memórias. O foco investigativo da autora colabora com a produção dos livros, uma vez que a apuração dos fatos e a narração conta com uma escrita objetiva e intensa.
Todo dia a mesma noite, lançado em 2017, trás a história da tragédia que dilacerou não só moradores de Santa Maria (RS), como todo o Brasil. A produção, relembra a fatalidade ocorrida em 2013 e homenageia os 242 mortos no incêndio da Boate Kiss.
Daniela cria um memorial contra o esquecimento desta noite, e luta pela construção da memória em paralelo a depoimentos de sobreviventes, pais, médicos e bombeiros envolvidos na madrugada de 27 de janeiro de 2013. Além disso, a jornalista busca respostas sobre as consequências da banalização dos proprietários do estabelecimento, de empresários e políticos de Santa Maria e do estado.
O livro, produzido em terceira pessoa, narra os fatos a partir de relatos, opiniões e olhares. Indo além de um “fazer jornalístico”, a autora explora a capacidade de se despertar no leitor empatia pelos envolvidos naquela tragédia. A narração e a descrição do livro é capaz de tirar o fôlego, sendo necessária diversas pausas durante a leitura.
Dividido em 16 capítulos, Daniela conta diferentes realidades envolvidas na tragédia. Entre elas, a história dos familiares, a postura dos bombeiros, médicos e também políticos. O reconhecimento dos corpos pelos pais, além da rotina da família e amigos após a fatalidade. O livro é capaz de tocar o leitor, além de resgatar a identidade das vítimas da boate.
A produção vai além da textualidade, o uso de fotografias sensíveis de sobreviventes, pais, bombeiros e enfermeiros contribuem com os relatos fiéis à realidade. Carregando assim, pelo olhar da autora, um sentimento único pelos atingidos, indo além das palavras.
A capacidade de cruzar histórias, de contar a trajetória dos jovens, de integrar o sensível à crítica – como os descuidos dos proprietários da Kiss e a política brasileira, e a necessidade em mostrar a resistência dos pais, ao buscar justiça, constrói uma história e uma memória de uma noite que ficou marcada para sempre.
“Para quem perdeu um pedaço de si na Kiss, todo dia é 27. É como se o tempo tivesse congelado em janeiro de 2013, em um último aceno, na lembrança das últimas palavras trocadas com os entes queridos que se foram, de frases que soarão sempre como uma despedida velada”. Assim Daniela Arbex inicia o capítulo XIII “Todo dia é 27”, dialogando com todo o livro, e com o sentimento de nós, leitores. O sentimento é angustiante durante toda a leitura embargada por depoimentos de sofrimento e saudade.
A capacidade de detalhamento do livro, envolve profundamente o leitor nas histórias escritas pela jornalista. A busca incessante dos pais pelos filhos, a agonia e a esperança pelos nomes dos jovens nas listas de sobreviventes, as incansáveis buscas em hospitais e o triste encaminhamento ao ginásio Farrezão constroem uma narrativa que emociona e sensibiliza.
Não só de sensibilidade e memória a narrativa é construída. Daniela cita também a pior parte do ser humano, entre questões religiosas e descaso público. No capítulo VI “quando a política vem na frente da dor”, a autora demonstra questões não só de falta de empatia, mas também preconceitos, precariedade e problemas políticos. É indiscutível o valor da vida de cada jovem envolvido na tragédia, os processos sob os responsáveis não só pelo incêndio, mas também pelas negligências dos donos da boate, refletem este valor.
Muitos tiveram que recorrer após a tragédia a amparo psicológico. Alguns pais se culpam pelo ocorrido, outros tentam recomeçar a vida. Alguns iniciaram um protesto, nomeado como “Santa Maria do luto à luta”, deixando aceso o sentimento de justiça, não só pelos familiares, como também dos amigos. Afinal, a morte de 242 pessoas foi causada por uma negligência humana.
Movimento “Santa Maria do luto à luta”
O movimento Santa Maria do Luto à Luta, que tem com lema “Meu Partido é um coração Partido” tem como personagens principais pais, mães, familiares e amigos das vítimas e sobreviventes da tragédia. O movimento busca realizar ações expressivas de luta pela responsabilização de órgãos criminais, civis e administrativos responsáveis pela tragédia que tirou a vida de 242 jovens.
Assim como Daniela Arbex cita em seu último capítulo do livro, “Para as vítimas indiretas do incêndio na Kiss, resistir não é uma escolha, mas um imperativo de sobrevivência”.